Fórmula 1

Porque é que Hamilton vai trocar a Mercedes aos 40 anos? "Ninguém quer morrer sem correr pela Ferrari", confessa Félix da Costa

02 fev, 2024 - 14:31 • Eduardo Soares da Silva

O piloto português, atualmente na Fórmula E, ficou surpreendido pela decisão de Hamilton, mas compreende-a. "É uma junção de dois titãs, um recordista na equipa mais mítica do mundo da Fórmula 1", diz à Renascença

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Ninguém quer morrer sem pilotar um Ferrari. É assim que o piloto português António Félix da Costa explica a decisão de Lewis Hamilton trocar a Mercedes na próxima época, mas não esconde o "choque" com o anúncio.

O recordista de títulos, vitórias, "poles" e pódios da história da Fórmula 1 vai deixar a Mercedes no final da época que está prestes a começar. Em entrevista à Renascença, o português acredita que Hamilton "aproveitou a oportunidade" e vai "acabar a carreira na Ferrari". E diz mais: "É a junção de dois titãs. Um piloto recordista com a equipa mais mítica do mundo da Fórmula 1", diz.

Félix da Costa antecipa uma temporada com uma "dança de cadeiras muito interessante", uma vez que a maioria dos pilotos está em final de contrato. Para 2025, acredita que o cenário mais provável é que Hamilton não consiga reaproximar a Ferrari do título que escapa desde 2007 com Kimi Raikkonen.

Há quem já classifique a transferência de Lewis Hamilton para a Ferrari como a maior da história da Fórmula 1. Concorda com esta ideia? É daquelas mudanças míticas que marca a história do desporto?
Eu acho que sim. Estamos a falar do piloto que, em papel e não só, é o maior recordista do nosso desporto, com mais vitórias, mais “pole positions” e que igualou os Campeonatos do Mundo de Schumacher. A transferência dele para a Ferrari, que é igualmente a equipa mais mítica e com mais história do mundo da Fórmula 1, é a junção de dois titãs. Choca muito o mercado e todos os fãs da modalidade. Já se falava disto há algum tempo, havia rumores, mas não estava mesmo a conseguir prever isto.

O Lewis Hamilton fez todas as corridas na sua carreira na Fórmula 1 com motores Mercedes. Tem uma imagem forte, juntou-se à Mercedes e juntos estão a mudar a narrativa de como se trabalha na Fórmula 1, mesmo alguns pontos de ativismo e o facto do carro ser preto. Fizeram muitas coisas juntos que se enquadram com a imagem do Hamilton. Não estava mesmo à espera e na Ferrari será muito mais complicado ser o Hamilton que gosta de ser. Podemos dizer que ninguém quer morrer sem correr pela Ferrari na Fórmula 1. Viu esta oportunidade, era o momento oportuno e vai acabar a carreira na Ferrari. É uma história enorme.

Há uns anos, Vettel dizia que toda gente apoia a Ferrari, mesmo que diga que não. É também por aqui que se justifica? Todo esse peso histórico da equipa.
Sem dúvida. Quando eu assinei pela Porsche há três anos, tive uma proposta para trabalhar com a Ferrari, não só sendo piloto de simulador na Fórmula 1, mas também fazendo outros campeonatos. Mesmo já sabendo que não iria assinar por eles, usei a oportunidade para visitar a fábrica. Maranello é um sítio mítico. Quando lá cheguei com o Tiago Monteiro, o meu manager, passámos lá o dia e quando saímos ficámos a olhar um para o outro...

Tem um poder enorme, é uma marca gigante e há um sentimento especial lá. Sendo piloto titular da Ferrari na Fórmula 1, nem consigo imaginar o sentimento e a marca que deixa. Acho que o Vettel tem toda a razão, o Hamilton sabia isso. A passagem pela Mercedes deixou marca, mas ainda nem começou a época 2024 e já está toda a gente a querer ver o início da época 2025.

Acaba por ser inesperado também pelo timing? Uma transferência desta dimensão anunciada para a época seguinte. É uma jogada de antecipação?
Acho que o tema foi outro. Iriam surgir notícias impossíveis de ocultar e preferiram anunciar já. Seria muito complicado manter isto em segredo e isso poderia trazer outros problemas para o Lewis e Mercedes. Há uma época pela frente e conhecendo o Hamilton, o Toto Wolff e a Mercedes como marca, nenhum deles vai estar a cumprir calendário. Vão querer vencer o campeonato e acho que o Toto vai tentar mostrar ao Lewis que tomou a decisão errada. Mesmo a vida do Lewis na Mercedes pode mudar, vão querer colocar o George Russell num patamar de líder. Será a grande aposta deles. Internamente, muita coisa vai mudar.

Como é que a notícia está a ser recebida no meio, até entre pilotos?
Foi um choque, não vou negar. Já tinha ouvido umas notícias há uns dias. Falámos na Fórmula E entre nós, achávamos que poderia ser o Lewis a meter pressão à Mercedes para renovar contrato. Achei que seria mais por aí. Ontem quando surgiram fontes mais seguras, comecei a acreditar que pudesse ser verdade. E aí sabia que o anúncio seria iminente. Sendo verdade, não poderiam ficar sentados na especulação durante muitos dias.

