Rui Moreira: “Era preciso um livro branco da regionalização”

21 jul, 2022 - 07:00

O presidente da Câmara do Porto, que foi o principal rosto da contestação ao acordo de descentralização de competências aprovado esta semana pelos autarcas, afasta criar um organismo paralelo à Associação Nacional de Municípios do Portugueses, mas também não vê "qualquer utilidade prática" em regressar ao órgão liderando pela socialista Luís Salgueiro

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Veja aqui a entrevista a Rui Moreira na íntegra

A cumprir o seu último mandato, Rui Moreira diz que o país precisa de uma regionalização política e não apenas administrativa. Em entrevista ao programa Hora da Verdade da Renascença e do jornal Público, propõe a criação do Livro Branco da Regionalização e de uma comissão que trabalhe "naquilo que seria uma proposta" desse processo, não acreditando que o PSD ou o PS estejam verdadeiramente interessados em avançar. Entretanto, o autarca independente descarta uma candidatura à Presidência da República.

“É assustador” suceder a Marcelo Rebelo de Sousa.

Admite reconsiderar no futuro próximo um regresso do Porto à Associação Nacional de Municípios Portugueses?

Neste momento a situação não se coloca. Esta foi uma decisão ponderada e avaliada pelos órgãos autárquicos da Câmara do Porto, não foi nenhuma birra.

Neste momento não faz sentido esse regresso?

Não vejo que tenha para nós qualquer utilidade prática e não acho que seja necessariamente bom para a associação nacional de municípios.

Porquê?

Porque se demonstrou haver uma câmara que manifesta fundamentada reserva relativamente àquilo que estava em curso e que parecia satisfazer toda a gente. Acabou por alertar as consciências do Governo, com quem mantive sempre contactos e também da própria associação.

Em alguma ocasião ponderou criar um outro organismo paralelo à ANMP?

Não. Julgo que também isso não se justifica até porque só o Porto saiu. Houve outros municípios que ameaçaram sair ou que pensaram em sair, mas que por uma razão ou outra escolheram não o fazer. Acho que dentro da ANMP é bom que exista a consciência de que os municípios são diferentes. Às vezes, a relação que se estabelece e os próprios equilíbrios dentro da ANMP não deviam decorrer tanto daquilo que são as opções ideológicas, das maiorias em cada um dos municípios, mas deviam olhar mais a estas particularidades.

Como avalia o papel desempenhado por Luísa Salgueiro enquanto líder da ANMP? Considera que a autarca é em primeiro lugar socialista ou representante dos municípios?

A Luísa Salgueiro quando chegou à ANMP não se apercebeu da dimensão do problema com que estava confrontada e isso resulta da estrutura da associação nacional de municípios. O seu secretário-geral, que se eterniza há anos, anos e anos, e que, provavelmente, não lhe contou as coisas como ela pensava. Luísa Salgueiro fez o possível.

Sente que a sua saída da ANMP foi usada por outros autarcas para terem ganhos na descentralização?

Espero que tenha havido ganhos para todos, mesmo para aqueles que criticaram a minha saída. Acho que eles hoje chegaram à conclusão que o negócio que agora está feito é melhor do que aqueles que lhes diziam que era o último negócio que já estava feito.

E quanto à ministra da Coesão Territorial, que assumiu a pasta da descentralização neste Governo. O peso político no seio do executivo pode dificultar-lhe a vida?

Acho que tem peso político. Ana Abrunhosa tem uma particularidade interessante e isto nos governos de maioria às vezes funciona. Ela é um bocadinho ministra da autocrítica, ou seja, muitas vezes coloca-se numa posição crítica ao governo de que faz parte, tentando assim esvaziar a crítica externa.

Concorda com Marques Mendes que disse que o acordo alcançado para a descentralização lhe deu razão e que fez do presidente Rui Moreira o maior vencedor deste processo?

Deixarei que as pessoas façam essa avaliação, mas tenho a certeza que fiz aquilo que entendi que era melhor para o Porto, mas não pensando apenas no Porto. Falei com muitos autarcas que estavam muito preocupados e que não encontravam eco porque, naturalmente, têm menos capacidade de intervenção do que o presidente da Câmara do Porto e sei muito bem as palavras de conforto que tive. O presidente da Área Metropolitana do Porto, Eduardo Victor Rodrigues, muitas vezes, veio em meu auxílio, dizendo que partilhava das preocupações. Isto não foi uma coisa que tivesse um contorno ideológico, não se tratava de uma contestação ao Governo ou uma contestação organizada à Associação Nacional de Municípios, era apenas denunciar que os acordos que tinham sido feitos eram maus.

António Costa na intervenção numa reunião interna do PS deu a entender que o referendo à regionalização fica na gaveta por falta de consenso com o PSD. Para si, é certo que em 2024 vai haver referendo?

