23 mai, 2023 - 06:30 • Manuela Pires
O presidente do governo regional da Madeira, o social-democrata Miguel Albuquerque, assume-se "neste momento" favorável a que António Costa cumpra a legislatura e admite que o primeiro-ministro ainda tem "oportunidade" de "por ordem no Governo, reformular o Governo". Se não o fizer, diz, em entrevista à Renascença, não restará outra solução que não seja a dissolução do Parlamento.
Dias depois da intervenção de Cavaco Silva no encontro de autarcas do PSD em que o ex-Presidente da República arrasou o Governo de António Costa e o PS, Miguel Albuquerque considera que "a parte mais importante do discurso" foi o "elogio" e o "apoio incrível" a Luís Montenegro como presidente do PSD. "Para dissipar quaisquer dúvidas", refere o líder madeirense.
O presidente do Governo regional da Madeira recebeu a Renascença em plena Assembleia Legislativa, no Funchal, minutos após a intervenção de abertura das jornadas parlamentares do PSD, e aproveitou para criticar a manutenção de João Galamba no Governo. Miguel Albuquerque considera que se trata de alguém que está politicamente "morto-vivo" e que "não se pode ter um ministro que está lá e diz que não conhece o plano de reestruturação da TAP".
Sobre as eleições regionais do outono, ainda sem data marcada, Miguel Albuquerque afasta receios do PSD em relação a uma eventual votação expressiva no Chega e diz-se convicto que vai "ganhar e com maioria absoluta". Quanto à Iniciativa Liberal, o líder do PSD da região antevê que "não vai ter um grande impacto eleitoral".
O antigo Presidente da República fez uma intervenção muito crítica para com o Governo e Cavaco Silva sugeriu a demissão do primeiro-ministro. Concorda?
Acho que houve um grande exagero, porque eles estão habituados a que a política não seja clara, nem se fale de forma contundente. O professor Cavaco Silva disse aquilo que em democracia se deve dizer, dizer o que se pensa de forma clara e inequívoca. As pessoas estão habituadas ao exercício das narrativas e do cinismo. Transformar uma narrativa numa verdade chama-se narrativa. Ser politicamente correto e ser cínico é que está direito numa democracia. Eu acho que é o contrário. O professor Cavaco Silva disse aquilo que os políticos com 'background' e os grandes políticos fazem que é falar claro e dizer as coisas como elas são e o povo entende, obviamente.
E era preciso nesta altura Cavaco Silva vir a terreno ajudar o líder do PSD, Luis Montenegro?
Era necessário, sem sombra de dúvida, um esclarecimento cabal, porque é preciso ter noção que há um ano e tal o povo deu a maioria ao António Costa para governar. E o que se tem assistido não é um problema da oposição, não é um problema dos cidadãos, é um problema de desorganização e de luta de poder dentro de fações internas do Governo que leva à degradação das instituições do Estado. Como diz António Barreto num artigo, parece uma República de garotos, parece uma brincadeira.
"Sou favorável, neste momento, ao cumprimento da legislatura. Acho que o primeiro-ministro ainda tem oportunidade. Porque quem dissolve o Parlamento é o Presidente da República. Mas nas últimas semanas o primeiro-ministro só tem cometido erros"
E fez bem em falar agora?
Sim, porque estamos a assistir a uma situação desgraçada que leva à degradação das instituições. A economia até tem corrido bem porque Portugal está a crescer, mas o que temos assistido, de facto, é a uma falta de autoridade, e o primeiro-ministro tem de por ordem no Governo, porque ele é que é o responsável pelo Governo.
Mas há uma sugestão de Cavaco Silva para que António Costa se demita.
Sou favorável, neste momento, ao cumprimento da legislatura. Acho que o primeiro-ministro ainda tem oportunidade. Porque quem dissolve o Parlamento é o Presidente da República. Mas nas últimas semanas o primeiro-ministro só tem cometido erros, afrontou o Presidente da República.
António Costa mantém um ministro que é um "zombie", um morto vivo, politicamente. Nada se pode esperar de um Ministério tão importante como o das Infraestruturas. O que o primeiro-ministro tem de fazer é por ordem no Governo, reformular o Governo, acho que isso é essencial. Caso contrário, o que vai acontecer mais cedo ou mais tarde é a dissolução, porque esta situação não se pode manter.
É uma situação que leva à polarização e radicalismos na sociedade. Depois, esta arrogância, esta soberba, esta forma de exercício de poder como se o Estado fosse desta nova geração do PS. Não sei o que esta gente tem na cabeça. Tem de haver limites jurídicos, éticos e morais.
