18 fev, 2022 - 14:12 • Fábio Monteiro
As notícias da erosão eleitoral do PSD, após a vitória absoluta de António Costa, não são manifestamente exageradas. Prova disso é a nova aritmética parlamentar que saiu das eleições do passado dia 30 de janeiro – que tem tudo para ser uma dor de cabeça, durante os próximos quatro anos, em São Caetano.
O primeiro social-democrata a lançar o alerta foi o antigo deputado do PSD Pedro Rodrigues. Ainda no rescaldo da ida às urnas, em entrevista à Renascença e ao “Público”, deixou no ar o cenário mais dramático possível: “As organizações não são eternas.” Por outras palavras, o PSD pode desaparecer.
Em entrevista à Renascença, ainda esta sexta-feira, o autarca social-democrata Carlos Carreiras afirmou também que “o PSD está numa situação extremamente difícil” e é “um partido que se tornou irrelevante na política nacional”.
Dramatismos políticos à parte, a sobrevivência do partido fundado por Sá Carneiro será, efetivamente, um problema real? Em 2017, foi nada menos nada mais que Rui Rio, o líder partidário que está de saída, a colocar essa possibilidade em cima da mesa.
"Se não olharmos lá para fora [Europa], para o que está a acontecer a outros [partidos], e olharmos ao mesmo tempo para aquilo que são os avisos que temos cá dentro, corremos o perigo de nos acontecer a mesma coisa [quase desaparecer]", disse, a propósito do resultado parco – apenas 8% - do Partido Socialista de François Hollande nas presidenciais em França.
Volvidos cinco anos, duas eleições legislativas depois, a premonição de Rui Rio começa a ganhar peso. Mas, parafraseando o poeta Manuel António Pina, 2026 “ainda não é o fim nem o princípio” do PSD, “é apenas um pouco tarde”. A Renascença conversou com António Martins da Cruz, diplomata e ex-governante pelo PSD, André Azevedo Alves, professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica, e com o politólogo e escritor Jaime Nogueira Pinto, e compilou uma lista de sete sinais para ler no horizonte laranja.
O Chega e a Iniciativa Liberal têm algo que PSD não tem: “Agendas ideológicas distintivas”, aponta André Azevedo Alves. Para o professor universitário, os programas políticos dos partidos à direita do PSD “não são fáceis de incorporar”: “não o foram para Rio nem o serão para quem vier a seguir”, o que dificultará, no futuro, a criação de “uma plataforma de voto útil que seja apelativa”.
Com os resultados das últimas legislativas, o Chega e a IL saíram, definitivamente, da caixa; o primeiro elegeu 12 deputados, o segundo oito. “É como aquelas coisas muito encaixadinhas dentro de uma embalagem. Depois de tirar, é difícil voltar a meter. Não é impossível, voltar a dobrar tudo direitinho e meter tudo lá dentro, mas é mais difícil do que impedir de tirar”, explica André Azevedo Alves.
O crescimento da Iniciativa Liberal será, porventura, “o mais fácil de estancar”; entre a agenda de PSD e IL há alguns pontos de proximidade. Aliás, alguns dos quadros do partido já foram, em vidas passadas, social-democratas. Um exemplo: Rodrigo Saraiva, fundador e líder parlamentar do partido para a próxima legislatura, foi secretário-geral da JSD e vereador da Câmara Municipal de Lisboa no tempo de Carmona Rodrigues.
Também António Martins da Cruz, diplomata e antigo governante social-democrata, não vê no crescimento do Chega e da Iniciativa Liberal “circunstâncias específicas” ou uma moda “momentânea”. Na verdade, lembra, que os partidos de direita “dura” estão em crescimento por toda a Europa, alguns dos quais “já foram mesmo Governo”.
“Não posso dizer, nem ninguém pode dizer em Portugal, que os partidos que estão à direita do PSD vão desaparecer nas próximas eleições. Depende deles e do que o PSD vai fazer para o futuro. E como os eleitores 'compram' as novas políticas do PSD e a forma como estes partidos agora com representações significativas no parlamento se comportam”, afirma.
Em futuras idas às urnas, o PSD terá, provavelmente, um problema em mãos: disputar os votos ao Chega.
André Azevedo Alves afirma que é fácil imaginar o PSD “sob uma orientação que consegue preservar o espaço tradicional do partido e até estancar o crescimento e perdas da IL”. Uma solução social-democrata-liberal, porém, criará um cenário problemático: “Abre espaço para o Chega crescer ainda mais.”
Atendendo aos resultados dos irmãos europeus do Chega, como o Vox em Espanha ou a Liga Norte em Itália, o partido liderado por André Ventura ainda tem espaço para crescer. No passado dia 30 de janeiro, o Chega amealhou 7,28% dos votos. O professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica não descarta a possibilidade desse resultado duplicar. “São realidades diferentes, mas não seria uma bizarria se isso acontecesse”, afirma.
Em 2018, o partido de Matteo Salvini alcançou a fasquia dos 17,4% dos votos, elegendo 124 em 630 deputados. No ano seguinte, a iniciativa liderada por Abascal, caçou 15,1% dos votos, elegendo 52 deputados de 350.
Mais: ainda no passado fim de semana, nas eleições autonómicas de Castela e Leão, o Partido Popular (PP) – partido paralelo ao PSD em Portugal – ganhou, mas a capacidade de governar ficou dependente de um entendimento com o Vox, que elegeu 13 deputados, enquanto em 2019 havia sido apenas um.
