Sondagem das Sondagens

Mulheres ficam à esquerda dos homens nas intenções de voto, mas nas eleições “o gender gap não é muito significativo”

09 fev, 2024 - 06:30 • Salomé Esteves

Em 2022, as mulheres votaram, pela primeira vez, mais à esquerda do que os homens e as sondagens de 2023 mostram que há margem para o padrão continuar. A tendência veio para ficar? É preciso esperar para ver.

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As mulheres votam à esquerda, os homens à direita. Será que os estudos internacionais colam com a realidade portuguesa? Se, nas últimas eleições, tudo apontava nesse sentido, dados mais recentes mostram que é preciso ter cuidado antes de tirar conclusões definitivas, como explicam as especialistas ouvidas pela Renascença. De facto, em 2022, as portuguesas votaram mais à esquerda - seguindo os passos que as mulheres têm dado na Europa e no mundo -, se olharmos para os resultados da sondagem à boca das urnas feita, nesse ano, pela Pitagórica. Mas, apesar do que esses números sugerem, Portugal pode ainda não ter chegado ao “modern gender voting gap” - que, em português, se traduz no termo menos sonante “diferença de género no voto”.

O conceito é simples: as mulheres tornaram-se eleitoras mais progressistas do que os homens, e eles têm inclinações de voto mais conservadoras. Marina Costa Lobo, cientista política e investigadora principal do estudo pós-eleitoral de 2022, diz que há dados recentes em Portugal que revelam “muito poucas diferenças entre homens e mulheres na participação e até no comportamento de voto”.

Portanto, é preciso cautela. Para já, “o gender gap não é muito significativo em Portugal", argumenta a politóloga.

“O gender gap não é muito significativo em Portugal", Marina Costa Lobo.

Então, o que aconteceu, desde as últimas legislativas, com a intenção de voto das portuguesas? O que dizem as sondagens? Podemos esperar que as mulheres votem mais à esquerda ou mais à direta a 10 de março?

Fazendo as contas às sondagens publicadas em 2023, as mulheres têm intenções de voto sempre mais à esquerda do que os homens. Este padrão permanece mesmo no início de dezembro, altura em que a preferência feminina pela esquerda caiu para o mínimo do ano, cerca de 41%.

Nos partidos mais progressistas, somam-se as intenções de voto no PS, PAN, Livre, CDU e BE - ressalva-se que o PAN foi incluído no espectro político da esquerda, depois de Inês Sousa Real ter declarado ao Público, no final de janeiro de 2024, que o PAN “acaba por recair” no espaço do “centro-esquerda”.

Estes resultados das sondagens de 2023 espelham as conclusões que o investigador Pedro Magalhães tirou das sondagens à boca de urna de 2022, quando “PS, BE e PAN tiveram um apoio desproporcionalmente mais alto entre as mulheres que votaram”.

Paula Espírito Santo, professora e investigadora em Sociologia Política, considera que, muitas vezes é “mais pelas lideranças, menos pela componente da ideologia” que um votante decide. Quando uma mulher lidera um partido, há a questão da representação: “As mulheres poderão tendencialmente atrair mais eleitoras”, acrescenta.

Mas a intenção de voto feminino nos partidos de esquerda não cresceu ao longo do ano passado, já que a inclinação das mulheres nos partidos mais progressistas caiu oito pontos percentuais entre janeiro e dezembro de 2023. A professora acautela que é necessário cuidado ao olhar para as sondagens dos partidos pequenos, uma vez que a amostra pode ser reduzida em certos círculos eleitorais e insuficiente para tirar ilações.

Ainda que as potenciais eleitoras tenham a intenção de votar mais à esquerda do que os homens, a diferença à direita não é particularmente vincada. As intenções de voto feminino variam sempre entre os 40% e os 50% entre esquerda e direita, e há vários momentos em que as duas ideologias se sobrepõem.

Aliás, ao longo de 2023, a terceira força política escolhida pelas mulheres foi ocupada por três partidos com ideologias distintas. A Iniciativa Liberal abriu o ano em terceiro, mas foi rapidamente ultrapassada pelo Chega. Entre junho e julho, foi o Bloco de Esquerda que resgatou o lugar, para logo voltar a perdê-lo.

Segundo a metodologia da Sondagem das Sondagens, da Renascença, os homens apresentam-se como eleitores mais conservadores. Durante todo o ano de 2023, estiveram sempre mais inclinados para partidos de direita. No final do ano, mais de metade (53,7%) admitia ter intenção de votar no PSD, no CDS (dados até à última sondagem do ano, quando ainda não tinha sido anunciada a coligação AD), na IL ou no Chega.

Por outro lado, a percentagem de homens cuja intenção pendia para os partidos de esquerda fixou-se em 38,5% no final do ano.

Mais uma vez, estas intenções de voto refletem aquilo que as sondagens à boca de urna já nos diziam em 2022, principalmente quando se olha para a desproporção de votos masculinos e femininos no Chega. O partido consegue ter, em 2023, o dobro das intenções de voto masculino em relação ao feminino.

Marina Costa Lobo sublinha que esta é a única diferença significativa no voto entre homens e mulheres: “O voto no Chega é claramente um voto mais masculino do que feminino. Foi assim em 2022.”

Um estudo da Universidade Católica sobre o comportamento de voto, feito em junho de 2023 com cerca de dois mil inquiridos, chega às mesmas conclusões: “O eleitorado à direita continua a ser mais masculino do que feminino.”

