Festival Podes 2022

Humor, política, lifestyle, saúde e viagens: Portugal tem entre 500 e 1.000 podcasts

11 nov, 2022 - 02:00 • Vítor Mesquita

Márcio Barcelos, diretor do festival "Podes" considera que o podcast é um formato consolidado em Portugal, "mas tem muito ainda por desenvolver". Quarta edição do "Podes" decorre no próximo sábado, em Lisboa. Está aberto a podcasters experimentados e aos que dão, ainda, os primeiros passos.

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Produtores de podcasts são essencialmente homens com 30 anos, urbanos, com habilitações académicas. Em declarações à Renascença, o diretor do festival "Podes" evita dizer qual a receita para o sucesso de um podcast. Prefere admitir que "um podcast, com pessoas a ouvir é um podcast bem-sucedido".

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O que é um podcast. É possível definir?

É possível. Resta saber se é útil tentar definir o que é um podcast. Mas acho que podemos definir um podcast como um conteúdo que é, tradicionalmente, pelo menos, criado em áudio e disponibilizado através da internet. Normalmente, no formato de episódios que ficam disponíveis todas as semanas ou regularmente para quem subscreve. E essa subscrição é o modo mais definidor daquilo que é um podcast. Depois, de cada vez que o conteúdo está disponível, a pessoa que subscreve recebe essa informação normalmente numa aplicação, mas há outras maneiras de consumir.

E porquê que questiona a utilidade da definição?

Porque as linhas estão cada vez mais desfocadas, mais ténues, entre aquilo que é, por exemplo, um podcast, um canal do YouTube, ou um podcast que, na verdade, existe apenas numa plataforma, como é o caso dos podcasts exclusivos do Spotify, por exemplo. O podcast é, tradicionalmente, muito aberto e acessível e como tal, é uma conversa que é interessante e que interessa a quem pensa ou quem trabalha na área. Mas depois pode até alienar um pouco as pessoas que simplesmente ouvem podcasts e que não querem saber se foi um programa de rádio algures na sua vida. E o que nós queremos é que haja mais pessoas a ouvir.

É já um formato consolidado em Portugal?

Consolidado, enquanto formato, sim. Mas tem muito ainda por desenvolver, nomeadamente em termos de formatos de programas. Em termos de áreas a explorar e a verdade é que o limite não existe, porque todas as combinações de quem está a falar e temas e formatos criam, uma opção ou uma panóplia de possibilidades que são infinitas.

Tem aumentado o número de podcasts no país?

Tem. No festival, temos os prémios Podes e podemos ver o estado dos podcasts e o estado da produção. E tem aumentado - tanto nas inscrições, o que significa que estão mais ativos e, portanto, procuram os prémios mais autonomamente, como num elemento que, para nós, até é mais demonstrativo da quantidade de podcasts que existe, que é os votos do público. Aí, não depende só de quem se quer inscrever, mas de quem ouve. Quem ouve tem sempre mais números do que as pessoas que se inscrevem nos prémios. E os números têm acompanhado um crescimento sempre desde 2009, que foi quando começámos.

É possível quantificar ou não?

Estamos a falar das centenas, entre os 500 e os 1.000. Alguns já não existem e, lá está, nós tínhamos às vezes também pessoas que se inscreviam e que depois tinham apenas alguns episódios que depois também não continuaram. Há pessoas que estão a fazer estudos sobre isso. Não é fácil chegar a esse número, até porque há muita coisa que é de nicho, que é exclusiva. Há podcasts que existem só para pequenos grupos ou dentro de algumas empresas, para os próprios funcionários. Portanto, há coisas que são difíceis de perceber, mas, sim, estão algures entre os 500 e os 1.000 podcasts em Portugal.

É possível catalogar, digamos, as áreas a que são dedicados. Há alguma tendência nesse sentido ou é difícil chegar a essa conclusão?

