29 nov, 2023 - 20:05 • Ângela Roque
A COP28 tem início esta quinta-feira no Dubai, e Sara Rodrigues, de 26 anos, não esconde a expectativa quanto aos resultados. Engenheira do ambiente, natural do Porto, trabalha na Associação Médicos do Mundo, mas foi como escuteira que há dois anos, ainda em pandemia, participou na COP26, em Glasgow.
Em entrevista à Renascença, admite sentir alguma desilusão com o facto de muitas decisões tomadas nas últimas duas cimeiras do clima não terem passado do papel.
“Na COP26 pediu-se que se fizesse um esforço a nível mundial, para que não subisse mais do que 1,5° a temperatura média do ambiente, e o que está a acontecer é que todos os esforços que estão a ser feitos neste sentido não estão a ser suficientes. Na COP27 já foi necessário rever todas as propostas. Sinto que as pessoas se sentem frustradas por haver propostas, mas efetivamente ninguém estar preparado para esta mudança. Queremos que isto seja exequível, mas estamos dispostos a que isto seja exequível? Acho que é esta a pergunta”, refere.
Por razões de saúde, o Papa não vai à cimeira sobre as alterações climáticas, mas Sara acredita que se fará presente no encontro, até porque a sua voz insistente em defesa do planeta é das mais respeitadas.
“As pessoas escutam-no, ouvem-no. Muitas vezes vemos o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, a falar, e já não tem o mesmo impacto que tinha sobre estas questões. O Papa consegue chegar a todos, consegue tocar os corações dos líderes mundiais”, afirma.
As propostas dos partidos políticos estão muito focadas para o ato eleitoral, para o tempo em que permanecem no governo
Como católica, Sara acolheu com entusiasmo os documentos ecológicos do Papa: a encíclica ‘Laudato Si’ (‘Louvado Sejas’), de 2015, em defesa de uma ecologia integral; e em outubro último a exortação ‘Laudate Deum’ (‘Louvai a Deus’), sobre a crise climática.
“Enquanto cristãos somos desafiados a olhar o outro como irmão, a amarmos o outro. Quando eu amo uma pessoa, quero cuidar dela. É aqui que parte a base. E também está escrito, na Carta dos Direitos Humanos, que devemos garantir condições ambientais favoráveis à vida humana. Portanto, o desafio dos cristãos é: se eu amo o meu próximo, eu quero garantir que ele tem o seu espaço, a sua casa, os recursos necessários para ter qualidade de vida”, sublinha.
Sara, que também esteve ligada à JMJ Lisboa, onde a sustentabilidade foi uma preocupação, diz que a Igreja, à sua medida, tem contribuído para esta luta, “porque temos um Papa que tem como exemplo um Santo (São Francisco de Assis), que considerava a Terra, a Lua e o Sol seus irmãos. A partir do momento em que o Chefe da Igreja é um ambientalista, entre aspas, ferrenho, claramente olhamos todos para o Papa Francisco como uma inspiração”.
Mas, o grande desafio, de que depende uma mudança de hábitos que inverta a velocidade da destruição ambiental, é mesmo “repensar o modelo económico”, como propõe o Papa. E isso está sobretudo nas mãos dos decisores políticos.
Em Portugal, que tem eleições legislativas antecipadas, Sara gostava que os partidos pensassem no bem comum e com medidas a longo prazo.
“O que tenho sentido - já nas últimas eleições senti – é que as propostas dos partidos políticos estão muito focadas para o ato eleitoral, para o tempo em que permanecem no governo, ou seja, políticas a quatro anos. Pensem em políticas a 10, 15, 20 anos, que haja uma linha estratégica que envolva todos os partidos para que haja uma continuidade de trabalho. Pactos políticos”.
Por áreas espera uma “reforma profunda na educação”, porque, se existir, irá refletir-se “nos pilares tão exigentes que são a saúde, a economia ou o ambiente”.
É preciso olhar para todos os setores económicos e o grande desafio, como jovens, é mesmo pensar no nosso modelo económico
Na ‘Laudate Deum’, o Papa Francisco dedica um capítulo inteiro à COP28, em que alerta para a possibilidade de se estar a chegar a um “ponto de rutura” na crise ambiental, prejudicando os mais vulneráveis, espera que a cimeira seja um “ponto de viragem” e pede compromissos eficazes e corajosos. Sara Rodrigues lembra que “temos tendência para ver tudo como um paradigma tecnocrático, esta é a expressão que o Papa usa".
