22 nov, 2021 - 09:24 • Fábio Monteiro
Rui Rio entrou no ringue sem se aperceber. Ou foi Paulo Rangel que o obrigou a calçar a luvas? O líder do PSD sabia que o eurodeputado social-democrata estava prestes a desafiá-lo para um combate, mas, porventura, julgava que os resultados das autárquicas – devido à conquista surpresa de Lisboa por Carlos Moedas – lhe tinham dado um novo fôlego.
O chumbo do Orçamento de Estado para 2022 e dissolução da Assembleia da República, porém, baralharam tudo: aceleraram calendários, transformaram umas eleições internas num plesbicito ao candidato que os militantes do PSD acreditam ter mais potencial para derrotar António Costa. Dia 27 de novembro, há eleições diretas - o terceiro e quase de certeza último embate da era Rio.
“O Mário Wilson costumava dizer que ‘quem treina o Benfica arrisca-se a ser campeão’. No caso do PSD, há um conjunto alargado de pessoas que poderiam dar grandes líderes. Mas as lideranças são como as melancias. É preciso abri-las para ver como é que funcionam depois”, comenta o deputado Duarte Marques, que já anunciou apoiar Rangel.
Os dois homens do Norte, Rangel de Gaia e Rio do Porto, pesos-pesados do PSD, dificilmente podiam ser mais distintos: o primeiro é um advogado de 53 anos com ideias para o sistema judicial e vasta experiência parlamentar; o segundo é um economista de 64 anos, que já presidiu por três mandatos ao Porto, com má opinião das sociedades de advogados e ainda pior da justiça portuguesa.
Da plateia, Duarte Pacheco, deputado do PSD e apoiante do atual líder do partido, comenta o perfil dos candidatos: Rangel é um “parlamentar de excelência”, assume, mas o currículo de Rio “é mais rico”, devido à experiência como presidente de câmara.
Também a apoiar Rio está José Silvano. O secretário-geral do PSD descreve o atual líder como um “verdadeiro outsider”, alguém que “tentou fazer uma revolução interna nas estruturas” nos últimos quatro anos. “Foi quase sempre um homem contra as estruturas, por isso é que agora elas agora se juntaram, quase na sua maioria, do lado do Paulo Rangel”, afirma.
Das 19 distritais, pelo menos 10 estão com Rangel. O PSD Madeira, sob o leme de Miguel Albuquerque, decidiu tomar uma “posição de neutralidade” para evitar “fraturas partidárias” – mas o histórico Alberto João Jardim já se colocou ao lado de Rio. Na terça-feira, Morais Sarmento, vice-presidente do PSD, revelou que não vai apoiar publicamente nenhum dos candidatos. Francisco Pinto Balsemão também já anunciou que não irá tomar lados.
Ao longo da sua história, o PSD “tem sido um triturador de líderes”, mas Rio “tem contrariado essa lógica”, defende José Silvano. “Depois de perder umas legislativas, ganhou o partido. Depois de ter um mau começo, ganhou o partido. E tudo contra as estruturas. Se reparar, nas outras candidaturas também a maioria das estruturas estava com o outro candidato. Portanto, pode ser que haja uma terceira vez. Pelo menos, nós confiamos nisso.”
As duas vitórias internas no currículo de Rui Rio, porém, nunca foram por knock-out claro-claro. Em 2018, quando defrontou Santana Lopes pela liderança do partido, Rui Rio amealhou 54,37% dos votos. Já no ano passado, na disputa contra Luís Montenegro, numa ida às urnas em que precisou de duas voltas (na primeira, participou também Miguel Pinto Luz), conseguiu 53,02% dos votos.
Paulo Rangel também não é novato nestas andanças, mas não tem vitórias no currículo. Em março de 2010, disputou a liderança do PSD com Pedro Passos Coelho, José Aguiar-Branco e Castanheira Barros, e perdeu. Na época, Passos conseguiu 61,2% dos votos, enquanto Rangel ficou-se pelos 34,44%; Aguiar-Branco amealhou 3,42% e Castanheira Barros não passou dos 0,27%.