Depois dos rumores de ontem de manhã, todos quiseram sair por cima e anunciar para terminar com a especulação. Foi um choque, mas no bom sentido. É bom para a Fórmula 1, mais pessoas a falar e a ver. Todas as modalidades do automobilismo ganham com isto.

Há alguma transferência na história do automobilismo que se aproxime desta?
Acho que não, talvez a ida do Vettel para a Ferrari. Estava na Red Bull desde o início, foi quem o levou para a Fórmula 1, venceram quatro Mundiais. Foi uma decisão forte, mas talvez não tão chocante porque não estava sequer perto do fim da carreira. Pensávamos que o Lewis iria terminar a carreira na Mercedes. Talvez o regresso de Schumacher para a Fórmula 1 com a Mercedes. Fez uma história inacreditável com a Ferrari, era o piloto mais conceituado da modalidade. Retirou-se e depois de dois anos fora voltou com a grande rival, a Mercedes. Mas acho que esta vai ultrapassar todas as outras histórias de um passado recente.

No caso do Vettel, a transferência para a Ferrari não correu como esperado. Nunca conquistaram o título. Pode ser um Hamilton quarentão – porque já vai ter 40 anos no início da próxima época – a colocar a Ferrari na rota do título? Ou é pouco credível olhando para a última época e para o que se espera desta época?
Acho que há duas formas de olhar para isto. Quem ganha a 100% é a Ferrari. Mesmo que o Lewis não seja rápido o suficiente - pela idade ou por outro motivo qualquer -, a experiência e a informação que vai trazer da Mercedes pode até mudar um pouco a forma de trabalhar e a eficácia da Ferrari, que vai ganhar muito com isso. O Leclerc também é um dos mais rápidos da grelha e pode pôr isso em prática, caso o Hamilton não esteja à altura, que eu acho que vai estar.

Um cenário mais provável é que a Ferrari não esteja à altura para competir com Red Bull e Mercedes como nos últimos dez anos. Tem estado na frente, mas não chega para ganhar campeonatos. A Ferrari terá olhado para isto e pensado que só teria a ganhar e nada a perder, para não falar do aspeto financeiro e mediático. Ontem [quinta-feira, 1 de fevereiro], a avaliação da Ferrari na bolsa subiu para 7 mil milhões de dólares. A notícia já está a dar dinheiro à Ferrari, que será sempre a grande vencedora da transferência.

Para lá da Ferrari, pode trazer novo entusiasmo à Fórmula 1? A Netflix trouxe um “boom” gigante, que pode agora começar a dissipar-se. Este troca pode ser uma narrativa muito forte nesse sentido…
Acho que sim. É uma altura muito gira de se seguir os bastidores da Fórmula 1. Esta saída da Mercedes vai criar uma enorme dança de cadeiras: 70% da grelha está em fim de contrato, são cerca de 11 a 14 pilotos sem contrato no fim da época. A Mercedes terá um dos lugares mais desejados e qualquer que seja o piloto a parar lá, abrirá outro lugar e, consequentemente, surge uma grande dança de cadeiras. É um ano decisivo para o Pérez na Red Bull também. Será em estilo dominó.

E o próprio Carlos Sainz, que é o sacrificado da contratação, pode ser ele a encaixar na Mercedes ou terá de baixar de patamar? Qual pode ser o seu futuro?
Sem comprometer nada o Carlos, com quem tenho falado ultimamente, ele está numa posição boa. Está muito bem conceituado. Esteve sempre à altura quando foi colega do Verstappen na Toro Rosso, agora na Ferrari está à altura do Leclerc. A única vitória da Ferrari no ano passado foi dele.

Está numa posição muito boa, é muito subestimado, mas tem uma decisão complicada a tomar. Pode ir parar à Red Bull ou Mercedes, mas pode ter novamente um rótulo de segundo piloto com o Verstappen e o Russell. Pode também começar um novo projeto com a Audi, já que o pai tem grandes ligações com eles, mas é uma incógnita grande em relação à sua competitividade. Será ele a escolher o futuro, terá várias propostas. Até se o próprio Alonso for parar à Mercedes, como se fala, abre um espaço na Aston Martin.

Para terminar e voltando ao tema Lewis Hamilton. Onde o coloca no ranking de sempre dos pilotos? Sete mundiais, recordista de vitórias, “poles” e pódios. Tem ainda um grande impacto social e político…
Coloco-o ao lado do Ayrton Senna e Michael Schumacher. Cada um mudou e evoluiu a Fórmula 1 na sua era. Acho que o Hamilton, em papel, é o mais conceituado de sempre, mas todos tiveram um papel enorme. O Verstappen está a criar a sua fama e o seu caminho, que é de bater todos os recordes, mas o Hamilton mudou realmente a forma de se olhar para a Fórmula 1.

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