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ENTREVISTA

Mensagem do Papa para a Quaresma pode ser guião de reflexão para as legislativas?

02 mar, 2024 - 10:30 • Ângela Roque

"Ficava feliz se os políticos católicos a lessem, avaliassem e agissem em conformidade”, diz à Renascença frei Filipe Rodrigues, para quem o bem comum, a dignidade humana e o combate à pobreza são critérios chave para os cristãos escolherem em quem votar. Sobre a Igreja, elogia o caminho sinodal e não o choca que no futuro haja sacerdócio feminino. “O que é que é mais importante, a Eucaristia ou aqueles que a celebram?”.

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"Através do deserto, Deus guia-nos para a liberdade" é o tema da mensagem do Papa Francisco para a Quaresma, na qual renova o alerta para a “globalização da indiferença” e para o atual modelo económico que “nos divide e rouba o futuro".

Em entrevista à Renascença, frei Filipe Rodrigues - dominicano e reitor da igreja do Convento de São Domingos, em Lisboa - olha para os desafios do Papa, que ganham atualidade redobrada tendo em contra as eleições legislativas de 10 de março, e comenta o atual processo sinodal em curso na Igreja.

Coincide, em Portugal, termos eleições em plena Quaresma. A mensagem do Papa é um bom guião de reflexão para quem tem de fazer escolhas políticas neste momento?

Sim. O Papa diz na mensagem que "há um défice de esperança". Nós em Portugal estamos aqui com dois problemas: é o cansaço, porque as coisas não avançam, e este cansaço desanima, tira-nos a esperança. Em tempo de eleições, obviamente que cada pessoa tem as suas convicções, mais de direita ou mais de esquerda, em função de si, mas tem de escolher em consciência.

A que critérios e valores é que um cristão não pode alhear-se na hora de votar?

Um católico a sério, ou um cristão a sério? Para já, ao bem comum, o que é que é bom para todos? Depois, a promoção da dignidade humana, a questão da pobreza. Eu já há muito tempo que defendo o Ministério dos Pobres, para ver se acabamos mesmo com a pobreza, a nível municipal ou a nível nacional.

Dá pena que nós, com um índice de pobreza tão grande, nas campanhas eleitorais não se fale dos pobres nem de medidas para acabar com a pobreza...

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Falta “falar dos pobres” e de “medidas para acabar com a pobreza”

Ainda esta semana a Cáritas revelou novos dados relativamente à pobreza…

Sim. Creio que o bem comum tem de estar acima de qualquer interesse mais pessoal ou mais ideológico. Depois, a dignidade do ser humano, criarmos um país em que todos caibam e todos tenham o mínimo de dignidade. Eu não posso dormir tranquilo quando sei que no meu bairro, na minha rua, à porta do meu prédio, alguém está a dormir à chuva e ao vento.

A questão dos jovens terminarem o curso e não terem saída, é desesperante! Porque é que nos outros países se consegue trabalhar e se conseguem bons salários e em Portugal não se consegue? Mas também não é com populismos que a gente vai lá, porque o que vemos é gente que deita abaixo, mas quando se espreme a laranja, não sai sumo.

É importante a questão da igualdade, devolver a esperança aos mais idosos, a questão dos pensionistas e esta crise da habitação, porque falamos dos jovens e das pessoas que não conseguem viver em Lisboa - realidade que conheço melhor -, mas pensemos nos que já tinham dificuldades. Hoje temos pessoas em situação de sem-abrigo que não tinham casa própria, há dois ou três anos conseguiam um quarto em Lisboa por 200 ou 300 euros, e hoje não conseguem por 600! Hoje estão na rua! O nível, o escalão, desceu. Os jovens querem começar uma vida nova, ter a sua Independência e não a conseguem, mas os que estavam ali já baixaram mais.

Não é por acaso que há três, quatro anos, as pessoas carenciadas eram pessoas de idade, desempregados que aos 50 ou 60 anos não conseguiam emprego, ficavam em situação de carência. Hoje temos muitos, muitos jovens. A partir dos 18 até aos 30 é a grande franja de pessoas em situação de carência, e o maior grupo é português, isto também para desmistificar. Mas, mesmo que não fossem portugueses, são seres humanos que acolhemos aqui e temos de lhes dar dignidade e condições. A política de imigração tem de ser debatida, tem de haver critérios.

Todas estas áreas se interligam, mas não são temas muito presentes na discussão política?

Não são temas presentes e creio que não há medidas concretas e producentes. Isto de dizer que queríamos acabar com a pobreza até 2023 - que era a data que se tinha dado -, nem em 2030 a vamos combater, porque não vemos políticas, não vemos modos de agir!