É muito difícil, mas é um desafio que temos todos os anos, porque com os prémios também definimos as categorias por áreas. E apesar de ser um desafio difícil e às vezes até injusto para quem não se consegue encaixar numa área ou noutra, é algo que tentamos fazer. O humor continua a ser bastante popular, nomeadamente humoristas, que decidem criar ou transmitir o seu conteúdo através do podcast. Temos também muita coisa de política, muitas conversas, o desporto. São essas três as principais. Muita coisa de 'lifestyle', porque também inclui o bem-estar, saúde, saúde mental e uma série de viagens e práticas que acabam por, na sua diversidade, fazer crescer essa categoria.

São pessoas mais novas os autores dos podcasts, ou abrange todas as idades?

Não é uma caraterística exclusiva. Estamos a falar de pessoas à volta dos 30 anos, urbanas, com alguma educação. Maioritariamente homens, embora tenha sido uma tendência que mudou nos últimos anos e este ano, por exemplo, no festival, acaba por ser uma coisa bastante visível. Mas é esse o perfil. Estamos a falar de pessoas com alguma educação, obviamente académica, também com alguns meios.

Considera que o podcast está a mudar os hábitos de consumo dos media?

Eu acho que os hábitos de consumo dos media estão a mudar e aí incluem-se os podcasts. Não é a mesma coisa. Eu não sei se o podcast pode ser tido como responsável, mas se calhar o podcast pertence a uma categoria ou um grupo de media, que são os media on demand que também inclui os vídeos do YouTube e até as plataformas de streaming, em que obviamente as pessoas estão menos dependentes daquilo que os media oferecem em termos de várias coisas, nomeadamente de horários, dias, de duração dos conteúdos, até de linguagem, de acesso a informação. E, portanto, os podcasts não são o único responsável, mas pertencem a esta categoria de media que ajuda a essa mudança.

Mas não estão a retirar público aos media tradicionais ou estão a ser uma outra forma de olhar para os media tradicionais?

Eu estou a falar com a Renascença, que tem o podcast mais ouvido de Portugal, que é de um programa de rádio. Portanto, resta saber se o programa, que é o mais ouvido, que é o “Extremamente Desagradável”, do vosso programa de amanhã, se vocês consideram que isso está a tirar público ou se está a adicionar.

Deu o exemplo do “Extremamente Desagradável”. Qual é o segredo para o sucesso de um podcast? É possível saber?

É muito diferente. Até porque a principal questão é: 'O que é o sucesso do podcast?'. Podemos, obviamente, falar de números, mas às vezes o podcasts tem como objetivo dirigir-se a um grupo mais restrito de pessoas. Os podcasts têm classicamente também esta função, ou esta possibilidade de dar espaço e dar voz a pessoas que normalmente não têm acesso a criação de conteúdos. E, às vezes há comunidades que são pequenas e que se criam à volta de podcasts, mas que não são necessariamente produtos de massas. Mas um bom podcast, agora no festival este ano vamos precisamente abordar essa essa temática, passa por ser algo com uma oferta única, com uma oferta clara, porque as pessoas e os ouvintes e a comunidade criam-se à volta da oferta que o podcast traz. E é quase como se o próprio podcast criasse a sua comunidade e não fosse responder às necessidades de outrem. Porque depois só ouve mesmo quem quer e, portanto, um podcast, com pessoas a ouvir é um podcast bem-sucedido.

Vamos falar do festival: é a quarta edição, depois de duas edições em formatos menos clássicos. O que é que vai acontecer?

O festival Podes, em última análise, tem como missão celebrar os podcasts e os podcasters nacionais, porque é importante reconhecer que há muita coisa que se faz. E o Podes surgiu em 2019, porque percebemos que não havia ninguém que trabalhasse nesta área. E desde aí há uma série de uma série de formatos e de nomes de propostas que têm sido tanto abordadas no festival, mas em geral, na área dos podcasts. E o festival isso na forma de trazer à vida real aquilo que provavelmente só acontece na internet. E é por isso que lá está as últimas duas últimas edições foram um pouco mais limitadas, porque estávamos todos em situação de pandemia e, como tal, esta ideia de trazer para a vida real uma coisa que era da internet acabou por ser um pouco mais diluída. Porque continuamos a não poder trazer muitas pessoas juntas ao mesmo tempo. Mas seja como for, e em geral do Podes acaba sempre por ser uma mistura de podcasts ao vivo e convidamos sempre um grupo diverso, interessante de podcasts para gravar episódios ao vivo, workshops sobre formação e em painéis temáticos um bocadinho mais dirigidos à indústria. E depois temos os prémios Podes que são para muita gente o ponto mais importante do festival.