Diferentes, mas não tanto

Mesmo que a inclinação de voto geral seja distinta, ambos os sexos tendem a ter comportamentos semelhantes ao longo do tempo. As diferenças podem ser mais ou menos significativas, mas as subidas e as descidas, quer à esquerda, quer à direita, acontecem nos mesmos momentos.

A demissão de António Costa aumentou o fosso entre direita e esquerda na intenção de voto masculina. Estas percentagens, no final de 2023, tinham uma diferença de cerca de 15 pontos percentuais, mas, no início de novembro, desceram para seis.

Já para o potencial eleitorado feminino, a demissão do primeiro-ministro inverteu a tendência de voto da esquerda para a direita. E essa tendência voltou a reverter-se duas semanas depois, em meados de dezembro, quando Pedro Nuno Santos se tornou o novo secretário-geral.

Um outro momento em que se nota um aumento conjunto de votos à esquerda é o da publicação do relatório da Comissão de Inquérito à TAP, no início de julho. Dois meses depois, houve uma queda da intenção de voto, entre homens e mulheres, à direita, e que coincidiu com a apresentação de uma moção de censura por parte do Chega, que teve os votos a favor do PSD e Iniciativa Liberal.

Há também uma queda na intenção de voto na esquerda - de novo entre ambos os sexos - logo em janeiro de 2023, refletindo-se, principalmente, em descidas súbitas nas percentagens do Partido Socialista e do PAN. Este período - a transição entre dezembro de 2022 e janeiro de 2023 - foi aquele em que assistiu a uma série de demissões na bancada socialista, incluindo a do então ministro das Infraestruturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos.

As sondagens feitas pela Universidade Católica em fevereiro, junho e julho de 2023 publicadas no depósitos de sondagens da ERC não incluem a distribuição das intenções de voto por género. A Renascença contactou o CESOP (Centro de Estudos e Sondagens de Opinião) mas, até à data da publicação deste artigo, não foi possível ter acesso aos dados, pelo que a análise não os considera.

Portugal pode ainda não estar onde o mundo chegou no final do século XX

A tendência de as mulheres votarem mais à esquerda do que os homens tem crescido desde os anos 1990 e ganhou um nome: “Modern gender voting gap”. Nasceu nos Estados Unidos, mas rapidamente se espalhou para os países europeus, como a Irlanda, Luxemburgo, Espanha, Itália e Finlândia.

Na União Europeia, os países que contrariam esta tendência são os que costumavam pertencer à União Soviética, como Eslováquia, Chéquia, Polónia, Eslovénia e Hungria, sendo a exceção a Bulgária e a Estónia. Hoje, a diferença entre sexos é maior na Noruega, Suíça, Suécia, Chipre e Dinamarca.

Na UE, só Portugal não mostrou, até 2022, diferenças de género significativas nas intenções de voto desde essa mesma altura. E as diferenças, lembra Marina Costa Lobo, não são significativas.

Desde o início de 2024 que as discussões sobre o aumento da distância ideológica entre homens e mulheres, especialmente nas gerações de votantes mais jovens, tem-se espalhado pelas redes sociais e por órgãos de comunicação social do Reino Unido, Estados Unidos e América Latina.

Em Portugal, dados do estudo pós-eleitoral de 2022 revelam que, no cruzamento da idade e do género, a tendência em declarar-se como votante à esquerda é mais acentuada nas jovens mulheres, dos 18 aos 29 anos, do que nos homens da mesma idade. Mas este foi um acontecimento inédito.

No estudo anterior, de 2020 sobre as eleições de 2019, os autores João Cancela e Pedro Magalhães referem que os dados não mostravam que Portugal estivesse a seguir a tendência do voto feminino à esquerda que estava, claramente, a manifestar-se noutros países.

Paula Espírito Santo acautela que “os mais votantes em Portugal são mais velhos” e acrescenta que será preciso esperar pelo resultado das próximas eleições legislativas, e pelos estudos pós-eleitorais, para verificar “se há uma flutuação ocasional - que pode ter a ver com circunstâncias de conjuntura socioeconómica, com outras características de outras variáveis sociodemográficas -, ou se é uma tendência persistente”.

Tendencialmente, Portugal tem-se mantido no chamado “traditional voting gender gap”, segundo o qual as mulheres são eleitoras mais conservadoras. Por que motivo é que as portuguesas se mantêm nesse registo mais tradicional até mais tarde? Ou, melhor, por que é que se mantiveram no limbo até 2022?

Paula Espírito Santo aponta uma possível resposta: Portugal tem uma “caminhada enorme para fazer do ponto de vista da equalização” no “número de mulheres à frente de bancos, de grandes empresas, em termos políticos, nos parlamentos, nos governos” e na "proporção de filiados dos partidos”. Os dados mostram isso: a representação de mulheres em cargos ministeriais e no parlamento não chega aos 40%. Já dentro dos partidos, “cerca de 70% são homens, 30% mulheres, quer em partidos de esquerda ou de direita”.

Paula Espírito Santo acredita que a solução para um maior envolvimento do eleitorado feminino, independentemente da inclinação política, pode passar por envolver mais mulheres na política, quer na filiação, quer na governação.

“Precisaríamos de atrair mais mulheres para a política, independentemente de quotas”, Paula Espírito Santo

Sobre a viragem do voto feminino à esquerda, é preciso esperar. "Só mesmo com os próximos atos eleitorais é que se pode perceber se esse início de diferenciação em termos de género vai ser, ou não, uma tendência para durar”, finaliza Paula Espírito Santo.

Marina Costa Lobo concorda: “Teremos de esperar para ver como é que se distribui o voto.”

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