Apoiante de Miguel Pinto Luz e depois de Luís Montenegro nas últimas diretas do PSD, José Matos Rosa está agora a torcer por Paulo Rangel, político que diz ser capaz de “unir o partido” e “rejuvenescê-lo”. “Primeiro unir dentro para depois ganhar lá fora”, dá como mote.
Segundo o social-democrata, o facto nenhum dos candidatos ter raízes em Lisboa não é motivo para “choradeiras”. Dos 18 líderes do PSD desde 1974, 7 eram do Norte do país. “O Sá Carneiro [um dos fundadores do PSD] era do Porto e conseguiu afirmar-se facilmente”, lembra.
Relativamente à imagem de Rio como alguém fora do sistema, o antigo deputado e ex-secretário-geral do PSD comenta: “Já disse no passado e repito: o dr. Rui Rio tem-se em muito boa conta.”
Duarte Marques, que também está sentado um dos lugares reservados aos adeptos de Rangel, diz que na retórica de Rio de outsider há “uma posição um pouco populista”, uma estratégia deliberada, “por sentir que as pessoas não gostam dos partidos”. “Discordo que faça dos defeitos dos partidos o seu principal pedestal. Ou seja, nós temos que contribuir para que os partidos melhorem, não para que sejam mais mal vistos que agora”, explica.
Por comparação com Rio, Paulo Rangel tem “uma capacidade de liderança muito forte, uma agenda muito mais cosmopolita”, o que o torna capaz de demarcar-se da “incapacidade de Rio para lidar com o PS” e com o Governo de António Costa, que nunca se mostrou disponível para fazer “alguma reforma”. “O PSD com Paulo Rangel estará muito mais virado para conquistar o espaço do centro e do centro-direita”, aponta.
Pedro Duarte, antigo deputado do PSD, espera que o partido aproveite as diretas para “reganhar uma nova energia”. O militante social-democrata conhece ambos os candidatos há mais de 30 anos e garante que “são bastante diferentes”. “Não tenho qualquer hesitação que o perfil de Paulo Rangel no atual contexto é o perfil mais adequado. Moderno, cosmopolita, alguém que gosta de aprofundar os assuntos e matérias. No sentido de encontrar as melhores soluções e melhores respostas. Acho que é preferível a outro perfil que é de uma política antiga”, afirma.
Rio tem “por vezes hostilizado o partido” e, “em boa verdade, não se pode queixar do aparelho”. “Se calhar [o aparelho] tem-no abraçado até excessivamente, porque a verdade é que já lhe deu duas vitórias em diretas.” “Nunca houve uma liderança tão unipessoal na história do partido”, atira.
Há cerca de um mês, Rui Rio afirmou: “Quando me picam, eu vou melhor. E eu estou picado.” O entusiasmo do momento, todavia, não sobreviveu. A estratégia agora é outra. Há dias, anunciou que não ia fazer campanha para as eleições diretas no PSD, alegando preferir focar-se em exclusivo na preparação de um programa eleitoral para as eleições legislativas. “Compete-me prioritariamente preparar o partido para as eleições nacionais e não para a disputa interna”, disse. (Não por acaso, dos apoiantes de Rio, nenhum ataca abertamente Rangel; optam antes por ignorá-lo.)
Em declarações à Renascença, Duarte Marques acusa Rio de “hipocrisia” e “desespero” devido a esta escolha. “Percebeu obviamente que já não tinha o apoio das estruturas. E está a subverter um conjunto de princípios que para ele eram sagrados, apenas pelo desespero de tentar inverter um resultado eleitoral que se avizinha muito complicado. E isso é que é surpreendente em Rui Rio, porque das suas convicções, da nobreza de carácter, nós nunca duvidamos. Estamos a vê-lo trocar as suas convicções por um punhado de votos e isso é que é estranho”, atira.
Há cerca de dois meses, o PSD perdeu as autárquicas - no que toca ao número de câmaras conquistadas -, mas, no campo narrativo, parece ter ganho um trunfo, um totem de mudança com a conquista de Lisboa por Carlos Moedas.
