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Estudo. Limitação de mandatos nas autarquias travou gastos em ano de eleições

30 mai, 2017 - 07:45 • José Pedro Frazão

Os investigadores concluíram que a lei que impede mais de três mandatos resultou numa renovação considerável dos autarcas e até ajudou a travar os níveis de abstenção.

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A renovação dos protagonistas autárquicos foi boa para os cofres desses municípios em ano eleitoral. Esta é uma das conclusões do estudo sobre o impacto da limitação de mandatos nas finanças locais e na participação eleitoral, encomendado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos e que é apresentado, esta terça-feira, na Assembleia da República em Lisboa.

O estudo, coordenado por Francisco e Linda Veiga, da Universidade do Minho, observou os impactos da Lei n.º 46/2005, de 29 de Agosto, que impôs limites à renovação sucessiva de mandatos dos presidentes dos órgãos executivos das autarquias locais, sujeitos agora a um limite de eleição para três mandatos consecutivos. Nas autárquicas de 2009, todos os autarcas que estavam a cumprir pelo menos o terceiro mandato à data da entrada em vigor da Lei, em 1 de Janeiro de 2006, puderam ainda recandidatar‐se. Em 2013, data das primeiras eleições afectadas pela aplicação total deste princípio legal, 160 presidentes de câmara e 884 presidentes de junta viram-se impedidos de se recandidatar.

Segundo o estudo, esta lei além de ter ajudado a renovar a imagem do poder local, também ajudou a combater os níveis de abstenção.

Os “anos de eleições” que não o foram tanto assim

Os investigadores concluíram que os municípios com presidentes de câmara impedidos de se recandidatar tendem a registar totais de despesa e de receita menores por habitante face aos municípios presididos por autarcas reelegíveis. Ou seja, na definição dos autores, quem já não se recandidata ou aposta na corrida a um concelho vizinho é menos “eleitoralista” em anos em que há autárquicas.

“Uma análise mais detalhada indica que tal se deve sobretudo a menos despesas de capital e menor captação de receitas de transferências de capital não resultantes da Participação nos Impostos do Estado (PIE). Ou seja, menor captação de receitas de transferências condicionadas, do Estado ou da União Europeia”, pode ler-se neste estudo patrocinado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos.

Os vice-presidentes gastadores

O estudo concluiu ainda que os gastos em anos de eleições aumentaram nas autarquias em que houve uma saída a meio do mandato de um autarca impedido de se recandidatar para dar lugar a um vice-presidente que se apresentava às urnas. Em 2013, estas autarquias revelaram uma maior redução da receita fiscal, compensada por um maior aumento nos passivos financeiros, quando comparados com outros municípios presididos por autarcas impedidos de se recandidatar.

“ Este grau de gestão eleitoralista das finanças locais, mais semelhante ao comportamento de autarcas reelegíveis, pode ter resultado dos esforços dos vice‐presidentes que substituíram os presidentes demissionários, a maioria dos quais tendo‐se candidatado à presidência da câmara em 2013. Com menos tempo no poder e sendo menos conhecidos pelo eleitorado, estes dirigentes poderão ter sentido maior necessidade de sinalizar a sua competência”, concluem os autores do estudo, Francisco Veiga e Linda Veiga.

Autarcas mais novos e com “canudos”

O estudo assinala ainda que a renovação dos presidentes de câmara municipal levou a uma natural redução na idade média dos autarcas, a que se junta um aumento na percentagem de autarcas com curso superior. Em 2013, registou-se ainda um aumento na percentagem de presidentes oriundos de profissões intelectuais e científicas e uma descida em percentagem dos autarcas nascidos no município a que presidem.

Eleições “mais competitivas” não significam mais votos

A participação eleitoral nas autárquicas caiu de 2009 para 2013. No entanto, os autores decidiram analisar médias separadas para os municípios e freguesias com presidentes afectados, ou não, pela limitação de mandatos. Francisco Veiga e Linda Veiga constataram que a redução na participação eleitoral foi menor no grupo de municípios e, sobretudo, no grupo de freguesias com presidentes impedidos de se recandidatar.

