Tinham conversado ao telefone, pela primeira vez, há poucos dias. Nunca se tinham encontrado nem conheciam as feições uma da outra. Ainda assim, quando a ucraniana Viktoriia Hrybanovska, 38 anos, foi recebida, com a filha de 10, pela conterrânea Oksana Khrushch, numa noite fria de abril, num hotel, em Varsóvia, na Polónia, deu-lhe um longo abraço.
Há um mês que Viktoriia e a filha Elisabete tentavam chegar à Polónia - tinham fugido de Chernihiv, no norte da Ucrânia, onde viviam, e percorrido dezenas de localidades, procurando escapar aos ataques do exército russo. Aquela era a primeira vez, em semanas, que poderiam dormir numa cama limpa e tomar um banho de água quente. "Obrigada, muito obrigada", repetiu Viktoriia, emocionada.
Nesse dia, ainda de madrugada, Oksana Khrushch, ucraniana de 41 anos a viver em Portugal há mais de 20, viajara para a Polónia com mais cinco voluntários da paróquia do Campo Grande, em Lisboa, com a missão de resgatar refugiados vindos da Ucrânia. Desde que a guerra começou, a 24 de fevereiro, mais de 11 milhões de pessoas abandonaram as suas casas, na Ucrânia, e mais de quatro milhões fugiram para países vizinhos, de acordo com as Nações Unidas. Destas, mais de 28 mil pediram proteção temporária a Portugal.
“Desde o início do conflito, pensámos que eramos chamados a envolvermo-nos de alguma maneira. Fizemos uma campanha para recolha de bens essenciais e depois a oportunidade de fazer mais alguma coisa veio ter connosco, quando um grupo de jovens nos pediu ajuda para trazer algumas famílias para Portugal”, recorda o padre Hugo Gonçalves, pároco do Campo Grande, contando que, em meados de março, a paróquia enviou um primeiro autocarro que transportou 49 pessoas. Desta vez, graças a um donativo da Fundação Santander, conseguiu fretar um avião.
“Onde houver uma pessoa a sofrer, onde houver um lugar onde a paz não acontece, aí devemos ser testemunhas da paz, aqueles que partem e ajudam, desde que esteja ao nosso alcance - e neste caso estava”, sublinha o sacerdote.
Menos de 48 horas depois de o grupo de cinco voluntários ter saído de Lisboa, com destino a Varsóvia, 173 pessoas, com idades entre os 3 e os 81 anos, a maioria das quais mulheres e crianças, aterravam no aeroporto militar de Figo Maduro, em Lisboa. Este é o diário desse resgate.