Portanto, sábado todo dia…

Sábado, 12 de novembro, todo o dia. Começamos às 11h00, com algumas sessões e, depois, ao longo da tarde, temos coisas em paralelo, sempre no centro de Lisboa, à volta do Chiado. Existem os painéis, os podcasts e os workshops acontecem em paralelo e cada pessoa pode criar o seu.

É só para quem tem um podcast?

Não, de todo, antes pelo contrário. É para quem ouve podcasts e até para quem gostava de ouvir, se calhar painéis ou mesmo os workshops são para quem já tem. Mas, por exemplo, um workshop principal que nós temos este ano é para quem quer fazer o podcast...

... os dez passos para criar um podcast?

É uma coleção de dicas e recomendações com base na nossa experiência. Não é um workshop técnico nem detalhado. Não se trata de uma aula, mas é mesmo um convite à reflexão daquilo que é importante fazer quando se está a fazer um podcast. Desde a sua conceção, ao formato, ao tipo de voz e de presença que pode ter até dicas e recomendações para a gravação, distribuição e promoção.

Já é possível viver de um podcast em Portugal?

Há pessoas que vivem de trabalhar em podcasts em Portugal, mas são, ou pessoas que já têm o reconhecimento e o seu podcast é parte do trabalho que fazem. São pessoas que já são conhecidas e que têm pessoas que os seguem. E, portanto, o Podcast é uma das partes uma das áreas que explora, juntamente com redes sociais e escrita de conteúdos, etc. E depois há pessoas que trabalham efetivamente como técnicos e que, por exemplo, podem trabalhar em vários locais. Há depois casos em que há projetos que se criam à volta de podcasts, como é o caso do Fumaça, que se tornaram o meio de comunicação social com base naquilo que era originalmente apenas um podcast e que depois se foi desenvolvendo. E as pessoas que trabalham lá, trabalham a tempo inteiro.

Que conselhos daria a quem quer, ou sonha, ter um podcast?

Primeiro é deixar de ter medo e se calhar não vale a pena pensar em sonhos, porque é muito mais prático do que isso. O primeiro conselho que eu dou é convidá-los ao workshop que sou eu que vou dar, na FNAC do Chiado, às 11h00, no dia 12 de novembro, agora no sábado, que é precisamente esse workshop para quem está a começar. Mas, em geral, eu convido as pessoas a pensarem naquilo que querem fazer, a conhecerem aquilo que já existe, tentarem perceber se, ou têm uma mensagem que querem transmitir através do podcast, ou se querem começar um e depois vão defender a sua mensagem, porque são ambas bastante válidas. E depois pensar e descobrir de que maneira se querem posicionar para quem é que se querem dirigir e depois criar o seu conteúdo à volta disso. Para quem tem medo de começar um Podcast por razões técnicas ou porque não tem acesso a microfones profissionais ou gravadores, a minha grande dica é que atualmente quase que basta um telemóvel e basta mesmo um smartphone para fazer tanto gravação como até edição, distribuição e promoção de podcasts.

Uma última questão. Qual é o seu podcast favorito nesta altura? O que ouve com mais regularidade?

Eu tenho alguns. Ouvi muita coisa, no contexto dos prémios, portanto, descobri muita coisa interessante...

... se quiser nomear um estrangeiro, para não ferir suscetibilidades…

É isso. Eu gosto muito de um podcast que é, na verdade, produzido por uma rádio americana, que é o "Radiolab". É um podcast sobre curiosidade. É criado para abordar temas que são diferentes de uma maneira bastante bem feita, bastante bonita, bastante bem editada e com bastante diversidade. E curiosidade passa pela ciência, mas também pelas coisas que acontecem no dia a dia. E é recomendação que normalmente dou para quem está a ouvir, mas também para quem está a começar é importante perceber que estamos a falar de um podcast que é profissional, de uma estrutura que tem muitas condições, que a partir em Portugal ninguém tem.

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