“No entanto, esses efeitos são relativamente modestos, situando‐se ambos em cerca de um ponto percentual. Ou seja, em freguesias que tiveram um presidente de junta impedido de se recandidatar e que pertenciam a um município com um presidente de câmara também afectado pela limitação de mandatos, a participação eleitoral foi, em média, dois pontos percentuais superior à das freguesias em que tanto o presidente de câmara como o da junta de freguesia eram reelegíveis, mas esse efeito não chegou para anular a tendência recente de aumento da abstenção nas eleições autárquicas — ainda que tenha minorado a mesma nos municípios e freguesias com presidentes impedidos de se recandidatar”, pode ler-se nas conclusões deste estudo.

Os investigadores consideram que mesmo com eleições “mais competitivas”, tendencialmente mais expostas a cobertura mediática e sem o debate marcado pela presença dos chamados “dinossauros” do poder local, “muitos eleitores poderão ter‐se visto impedidos de votar no seu candidato preferido, o que desencoraja a participação” num quadro de aumento do número de candidatos pouco conhecidos.

A prova do eleitoralismo

O investigadores analisaram o saldo orçamental na gestão feita por presidentes com experiência e sem limitação para concorrer às eleições seguintes, concluindo que em anos eleitorais despesa aumenta 9,9% acima do crescimento médio da receita em torno dos 3,1%, excluindo passivos financeiros. Subiram os gastos com pessoal (mais 10,1%) as despesas de investimento (mais 14,5%) face a anos não eleitorais, diminuindo receitas fiscais em 7,1%.

Pormenor importante, esta quebra de impostos cobrados é compensada por dinheiros transferido pelo Estado em anos eleitorais (mais 9,6% que em anos não eleitorais), à margem das transferências das participações dos municipais nos impostos do Estado.

Os autarcas em primeiro mandato também sobem a despesa total em anos eleitorais (mais 6,1%) mas não tanto quanto os seus colegas mais experientes.

Os números mais evidentes da relação entre limitação de mandatos e corte nos gastos em anos de eleições são os que analisam a gestão dos presidentes de câmara que já não se podem recandidatar.

Em ano de eleições, cortam as despesas com pessoal em 4,3%, recebem menos transferências do Estado, excluindo Impostos (menos 15,1%), não aumentam a despesa de investimento nem reduzem as receitas fiscais no ano de eleições autárquicas. Tendem a gastar, em média, menos 11,8% em despesas de capital, sobretudo investimento, do que os autarcas que podem ser reeleitos. Os números indiciam um menor esforço dos autarcas que "saem de cena" para obter transferências do Estado ou da União Europeia.

Caloiros autárquicos gastam mais quando chegam

O estudo analisou ainda os gastos dos municípios com presidentes de câmara que estão a cumprir o primeiro ou segundo mandato. Essas câmaras apresentam um saldo orçamental inferior em cerca de 19 euros por habitante quando comparados com os municípios dos presidentes de câmara mais experientes.

"Estes resultados indiciam que menor experiência no cargo poderá estar associada a piores resultados no que toca às finanças locais", sustentam os investigadores da Universidade do Minho." Os presidentes de câmara menos experientes tendem a registar, em média, despesas com pessoal 1,3% superiores às dos mais experientes. A explicação para este resultado poderá residir no facto de presidentes recém‐chegados empregarem relativamente mais pessoal com o objectivo de implementar as políticas definidas pelo novo executivo camarário, e de se rodearem de pessoal da sua confiança, num contexto em que é muito difícil dispensar funcionários públicos", pode ler-se no estudo agora publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos.

Mais desemprego igual a menor abstenção

O estudo inclui ainda algumas conclusões já verificadas em estudos anteriores. As taxas de desemprego mais elevadas parecem mobilizar os eleitores "eventualmente por estes desejarem expressar o seu desagrado relativamente ao desempenho económico no seu município", pode ler-se no documento.

A participação eleitoral é menor em municípios mais populosos "onde a probabilidade de um voto ser decisivo é menor, e nos que registam maior crescimento, ou instabilidade, populacional".