Somos uma população cada vez mais envelhecida, temos de tomar medidas. A nível de pobreza, de pensões, tem de se começar a planear, a prever.

E antes de votar, ler os programas de cada partido?

Sim, e as pessoas que têm amigos e colegas, aconselharem-se. Não ficarmos na ‘mesmice’, ver que alternativa é que temos. É difícil, estamos a ver já pelas eleições que tivemos nos Açores e noutros países, que isto cada vez vai ser mais difícil. Mas, atenção à questão da humanidade, porque o outro, qualquer português ou qualquer residente em Portugal, tem de ter garantias de uma vida em condições mínimas de poder ser feliz no país em que está.

Recomendaria aos políticos a leitura da mensagem do Papa para esta Quaresma? E aos eleitores, sejam ou não católicos?

Esta mensagem não manda ninguém à missa, desculpe a expressão. Nas encíclicas fala-se sempre dos ‘homens e mulheres de boa vontade’. São sempre documentos que vale a pena ler, até para ver como é que o Papa quer os católicos, para depois os poderem criticar se não andarem a cumprir.

Esta mensagem é muito rica. Eu já me contentava, já ficava muito feliz se os políticos católicos a lessem, avaliassem e agissem em conformidade, porque o agir aqui é muito importante.

Quando os votos e a sede do poder estão acima disto, perde-se tudo. Mas, acho que sim, para todos os católicos é obrigatória.

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Frei Filipe Rodrigues: “Se queremos um mundo melhor, temos de combater o consumismo”

Na mensagem para esta Quaresma o Papa alerta para os 'vínculos opressivos' e para o risco de se cair na 'escravidão', se não se reverem estilos de vida. Que escravidão nos ameaça mais hoje? O que é que mais nos limita, oprime e aprisiona?

São várias as escravidões e as opressões. Olhando para o mundo, creio que a grande dificuldade, ou opressão, é a de não nos sentirmos todos seres humanos, não nos sentirmos irmãos. O achar que o outro não tem a mesma dignidade que eu, que não tem de ter as mesmas possibilidades, é o grande desafio e a grande escravidão. Ligado a isso, a insensibilidade, não sermos sensíveis ao sofrimento e à vida do outro, não sabermos pôr-nos no seu lugar. Estamos a perder a sensibilidade de olharmos o outro e os seus problemas, e de estarmos próximos.

Há uma coerência de pensamento do Papa Francisco, que ao longo do seu pontificado tem alertado para a 'globalização da indiferença', e reafirma aqui esse o alerta.

O Papa segue muito o modelo do ver, julgar e agir, e nesta questão do ver, faz perguntas concretas: 'O grito dos oprimidos mexe connosco? Comove-nos? Sou sensível a isso, ou sou indiferente?’.

Lembro-me quando era mais novo e passavam imagens de fome em Angola e Moçambique, que se dizia 'desliga isso que estamos a jantar', porque aquilo mexia connosco. Hoje em dia...

É a tal globalização da indiferença...

É tudo muito virado para mim: o meu conforto, o meu futuro. As pessoas deixam de ser alguém com quem partilho a minha vida, mais ou menos diretamente, para ser alguém que está em função de mim, para eu chegar aos meus objetivos. As pessoas só me só me são úteis quando preciso delas, e isto não é positivo, não é bom.

E esta indiferença é em relação à pobreza e em relação à guerra, que hoje nos entra diariamente em casa...

Sim, vemos o tempo que os meios de comunicação social davam à invasão da Ucrânia há dois anos e o que dão agora. Obviamente que aparecem outras notícias mais urgentes, mas o que é que hoje sabemos sobre a guerra da Ucrânia? Ou sobre a invasão da Palestina? O que é que sabemos sobre aquilo a que o Papa também faz alusão na mensagem, Lampedusa, a questão dos migrantes? Estamos atualizados em relação a isso?

O Papa reafirma as críticas ao atual modelo económico, que "nos divide e rouba o futuro", e lamenta que, tendo a humanidade atingido um nível de desenvolvimento tão grande, continue a "tatear na escuridão das desigualdades e dos conflitos"…

A grande questão será sempre: estamos a falar de pessoas ou estamos a falar de números? Enquanto estivermos numa economia que fale de números, a pessoa ficará sempre em segundo lugar. Não podemos viver sem os números, mas não são prioridade, são as pessoas.

Há muitos problemas hoje, em termos de pobreza, marginalidade e criminalidade, que são consequência da pobreza. É uma bola de neve. Houve um ano em que a mensagem do Papa para o Dia Mundial da Paz era 'Não há paz sem justiça'. É que enquanto não houver justiça, não podemos querer paz.