Para Duarte Marques, a vitória na capital é prova que “o problema não estava no PSD, estava na liderança, estava na cara que as pessoas veem na rua”. “Carlos Moedas veio mostrar que as pessoas estavam dispostas a trocar o PS, mas queriam trocar por outras pessoas. E votaram em Novos Tempos, votaram em Carlos Moedas. Eu acredito que o mesmo se possa passar no país”, diz.
Segundo o social-democrata, os portugueses estão “fartos da geringonça” e querem “um projeto novo, um conjunto de prioridades diferentes”. Mas quando olham para Rui Rio não veem “uma alternativa em que confiem”.
Duarte Pacheco partilha a opinião critica de Duarte Marques sobre o Governo de António Costa. “Esgotou-se a maioria de esquerda.” E evoca também o fator Moedas, mas para as eleições legislativas de 30 de janeiro. “Acho que as pessoas vão querer, como se viu em Lisboa, aproveitar para dar uma oportunidade a outros. Estou convicto que se for esse sentimento de mudança, o PSD pode encarnar essa responsabilidade”, afirma.
Antes de qualquer mudança nacional, todavia, os militantes social-democratas vão ter de ponderar a questão: qual dos dois candidatos a líder do PSD tem melhores hipóteses de derrotar António Costa na ida às urnas? Qual dos dois tem o melhor uppercut?
De acordo com José Silvano, “as qualidades” de Rangel “não estão em causa”. Mas, “conforme o tempo que falta”, a “exigência de ser candidato a primeiro-ministro”, Rio está melhor posicionado.
Para justificar este argumento, o secretário-geral do PSD lembra um inquérito da Universidade Católica para a RTP, publicado na semana passada, que indica que 45% dos portugueses acredita que Rio tem potencial para ser primeiro-ministro, enquanto apenas 29% consegue ver Rangel na mesma posição. “Não quer dizer que isto corresponda à vontade dos militantes, mas acho que os portugueses também influenciam a vontade final dos militantes”, sublinha Silvano.
O inquérito da Universidade Católica aponta precisamente uma disforia entre os eleitores que se identificam com o PSD e os portugueses em geral: dos social-democratas, 48% prefere Rangel e 40% estão com Rio, o que torna a decisão de dia 27 ainda mais espinhosa.
Nas palavras de Pedro Duarte, as diretas serão “uma disputa entre uma política antiga e uma política moderna”.
Na teoria, Rui Rio tem o calendário do seu lado; está numa posição mais favorável para o embate com António Costa. Para o bem e para o mal, os portugueses já o conhecem. Mas caso ganhe Rangel, o eurodeputado terá então de pôr o pé no acelerador: em dois meses unir o partido e definir uma agenda nacional. Mal terá tempo para tirar as mãos das luvas, antes de voltar a entrar no ringue.
Mesmo assim, José Matos Rosa acredita que com “uma liderança forte e credível” 60 dias será mais do que tempo suficiente. “Os órgãos do partido, aqueles que lá trabalham, são do partido e não de pessoas. Portanto, será fácil preparar um bom programa eleitoral”, diz.
Duarte Marques tem a mesma expectativa. “Para unir, é preciso que as pessoas queiram ser unidas. E é preciso que o líder queira de facto unir. Não fazer só de conta. Trabalho com o Paulo Rangel há mais de 10 anos, sei bem a forma que ele tem de estar na política”, diz.
O deputado social-democrata sublinha que “união não é uma unicidade” e defende que Rangel vê com naturalidade e respeita pessoas que “discordam” dele.
Mas uma atitude conciliadora de Rangel (ou Rio) bastará? Após as diretas, Duarte Pacheco admite ter medo que fiquem feridas abertas no PSD. “Espero que se consiga unir, mas tenho medo que não. Porque ficam sempre feridas. As pessoas acabam, mesmo que sem querer, por dizer alguma coisa a mais do que deveriam. As pessoas que rodeiam os candidatos dizem isto e aquilo que por vezes não é fácil esquecer”, afirma.
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