Outros factores ligados a menor participação eleitoral são as "maiores margens de vitória em eleições anteriores e semelhança partidária entre o presidente da câmara municipal e o primeiro‐ministro".

Maior competitividade

Não há ainda números que o comprovem, mas os autores admitem que o crescimento da participação eleitoral associado à limitação de mandatos pode resultar de um aumento na competição eleitoral nestes municípios.

"A inexistência de um candidato que está na presidência da câmara coloca todos os candidatos em maior igualdade de circunstâncias. Antes da introdução da limitação de mandatos, em média, 83% dos presidentes de câmara recandidatavam‐se e 86% dos mesmos eram reeleitos, o que sugere que a presidência da câmara dá uma vantagem na corrida eleitoral. Nos municípios afectados pela limitação de mandatos, os novos candidatos não tiveram ainda a oportunidade de mostrar a sua competência ao eleitorado. Adicionalmente, o facto de o presidente de câmara ser candidato e, em muitos casos, há já vários mandatos, pode desmobilizar o eleitorado que vê a eleição como uma mera formalidade para a reeleição do presidente", argumentam Francisco e Linda Veiga, da Universidade do Minho.

Uma dança de cadeiras

Os 41 presidentes eleitos em 2013 não vão poder recandidatar-se nas autárquicas deste ano. Mas nem todos os autarcas saem efectivamente "de cena", dado que dos 160 presidentes obrigados a sair do poder em 2013, 75 concorreram à presidência da assembleia municipal nessas mesmas eleições. Destes, 7 autarcas demitiram-se mesmo antes do final do mandato. Registaram-se 21 demissões entre presidentes, na maioria dos casos para " dar palco" ao vice‐presidente que, na maior parte dos casos, se candidatou à presidência da câmara em 2013. Há ainda um lote de 10 autarcas que concorreram à presidência de outra câmara municipal. Resumindo, apenas 61 líderes autárquicos cumpriram o mandato e abandonaram a vida autárquica.

Limitação é boa, mas também "antidemocrática"

Os autores decidiram ainda auscultar actuais e ex-autarcas para recolher opiniões e percepções de indivíduos que foram ou poderão vir a ser directamente afectados pela lei da limitação de mandatos.

Da amostra de 20 respostas, correspondente a 10% do universo de autarcas contactados, fica uma maioria expressiva de testemunhos (16) a favor da lei de limitação de mandatos, sobretudo em nome de uma renovação da própria figura do presidente de câmara, mais do que uma renovação completa do poder local que só se conseguiria com a extensão da medida aos cargos de vereador e presidente da assembleia municipal.

No entanto, os autarcas inquiridos não deixaram de assinalar que a limitação de mandatos "assenta na desconfiança sobre a capacidade das populações para escolher quem deve dirigir os assuntos da comunidade. A limitação, impedindo a continuidade de quem a população deseja, é, nesta perspectiva, antidemocrática.”

Quatro limitações de uma possível conclusão

Os autores do estudo reconhecem que há quatro razões para sustentar que é cedo para concluir em definitivo pelos benefícios da limitação de mandatos nas autarquias.

Em primeiro lugar, o estudo abarca uma única eleição em que a Lei produziu efeitos e, em segundo lugar, não existem “ indicadores objectivos da competência dos autarcas” para comparar os presidentes impedidos de se recandidatar e os que os substituíram,

Os investigadores lembram ainda que a limitação de mandatos “poderá ter afectado outras vertentes da gestão autárquica e do comportamento dos eleitores” que não foram analisadas neste estudo.

Também a entrada em vigor da Lei dos Compromissos, de 2012, e do Regime Financeiro das Autarquias em 2013 pode ter travado algum “eleitoralismo” na gestão das finanças locais no período estudado.

Comentários
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  • CAR
    30 mai, 2017 PORTO 09:42
    Apliquem a lei à AR
  • Carlos alberto batisrelvao
    30 mai, 2017 Coimbra 08:19
    Gosto da renascenca ha longos anos ha 52 anos

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