"Não se pode ter um ministro que está lá e diz que não conhece o plano de reestruturação da TAP. Chama-se o SIS como quem chama o canalizador"
Considera que Cavaco Silva veio falar porque o PSD não tinha força?
O Professor Cavaco Silva não fala por acaso, ele é um político com grande sentido de oportunidade e que não fala por acaso. A parte mais importante do discurso de Cavaco Silva é um elogio e um apoio incrível a Luís Montenegro como presidente do PSD para dissipar quaisquer dúvidas, e foi um elogio a Luis Montenegro que nunca fez a nenhum líder do partido desde que ele saiu do PSD. É um sinal muito importante.
Em segundo lugar, Cavaco Silva diz também que o PSD, como partido líder da oposição, não pode estar condicionado nem limitado pelas linhas amarelas, vermelhas ou verdes que são impostas pela oposição. O PSD tem como função apresentar um programa, ir a eleições e a definição das suas políticas ou do quadro de acordos não é prévio às eleições. Isso é uma armadilha que a esquerda monta.
Sobre possíveis coligações com o Chega…
Ele diz que é o que a esquerda quer: um bode expiatório, está a alimentar um monstro, depois não consegue meter o génio dentro da lâmpada, outra vez. Isto pode custar caro. O PSD não pode embarcar, nem pode ser condicionado por este discurso do PS, pelo discurso de alguns comentadores de esquerda e, sobretudo, de alguns idiotas úteis que ainda não perceberam que esse é o discurso que interessa ao Partido Socialista.
Já falou em degradação das instituições. Como é que tem assistido aos trabalhos da comissão de inquérito à TAP?
Acho que a comissão de inquérito à TAP vai demonstrar que a aviação é um negócio que mudou muito. A TAP, como companhia pública, não tem qualquer possibilidade de concorrer com as privadas e, sobretudo, com as 'low cost'. Portanto, há um erro político, um erro crasso e um erro muito pesado para os contribuintes que este primeiro-ministro fez que foi, por capricho ideológico, voltar a nacionalizar a TAP. Está a ser desbaratado dinheiro numa companhia que não tem qualquer viabilidade enquanto companhia pública.
Depois há duas tutelas na TAP, geridas com soberba e incompetência. Não se pode ter um ministro que está lá e diz que não conhece o plano de reestruturação da TAP. Chama-se o SIS como quem chama o canalizador. A comissão de inquérito só vem demonstrar o que tínhamos dito, que a viabilidade da TAP como companhia pública não existe.
"Votação expressiva no Chega? Não temos uma grande polarização. É possível. Nunca posso dizer como é que vai ser o voto do eleitorado, mas penso que aqui isso não vai acontecer"
O Governo sublinha que a TAP é uma empresa estratégica para a economia nacional...
Não acho que seja estratégica. Aqui na Madeira a TAP abandonou os slots e a EasyJet aproveitou logo. Não é nada estratégico.
Estamos a cinco meses das eleições legislativas regionais. O PSD Madeira acaba de ratificar um acordo de coligação com o CDS. Acha que vai ser fácil manter esta maioria?
Acho que nós temos grandes condições. Tenho sempre uma humildade em relação às eleições, mas acho que vamos ganhar e com maioria absoluta. Os resultados da governação são bons, temos o desemprego mais baixo desde há 15 anos. Estamos com um crescimento económico bastante acentuado desde há dois anos e estamos com diversificação da economia, com as empresas tecnológicas que são fundamentais para a Madeira. Estamos com um volume de negócios quase que equivalente ao do Turismo.
Não receia uma grande votação no Chega?
Acho que isso não vai acontecer, porque o Chega entra quando as sociedades ficam mais polarizadas. Os populismos de direita ou de esquerda surgem em situações de polarização e de fratura social. Nós aqui temos uma sociedade coesa. As pessoas têm emprego, veem o turismo está a crescer.
Temos acordos laborais estabelecidos, não temos problemas com os professores, assinámos os acordos de recuperação do tempo de serviço dos professores, baixámos os impostos. Não temos uma grande polarização. É possível. Nunca posso dizer como é que vai ser o voto do eleitorado, mas penso que aqui isso não vai acontecer.
Mas se não tiver maioria porque é que afasta qualquer entendimento com a Iniciativa Liberal, uma fez que defende isso no Continente?
No Continente sim, mas aqui não porque na Madeira a Iniciativa Liberal não tem implantação, nem vai ter grande impacto eleitoral.