Guerra na Ucrânia

O "ato de amor" do fotojornalista James Nachtwey face aos "crimes de guerra" russos

19 set, 2022 - 16:03 • Lusa

As dez fotografias do jornalista, que retratam o pior do conflito na Ucrânia, encontram-se em exposição a propósito do Prémio Estação Imagem 2022, em Coimbra.

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Dez fotografias captadas na Ucrânia, em resultado de uma profissão que James Nachtwey considera “um ato de amor”, estão em exposição em Coimbra e retratam a barbárie e os “crimes de guerra” cometidos pelo exército russo.

“O que eu faço, de certa maneira, é um ato de amor. Toda a profissão, conseguir chegar a mais pessoas, e tentar mostrar-lhes o que está a acontecer aos seus semelhantes seres humanos”, disse James Nachtwey, em entrevista à agência Lusa.

A sua arte, quando exposta, baseia-se “na fé dos melhores instintos das pessoas”: “E elas também respondem de uma forma muito humana e fazem uma conexão humana com as pessoas retratadas nas fotografias. E isso é uma forma de amor, amor numa humanidade comum a todos, independentemente da amizade, da nacionalidade, cultura ou religião, é algo profundamente humano”, frisou.

À Lusa, James Nachtwey contou que estava no Afeganistão, a trabalhar num projeto independente, quando a invasão russa começou em finais de fevereiro. Acabou por largar tudo e, em cinco dias, viajou de Cabul para Kiev, a capital da Ucrânia, onde nunca tinha estado anteriormente.

“Não fiquei na Ucrânia muito tempo, comparado com outros jornalistas. Fiquei sete semanas, foi uma experiência muito intensa, terrível, muito poderosa. Senti-me obrigado a ir, estávamos ainda na fase inicial da guerra, quando a Rússia estava a tentar cercar Kiev. Queria chegar antes da capital ser cercada, foi por isso que saí tão rápido do Afeganistão”, explicou.

Quando o subúrbio de Bucha, localizado a noroeste de Kiev, foi libertado da ocupação russa pelas forças ucranianas, James Nachtwey regressou aos arredores da capital, “porque queria documentar os crimes de guerra que os russos ali cometeram”.

Do lote de dez fotografias a preto e branco presentes na exposição do Prémio Estação Imagem 2022, em Coimbra, as captadas em Bucha – onde morreram 400 civis, alegadamente assassinados pelo exército russo em retirada - serão, precisamente, as que mais impacto terão sobre o horror da guerra em território ucraniano.

Uma delas mostra uma mulher, ajoelhada, junto ao corpo do marido, morto com um tiro na cabeça, a exemplo de um irmão e de um vizinho. Outra, um saco para cadáveres, ligeiramente aberto, de onde sobressai parte de uma face e um olho aberto e baço de mais uma das vítimas mortais do conflito.

No lote de imagens escolhido pelo fotojornalista, para além de outras dezenas de prémios e galardões – também há lugar à compaixão, como uma em que um voluntário ucraniano, de arma a tiracolo e olhar perdido no horizonte, ampara e abraça um idoso, após o ter ajudado a atravessar um rio.

“A barbárie e a insensatez do ataque russo são difíceis de acreditar, mesmo se eu as testemunhei com os meus próprios olhos”, diz James Nachtwey.

Perante o horror infligido à população ucraniana pelo exército russo, o fotojornalista norte-americano disse ter encontrado pessoas ‘normais’, cidadãos comuns, “demonstrando uma extraordinária coragem, determinação e mesmo teimosia”, face à destruição “tremenda” e à perda de vidas.

Sobre o seu trabalho no terreno, James Nachtwey afirmou que, apesar da sua experiência de dezenas de anos na cobertura de conflitos armados, não tinha “nada predeterminado” sobre o que documentar na Ucrânia e que “correr riscos” faz parte de se ser fotojornalista num cenário de guerra.

“Não consegues fazer este trabalho se não estiveres disposto a correr riscos. Este era um evento em progresso, ninguém sabia o que podia acontecer de um momento para o outro, num bombardeamento não sabes onde a bomba vai cair ou quando. Eu, quando sabia de um local que tinha sido atacado, tentava chegar lá e era sempre a população civil que tinha sido atacada, eram prédios de apartamentos atingidos por morteiros, casas destruídas, pessoas mortas."

O fotojornalista, de 74 anos, é considerado uma ‘lenda viva’ da profissão, tendo já retratado, desde 1981, inúmeras guerras, atentados, conflitos sociais ou desastres naturais. Em 41 anos de carreira, venceu duas vezes o World Press Photo e foi cinco vezes distinguido com a medalha de ouro Robert Capa.

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  • Ivo Pestana
    20 set, 2022 Funchal 12:59
    O pior cego é o que não quer ver. Uma desgraça, a guerra! Ninguém sairá vencedor.

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