De protesto a partido do sistema? A forma como o Chega se comportar durante a próxima legislatura, os temas que escolher como seus, será determinante para o seu crescimento e potencial condicionamento do PSD, defende Jaime Nogueira Pinto. A nova direita terá de se afirmar no quadro das instituições, apesar de a esquerda ir “sempre acusá-la de racismo, de golpismo, e de antidemocratismo, e de fascismo, e de essas coisas todas”.
Para tal, terá de “ter um ideário mais construtivo e temáticas mais alargadas. De facto, passar de ser um partido muito de protesto para um partido de afirmação. Hoje em dia, na Europa, mais à direita, quer numa linha mais conservadora ou populista, [os partidos como o Chega] estão com muita força”, lembra.
O politólogo sugere até os temas que o Chega poderá chamar a si: “a independência nacional em relação a federalismos europeus; a recusa da regionalização; a exigência de maior solidariedade social” – “uma linha mais cristã social” como a do CDS.
O PSD tem “um problema sério” na parte sul de Portugal. Nas palavras de André Azevedo Alves, “dificilmente pode ser considerado um grande partido”. Nos últimos 15 anos, as votações no PSD têm vindo a cair de forma significativa na região do país.
“Para um cenário do PSD voltar a ser Governo, ou consegue inverter este processo ou não tem hipóteses”, explica.
Em contraciclo, o Chega parece estar a crescer nos distritos a sul do Tejo. Em Faro, um círculo eleitoral pequeno, conseguiu mesmo eleger um deputado – “resultado que vem enfraquecer ainda mais o PSD na zona do país onde já estava com mais dificuldades”. Num futuro próximo, “o único grande partido com implementação nacional mais ou menos homogénea poderá ser o PS”, avisa o professor universitário.
António Martins da Cruz faz um diagnóstico semelhante. “O PSD, de um ponto de vista do país, regionalizou-se”, aponta, e “isso permitiu que outros partidos da direita ou conotados com a direita crescessem.”
Para 2026 faltam quatro anos. Mas o PSD tem já que se precaver para o que aí vem. Se é verdade que nem o Chega nem a IL têm características para serem partidos "catch-all", ambos podem ainda crescer.
De acordo com André Azevedo Alves, “o potencial” do partido de André Ventura é maior que o de João Cotrim de Figueiredo. A IL pode, porventura, como o CDS “no tempo de Paulo Portas”, ir aos 10% ou um pouco mais, enquanto o Chega, tendo em conta os resultados dos partidos irmãos de Espanha e Itália, poderá chegar aos 15%.
Mas dê-se o caso de o PSD tropeçar, “cair alguns degraus dos 30% para os 20 ou 25, e tudo poderá mudar”. “Não acho que esteja em cima da mesa nada parecido com o CDS. A curto prazo e a longo prazo, acho altamente improvável [o PSD] desaparecer. Mas acho possível que passe de um grande partido para um médio partido”, conjetura.
A seu favor o PSD tem o facto de os eleitorados “não mudarem de forma radical”, salvo quando há choques externos – o que aconteceu, por exemplo, com o PASOK, na Grécia, em 2012.
Mesmo depois dos resultados de 30 de janeiro, o PSD e o PS continuam a constituir o "centrão": juntos arregimentam ainda cerca de 70% dos votos. Mas, na opinião do politólogo e Jaime Nogueira Pinto, com o crescimento do Chega e da Iniciativa Liberal, “começa a existir uma contestação à direita do PSD”.
“O PSD, no seu ideário e na prática dos seus principais dirigentes, às vezes confunde-se muito com o próprio Partido Socialista. Arrisca-se, à semelhança do que tem vindo a acontecer pela Europa toda com estes partidos ambíguos, a acabar por ir perdendo para a direita”, aponta.
A ideia lançada por Nogueira Pinto não é nova. Há algumas semanas, Pedro Rodrigues, antigo deputado do PSD, também se queixou da falta de clareza do “posicionamento” do PSD. “São circunstâncias que se têm agravado ao longo dos anos. O PSD fala de uma reorganização interna há mais de 15 anos”, afirmou.
Aos olhos do ex-ministro social-democrata António Martins da Cruz, que integrou os dois executivos com maioria absoluta de Cavaco Silva, “o PSD hoje em dia é quase uma sombra daquilo que foi e daquilo que era”. O partido, no passado, sabia “abranger a direita, o centro direita e ainda uma parte da esquerda”. Ou seja, tinha como trunfo um “largo espectro ideológico flexível”.
O pecadilho corrente do PSD foi ter-se “afunilado”. “Assumiu uma postura ideológica mais rígida, mas apesar de tudo de contornos imprecisos. Foi por isso que não soube passar a mensagem ao eleitorado. E isso obviamente teve um custo e um custo que se refletiu em todas as últimas eleições”, nota o diplomata.
Se o PSD perder eleitorado, não conseguir estancar o crescimento do Chega e IL, o legado do partido fundado por Sá Carneiro não se vai evaporar. Mas caso a direita parlamentar fique mais fragmentada, o PSD pode perder o papel de alternativa aos socialistas.
“Ser alternativa ao PS, é muito mais importante para o PSD, que o Chega e a IL. Dá-lhe uma vantagem inequívoca”, afirma André Azevedo Alves. O que seria uma mudança tectónica no paradigma político português.