A questão económica é central no nosso mundo, que vive sobretudo da economia e para a economia, mas não nos podemos esquecer que há mundo e vida para além disso, e que por trás dos números estão pessoas que contribuem e precisam da nossa ajuda.

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Frei Filipe Rodrigues: “A Quaresma é um motor de arranque para a minha vida”

A par da dimensão espiritual, esta mensagem é também um "banho de realidade", ao trazer para a luz todos estes problemas?

Isso é o que significa a palavra conversão e a palavra renúncia! Às vezes, acha-se que a Quaresma é o tempo das proibições. Não é! É o tempo de nos convertermos. Há uma tradução do 'convertei-vos' que é 'mudai de mentalidade', e é isto mesmo, é mudarmos mentalidades.

Esta questão económica não é só de ricos e pobres, das sociedades mais e menos desenvolvidas. É também a questão da ecologia e da preservação do ambiente. Hoje sabemos que o consumismo é o primeiro grande ataque à natureza. Se queremos um mundo melhor, temos de combater o consumismo.

O Papa tem este dom, sempre cada vez mais refrescado, de não fazer destes tempos e da Quaresma um tempo intimista - porque algumas pessoas também veem a Quaresma como "um tempo para mim". Quando na mensagem fala em "parar", não é "está quietinho, faz um retiro de 40 dias", não é isso! O parar também é deter: detém-te diante da realidade do mundo e tenta transformar.

Creio que a beleza desta mensagem do Papa - até com a figura do deserto - é exatamente a de nos renovarmos, vermos o mundo a partir de outra perspetiva e fazermos conversões, no que a cada um diz respeito, e depois como grupo, para tornar este mundo e a Igreja melhor.

O Papa diz que "é tempo de agir, e na Quaresma agir é parar, com oração, esmola e jejum", e fala do repensar estilos de vida, hábitos de compras e o cuidado com a natureza. É um guião para a Quaresma e para o dia a dia? Mas, estas exigências, sobretudo se implicarem mais sacrifício, são bem entendidas pelos cristãos, ou hoje há uma vivência um bocadinho "light" do que é a Quaresma?

A Quaresma é um motor de arranque para a minha vida. Se eu me libertar de algumas coisas, não é para depois na Páscoa exagerar. Não é "vou-me abster de comer chocolates todos os dias, vou guardá-los e depois na Páscoa vou comê-los todos", não é isso! As coisas que eu acho que na minha vida não estão bem e têm de ser mudadas, a Quaresma é um bom tempo para não adiar a mudança.

É o ano novo para os cristãos?

É, porque a Páscoa é a libertação. Lá está: o consumismo para mim é uma escravidão, vou-me libertar, mas não é para depois voltar ao mesmo. É viver de acordo.

Em relação à Quaresma "light", as questões da abstinência de carne e do jejum, algumas pessoas acham que isso é importante, e para alguma espiritualidade será, mal não faz. Outros dizem: "o importante é não dizer mal, nem fazer mal ao próximo", também é verdade. Mas, depois perguntemo-nos: "faço isso na Quaresma e vou fazer isso a partir da Quaresma? Abdico dos pequenos luxos para ajudar os mais pobres?" Sim, mas é só na Quaresma? Não podes prolongar isso toda a tua vida? É um meio simples e bonito de partilhar a tua riqueza. Porque esta é que é a questão, quem tem alguma coisa, ou tem muito, partilhar com quem não tem nada.

O dom da partilha, que aparece na esmola como prática da Quaresma, é eu partilhar a minha vida, aquilo que sou e que tenho com quem não é lembrado, não tem e não lhe chegam apoios.

Relativamente ao jejum fala-se muito sobre o que é ou não é permitido. Outro dia alguém dizia que os muçulmanos "dão 10 a zero" aos cristãos no jejum que fazem no Ramadão...

É verdade. A Quaresma, durante alguns séculos, foi muito ritual, muito exterior, com as procissões da Semana Santa, os penitentes, o não se comer carne. O que é que importa eu andar a jejuar e a fazer as práticas todas externas, se isso não parte do interior?

Obviamente que o jejum será sempre uma coisa importante. E não são só os católicos que o fazem, há pessoas que nas suas dietas fazem um dia de jejum para purificar o corpo, para exaltar a parte da mente. Mas para nós, cristãos, as atitudes exteriores têm de ser sempre um sinal de um interior que também se renova.

O jejum que pode passar por comer menos significa, também, consumir menos e alimentar-me mais do espiritual - porque todos temos espiritualidade, alguns canalizam-na para uma religião. A Quaresma é um bom tempo para desenvolver esta parte espiritual.