Para os partidos no Porto, é fundamental avançar com a regionalização e nunca vai haver um bom momento para a fazer. A descentralização não vai resolver o problema da regionalização. Precisamos de uma regionalização e não é apenas administrativa, tem que ter contornos políticos. Uma regionalização depende de poder e eu defendo uma regionalização política. Até agora ainda não percebemos sequer se, em 2024, o PS vai manter a sua vontade ou não de fazer um referendo à regionalização e não vejo neste momento que haja um grupo que esteja a trabalhar nisso. Acho que os partidos não estão muito empenhados.

O PSD não está nada empenhado...

O PSD não está e eu também não sei se o PS verdadeiramente está, porque também não fez trabalho de casa. O Governo já está em funções há bastante tempo e não há uma comissão que esteja a trabalhar naquilo que seria uma proposta da regionalização. Quais as regiões? Quais as competências? Qual é o financiamento? Qual é o poder? Tudo isto está por fazer.

E o Presidente da República também não tem muita vontade...

O Presidente da República objectivamente nunca quis a regionalização e ele só quererá o referendo se achar que o referendo vai resultar ou não, não tenho dúvidas sobre isso. Se os partidos querem promover a regionalização deveriam fazer um trabalho de fundo, usando a academia. O país precisa de uma reforma política. O país está esgotado em termos da sua organização política.

Devia de haver pessoas que deviam ser chamadas para pensar nesta matéria. Devia haver uma comissão qualquer que envolvesse pessoas dos vários partidos, da sociedade civil, da academia que pudesse fazer um livro branco sobre aquilo que de facto queremos através da regionalização.

O livro branco da regionalização...

Claro. Era preciso um livro branco da regionalização e só depois de explicar isto e depois de isto ser amplamente divulgado é que se devia avançar para a regionalização.

São conhecidas as suas divergências com Rui Rio, mas aceitou ir ao encerramento do congresso de consagração de Luís Montenegro. Há aqui uma normalização de relações com este novo PSD?

O dr. Rui Rio nunca me convidou para nada e duvido que se o congresso fosse no Porto e se ele se tivesse mantido como líder que me tivesse convidado. Agora como presidente da Câmara do Porto quando há um congresso de um grande partido democrático na cidade do Porto, convidando-me eu estarei presente. Nós temos um acordo de governação com o PSD que apesar de tudo se repercute na possibilidade de vermos aprovados os orçamentos. Esta relação com o PSD foi construída depois das últimas eleições autárquicas e, naturalmente, implica que eu demonstre esse mesmo respeito por um partido com quem tenho um acordo.

De repente, fala-se em si como candidato a vários cargos. FC Porto, Presidência da República. Continua a descartar uma possível candidatura a Belém quando Marcelo sair?

Continuo e para os meus detractores e para que as pessoas que normalmente fazem mal a quem tem ambições não me façam mal por causa disso, porque eu não serei candidato à Presidência da República em condição alguma.

Porquê? Não tem ambições políticas?

Não tenho nenhuma ambição de ocupar o cargo de Presidente da República, não é um cargo que me interesse particularmente, com todo o respeito, não gostaria de viver em Lisboa para desempenhar esse cargo e acho que o estilo que foi introduzido na Presidência da República pelo professor Marcelo Rebelo de Sousa, com grandes virtudes e alguns defeitos, transforma aquele cargo num cargo mais adequado a pessoas diferentes de mim. Eu sou mais executivo, não me vejo a fazer uma Presidência semelhante e acho que ele marcou tanto a Presidência da República que o seu sucessor vai ter que ser uma pessoa mais ou menos do mesmo estilo.

É assustador suceder a Marcelo Rebelo de Sousa?

Claro que é. É mesmo assustador e digo isto com todo o respeito. Marcelo Rebelo de Sousa imprimiu uma dinâmica na Presidência da República que exige que quem vá para aquele cargo queira muito, e eu não quero muito, e depois que tenha essa enorme disponibilidade de abdicar de toda a vida pessoal. Eu tenho uma vida pessoal, tenho filhos, tenho netos, tenho interesses, gosto de ler. Consigo viver no Porto, andar pela rua, sair - comigo ninguém tira 'selfies'. Gosto de ir à praia, gosto de ir ao supermercado, gosto de tirar fotografias, gosto de ir ao teatro, gosto de ir ao cinema - apesar de não gostar de pipocas. Tudo isso são coisas que eu quero fazer e também já cheguei a uma altura na minha vida que quero fazer aquilo que gosto de fazer, tenho este direito. Dediquei este tempo a ser presidente da Câmara do Porto, ninguém me obrigou, não foi por nenhum chamamento. Não houve nenhum chamamento divino, achei que me apetecia fazer isto. É tempo de agora poder voltar a ter mais tempo para fazer outras coisas que me interessam.

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