"Neste momento os nossos líderes olham muito para o mundo como números, linhas matemáticas, em que temos de cumprir e alcançar objetivos, e falta esta parte mais humana, a sensibilidade para as questões mais relacionadas com a antropologia, com a parte social. Não havendo esta complementaridade, caímos no erro de ver tudo como um negócio”, afirma.
As propostas a levar à COP, que conhece, são “todas muito viradas para transição energética, utilização de energias renováveis, também agora relacionadas com todas as questões geopolíticas, libertar a utilização de combustíveis fósseis. Mas, há um trabalho muito maior a fazer”, diz.
“No diploma do Conselho Europeu já falam sobre a questão dos recursos hídricos, como garantir a sua proteção, o que já é um bom passo. Mas é preciso olhar para todos os setores económicos e o grande desafio, como jovens, é mesmo pensar no nosso modelo económico, passar de um modelo de constante crescimento para um que seja de desenvolvimento sustentável”.
Podcast Somar Ideias
A mobilização dos jovens contra as alterações clim(...)
De uma coisa tem a certeza: Não resulta continuar criar “financiamentos e fundos” para apoiar os países que mais sofrem com as alterações climáticas, o foco tem de ser a educação.
“Mais do que pagar para compensar os danos que lhes causamos, se não os ensinarmos a usar os recursos que têm disponíveis, se não os apoiarmos com pequenos projetos que podem ter localmente, o que vai acontecer é que vamos continuar a assistir a estes fenómenos de migração global, a refugiados climáticos. É necessário que os países considerados mais desenvolvidos estejam disponíveis para não apoiar só financeiramente, mas com conhecimento e com execução no terreno”, propõe.
Os jovens têm muita tendência para o comportamento radical, mas às vezes nem têm consciência da razão porque o fazem
Embora critique a escolha do Dubai para realizar a COP28, por ter um “mercado à base de petrolíferas e da transformação de combustíveis fósseis”, a altura para realizar a cimeira não podia ser melhor, em contraponto aos excessos da recente Black Friday e todo o consumismo que toma conta de tantos neste aproximar do Natal. A solução encontra-a nos alertas que o Papa Francisco tem feito.
“Quando o Papa fala em mudarmos o nosso pensamento e a forma de executar as coisas, isso passa em primeiro lugar por nós, consumidores, porque as empresas produzem consoante as nossas necessidades. Ou seja, se formos à procura, eles vão ter essa oferta, mas se recusarmos, vão ter de adaptar a oferta que têm, ou não vão conseguir ter lucro. Portanto, a mudança de paradigma começa por nós, mas começa também pelas empresas, por todos. É possível continuar a ter uma economia, mas em vez de ser uma economia com um fim de vida, ser uma economia circular”, diz.
“Como é que isto se promove? Tendo produtos generalizados, por exemplo, em que temos peças quando é necessário trocar. Quantas vezes não mudamos de dois em dois anos de telemóvel, porque o software não atualiza, porque a bateria ficou viciada, e já não há peças porque lançaram o último modelo? Isto é só um pequeno exemplo de ações concretas que podemos fazer e em que podemos ser agentes de mudança”, explica.
Sobre a violência e radicalismo com que têm decorrido algumas manifestações e protestos pelo clima, também em Portugal, Sara duvida que surtam o efeito desejado.
“Os jovens têm muita tendência para o comportamento radical, mas às vezes nem têm consciência da razão porque o fazem, não têm propostas concretas. É um grande problema da nossa geração. O que vejo nestes jovens é um ato de desespero não sustentado, que infelizmente prejudica a causa ambiental. Porque não se olha com seriedade para este tipo de manifestações. ‘Que parvoíce’, ‘que modo radical, porque é que estão revoltados?’, são os comentários que ouvimos. Portanto, acho que este tipo de manifestações gera um alarmismo gigante, que não é saudável nem para a causa ambiental, nem para a vida das pessoas, nem para promover a alteração de comportamentos”.