Conheço pessoas que não são cristãs - foram batizadas, mas não praticam o seu batismo -, e que na Quaresma fazem jejum e abstinência, porque acham que é uma maneira de não ligar tanto à mundanidade - no que a palavra possa ter de pior. Se este jejum, estas abstinências e estas renúncias não forem fruto de uma interioridade, valem pelo que valem, mas não têm conteúdo, não têm rocha onde se onde se apoiar.

Num tempo em que há, de facto, muita sede de espiritualidade - ou não teríamos pessoas a procurar respostas na filosofia oriental, nas terapias alternativas - , a Igreja Católica não tem desperdiçado o exemplo do Papa Francisco, que nas suas intervenções e documentos consegue chegar a crentes e a não crentes?

Sim, tem desperdiçado, creio que até em dois focos: primeiro estas tradições todas que temos, que dificilmente são atualizadas - o jejum, a esmola e a oração.

Falta criatividade?

Vou dar um exemplo: conheço uma família muito católica, praticante e bem orientada, que à sexta-feira não faz comida em casa, as sobras da semana são o almoço e o jantar de sexta-feira. Mas, pode ser carne? Não importa, o princípio está aqui: não vamos desperdiçar comida. Se perguntarem: "estão a cumprir a abstinência?" Estão, porque Deus deu-nos inteligência para isso, cada um na sua realidade.

Eu dirijo uma instituição que acolhe pessoas em situação de sem-abrigo, a Associação João 13. Todos os anos perguntam: "frei, na Quaresma fazemos abstinência?". Não, não se faz, já passam o dia todo sem comer, não podemos obrigá-los a fazer jejum quando a vida deles já é um permanente jejum! Temos de ser equilibrados nisto.

Creio que a Igreja peca um bocadinho, e tem de se converter, mudar de mentalidade, pegar nas suas ricas tradições e atualizá-las, dizer o que é que isto hoje significa e aproveitar os meios de comunicação social para ser um promotor de evangelização e de sensibilização.

Nós tivemos umas Jornadas Mundiais da Juventude em Lisboa… mas, agora não é só repetir o que já se fez, tivemos uma Via-Sacra, vamos fazer uma Via-Sacra? Não é só isso. Como é que pegamos em quem se envolveu ativamente na preparação da JMJ, e participou, e continuamos a mostrar-lhes a mensagem de Jesus viva, atrativa e atualizada?

Não tem havido essa dinâmica, do seu ponto de vista?

Eu não a sinto. Também pode ser por falta de comunicação.

Há iniciativas em algumas dioceses, mas não se fala muito delas, a própria Igreja não promove essa divulgação.

Claro, e não têm força nem vigor. Estas coisas partilhadas (nas redes sociais) têm impacto: umas frases de uma homília, de um grupo de reflexão, uma caminhada que um grupo está a fazer, postar isto e a Igreja reagir a isto.

Não tenhamos dúvidas de que Jesus, hoje, não andaria a escrever no chão. Jesus iria usar as plataformas do mundo de hoje, como usou naquele tempo as poucas que tinha, mas usou. Creio que a Igreja tem de mudar de mentalidade e perceber a sério que o mundo digital - e isto já não é novo - é um novo areópago de Evangelização.

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“Padres e bispos não são donos da Palavra. Qual é o problema de uma mulher partilhar a Palavra?”

A Igreja está num momento particularmente importante, que é este caminho sinodal que o Papa também faz referência na mensagem. Como é que olha também para este processo?

Para nós, dominicanos, a sinodalidade tem 800 anos, não é novidade.

Nas congregações é uma prática habitual, vivem em comunidade, as decisões são tomadas em conjunto.

Era isso que ia dizer! Nós temos um mestre da Ordem, do século XIII, que instituiu este princípio: 'o que diz respeito a todos tem de ser decidido por todos'. É um princípio com 800 anos.

A hierarquia da Igreja podia aprender com esses exemplos?

O Papa Francisco quer fazer isso! Quando temos uma igreja que precisa de um restauro e vamos arranjar o teto, vemos que por trás há um fresco muito bonito e antigo que não conhecíamos. Quando começamos a descascar percebemos que, afinal, este teto que vemos agora não é o original, e ficamos na dúvida: vamos ao original ou ficamos neste? O que o Papa Francisco está a fazer à Igreja é mostrar o que está por trás daquilo que nós estamos a ver. Ou seja, está a ir às fontes, ao Evangelho.

