Reportagem

Sem dinheiro e sem apoio. A história de duas imigrantes que voltaram a ter esperança

08 abr, 2023 - 11:20 • Ana Catarina André

O Centro Padre Alves Correia, uma organização social criada pelos espiritanos, apoia atualmente mais de 800 migrantes vindos sobretudo dos PALOP. Com a crise e o escasso financiamento público, a instituição lamenta não conseguir dar resposta a todos: no fim do ano passado, tinha mais de 700 pessoas em fila de espera.

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Djicu Sano chegou a Portugal no final da década de 1980, vinda da Guiné-Bissau. Durante alguns anos, conseguiu sustentar-se sozinha. Trabalhou numa lavandaria, fez limpezas e prestou apoio a idosos. Há uns anos, soube que tinha uma doença autoimune e perdeu o emprego. Foi viver para casa da irmã e as dificuldades avolumaram-se.

“Uma pessoa doente não trabalha. Tudo o que vem, vai embora”, conta a guineense, atualmente com 62 anos.

Na altura, a assistente social que a acompanhava encaminhou-a para o Centro Padre Alves Correia (CEPAC). Esta instituição da Província Portuguesa da Congregação do Espírito Santo (conhecidos como espiritanos) presta apoio a migrantes.

“Deram-me medicamentos, roupa, comida e ajudaram-me com os documentos – há oito anos que não os renovava”, recorda Djicu Sano, acrescentando que, com a ajuda dos técnicos da instituição, o processo burocrático ficou resolvido em poucos meses.

Apesar de ainda não ter conseguido arranjar emprego, foi neste centro que voltou a ter esperança.

"Imagina uma pessoa num país que não é o seu. As coisas não correm bem, [ter] abrigo, às vezes, é difícil. Fica-se traumatizada”, afirma a antiga bailarina guineense, que atualmente faz parte do grupo de teatro do CEPAC: “Voltei a sentir paz, alegria... Saio sempre daqui com um sorriso aberto.”

Neste momento, a instituição tem 862 beneficiários. “São pessoas de cerca de 30 nacionalidades diferentes, a maioria vinda dos PALOP, embora tenhamos tido um aumento também de asiáticos e brasileiros”, adianta Ana Mansoa, diretora executiva do CEPAC. “Vêm sobretudo com visto de doente ou a acompanhar menores que estão doentes para tratamento hospitalar, ao abrigo de protocolos que Portugal tem desenhado com estes países.”

Com uma saúde fragilizada, não conseguem trabalhar e, por isso, a grande maioria sobrevive em território nacional com dificuldades. Alguns chegam mesmo a pedir para voltar para casa. "Sentem-se desprotegidos e estigmatizados", refere Ana Mansoa.

No CEPAC, há uma equipa de técnicos que procura inverter este cenário e garantir a sua integração. A juntar ao serviço de inserção e formação profissionais, a instituição disponibiliza também apoio documental, suporte alimentar (através da mercearia Sabura), e ajuda com vestuário (na Boutique Bu Gosta). Proporciona também cuidados de saúde e acesso à medicação.

“É uma abordagem integrada, que vê o indivíduo como um todo, e que não intervém apenas na resolução de um problema momentâneo”, explica Ana Mansoa.

Mais de 700 pessoas sem resposta

Com a inflação e a crise na habitação, o CEPAC confronta-se agora com um aumento de cerca de 30% dos pedidos de ajuda de pessoas em situação de extrema vulnerabilidade.

“Terminámos o ano de 2022, com 352 famílias em lista de espera, portanto com mais de 700 pessoas que nos pedem ajuda e a quem não conseguimos chegar por total incapacidade de resposta”, lamenta a diretora executiva.

“A instituição sobrevive com fundos da Segurança Social, [que representam] uma parte muito pequenina do orçamento. Grande parte da nossa resposta é, na verdade, suportada por mecenas e por um esforço feito pela instituição no acesso a candidaturas, a financiamento privado ou a fundos da União Europeia”, explica a responsável. “Infelizmente, não temos tido capacidade para responder a este aumento tão grande.”

Entre os migrantes que o CEPAC acompanhou em 2022, 45% conseguiu autonomizar-se, tendo 55% continuado a beneficiar da ajuda da instituição. Lídia Costa faz parte do último grupo. A angolana deixou a família em 2021, para vir para Portugal, com um dos filhos que sofre de paralisia cerebral. O menino, hoje com 9 anos, veio para Lisboa, para receber acompanhamento médico especializado.

Como apenas consegue trabalhar umas horas por dia, quando o filho está nos tratamentos, Lídia Costa não tem dinheiro suficiente para pagar as contas. Recebe uma ajuda alimentar mensal do CEPAC e medicamentos.

“Também me deram uma psicóloga. Sentia muita pressão pela situação em que estava, longe da família e sem dinheiro. Não dormia praticamente”, conta a angolana.

Atualmente, um dos principais problemas de Lídia Costa e do filho prende-se com a habitação.

“Tentei procurar uma casa acessível, até 400 ou 500 euros, mas não encontro. Estou num T2 por 650 euros e partilho a renda”, diz, contando que o prédio não tem elevador o que, atendendo à reduzida mobilidade do filho, é uma dificuldade acrescida no quotidiano. “Está muito, muito difícil conseguir um sítio para morar. Tenho uma inscrição na Câmara Municipal, mas ainda não recebi resposta”. Ainda assim, a angolana de 41 anos não perde a esperança: “Vou continuar a lutar e vou conseguir.”

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