Jesus decidiu com os discípulos. O grupo de Jesus era um grupo organizado, tinha um económo, o Judas, mandou discípulos à frente para ir preparar a Páscoa. Jesus era o líder, era o carismático, mas a comunidade funcionava com todos. E sabemos que havia mais gente para além do grupo dos doze...

Esta questão da sinodalidade, vejo-a com muita esperança e otimismo. Há muito tempo que desejo para a Igreja este caminho mais sinodal, a começar pelo próprio Papa, com este desprendimento que tem. Eu não queria morrer sem ver o papado com mandatos, que não fosse uma coisa perpétua.

Tem havido mudanças. O Papa chamou mulheres para cargos de decisão no Vaticano, o que também é inédito.

É inédito e é positivo também colocar as mulheres a partilhar a Palavra de Deus. Frei José Augusto Mourão dizia 'ninguém é dono da Palavra'. E é verdade, os padres e os bispos não são donos da Palavra. Partilhamos a Palavra. E qual é o problema de uma mulher partilhar a Palavra? Porque sobre o mesmo relato do Evangelho, a Ângela tem um ponto de vista e eu tenho outro ponto de vista...

Não se fala muito disso, mas há localidades no interior do país em que já são as mulheres a fazer as celebrações da Palavra...

Sim, grande parte delas religiosas, fazem a celebração na ausência do Presbítero. E se formos lá, a essas comunidades, dizem assim 'eu gosto muito das missas da irmã'. Porque há uma ternura, há uma outra sensibilidade, que é própria da mulher e que o homem não tem. Como há sensibilidades que o homem tem e a mulher não. Isto enriquece.

Há coisas que vão ser sempre impactantes. Qualquer decisão mexe. Nós, em casa, até mudar um sofá mexe - dali não se vê tão bem, ali é que estava melhor. Agora, se estamos num espírito de abertura, de bem comum e de enriquecimento da Igreja, acho que sim.

É também uma questão de adaptação aos novos tempos e à realidade da falta de sacerdotes? Não o choca a ordenação de mulheres?

A Igreja no Cristianismo primitivo soube sempre arranjar soluções para os problemas e nós hoje estamos com este problema. O que é que é mais importante, a Eucaristia ou aqueles que a celebram? 'Ah, não temos padres, não celebramos a Eucaristia'. Então, é a mesma coisa que numa família, o pai e a mãe não terem dinheiro e não darem de comer ao filho, 'passa fome porque não temos dinheiro, mas se formos trabalhar arranjamos dinheiro’. Tem de se arranjar soluções! O que não se devia permitir é que as comunidades cristãs fiquem sem Eucaristia. Temos de fazer com que Jesus chegue, com que a Eucaristia chegue.

Também acredito que o Espírito Santo vai fazendo o seu trabalho, e se calhar agora, nestes próximos anos, ainda não é o tempo de darmos esses grandes avanços, mas algum dia vão ter de ser dados.

O que eu acho bonito no pontificado do Papa Francisco é que, para trás já não se pode andar. A partir do momento em que o Papa disse aqui em Lisboa 'todos, todos, todos' - que não é uma imposição dogmática, mas é um princípio lógico e óbvio, porque Jesus no Novo Testamento nunca deixou de falar a alguém, nunca recusou ninguém, até a samaritana com os sete maridos – , e o Papa vai repetindo 'todos, todos, todos', já não só por palavras e discursos, mas até na doutrina - com a bênção das pessoas que não têm uma vida tão orientada, segundo os nossos parâmetros -, acho que a partir daí é pôr em prática aquilo que o Espírito Santo está a pedir à Igreja.

Não é aquilo que o Papa está a pedir à Igreja. Se acreditamos que o Papa está lá, porque é o Espírito Santo que ajudou a tomar esta decisão, temos de ver que as suas ações são inspiradas no Espírito Santo. Ou então isto é uma multinacional e ele é um presidente! Para mim o Papa não é o presidente da Igreja Católica. Para mim é este homem que Deus colocou e que o Espírito Santo inspira para atualizar a doutrina de Jesus aos tempos que hoje vivemos.

Comentários
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  • Amora de Bruegas
    04 mar, 2024 Tomar 11:44
    Nota-se que é alguém sem Fé, que está desorientado, embora manhoso! Usa o método marxista cultural, manipular as pessoas pela emoção ao invés da razão, de as esclarecer! Um Cristão NÃO pode votar em partidos que defendam o aborto ou a eutanázi a! Logo não pode votar em partidos de gente ateia! Há que ter a coragem de dizer CHEGA de tanta hipocrisia!
  • Isabel SF
    03 mar, 2024 Lisboa 06:19
    Obrigada por esta entrevista, uma conversa inspiradora, com sumo para o dia a dia da quaresma e não só!

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