22 nov, 2023 - 06:30 • Liliana Monteiro
O presidente da Associação Sindical de Juízes (ASJP), Manuel Ramos Soares, considera que existe "uma precipitada febre de caça ao Ministério Público".
Em silêncio desde 7 de novembro, altura em que o país ficou a conhecer o Caso Influencer e assistiu à demissão do primeiro-ministro, Manuel Ramos Soares aborda agora o caso em declarações à Renascença.
“Acho muito precipitado termos certezas absolutas sobre o que está a acontecer. Há uma precipitada a febre de caça ao Ministério Público quando, ao que parece, o caso está numa fase inicial e numa altura em que o MP se limitou a levar ao juiz de instrução indícios para detenções e medidas coação. Não há ainda qualquer juízo de um tribunal sobre a globalidade dos indícios e se se justifica, ou não, que o caso vá a julgamento."
Ramos Soares considera “francamente incompreensível” dizer-se que o Ministério Público não pode abrir uma investigação ao primeiro-ministro sem ter a certeza absoluta de que o responsável politico vai ser condenado.
“O Ministério Público não pode dizer 'não vou investigar porque é o primeiro-ministro e eu não quero que exista uma crise política'. Se o Ministério Público fizer isso, além de não estar a cumprir o seu dever, o magistrado em causa pode estar a cometer crime de negação de justiça. O Ministério Público, quando abre este inquérito, não tem condições nenhumas para saber o que vai encontrar e se vai chegar ao fim com factos para acusar ou arquivar”, aponta o magistrado.
Está aberta a caça ao erro e anda muita gente de gatas com uma lupa a olhar para as folhas do processo
"Se não houvesse escutas, não havia condenações por corrupção ou crimes conexos . Não vale a pena estar a achar que é possível fazer investigação criminal, em criminalidade que muitas vezes não deixa rasto documental, sem fazer escutas”, sublinha o presidente da ASJP, acrescentando que se trata de um meio lícito de prova.
“Não estou preocupado. Os cidadãos devem olhar isto com tranquilidade, ninguém vai escutar se não houver suspeita grave e se a escuta não for validade por um juiz. Podemos usar o telefone à vontade que ninguém nos escuta”, explica.
Sobre as criticas apontadas pelas defesas dos arguidos relativamente a erros nas transcrições de escutas, Manuel Ramos Soares diz que um processo não se resume a três erros de escrita. "Acho que há coisas bem mais importantes no processo do que isso”, argumenta.
"Está aberta a caça ao erro e anda muita gente de gatas, com uma lupa, a olhar para as folhas do processo, letra a letra , a ver se descobre um erro. Não acho que isso seja o principal do processo, até porque a lei tem mecanismos que permitem corrigir erros materiais. Houve erro numa portaria, na transcrição de uma escuta? Se alguém achar que os erros são intencionais, então que apresente queixa e o magistrado tem de ser severamente punido, se assim for. Se é erro material, que decorre do trabalho e de se manusear milhares de paginas, pois ele é corrigido."
O presidente da ASJP aceita que este processo tenha gerado sobressalto na comunidade civil e política e que, daí ,advenham criticas. No entanto, alerta que isso não pode servir para travar a ação do titular das investigações. Ramos Soares lamenta que as críticas sejam muitas e que se faça a apologia de mudança no Ministério Público sem pouco sustento e sem concretização de medidas.
“Querem criar mecanismos que obriguem o MP a ficar sujeito a directivas do pode político quando se quer investigar alguém ? Se for isso, não pode ser e todos concordamos. Se a PGR tiver de pedir autorização ao primeiro-ministro ou ao Ministério da Justiça para investigar um ministro do Governo, está bom de ver que isso nunca acontecerá. Agora, se estamos a falar de alterações para mais eficiência, rapidez e confiança, então venham lá as propostas e vamos discuti-las”, afirma.
"Será que o caminho passa por um MP que não é autónomo, que nunca mais incomoda ninguém? ”, questiona.
A PGR fez o que podia e devia ter feito
Manuel Ramos Soares estranha que a Policia Judiciária tenha ficado de fora da investigação ao processo Influencer.
“A PJ tem um departamento especifico para criminalidade económico financeira com muita experiência. O normal é o MP ser coadjuvado pela PJ. Não sei porquê, mas gostava de perceber, porque era importante. Quem tomou a decisão de recorrer a outro órgão de policia criminal para o inquérito pode dizer porque o fez. Acho que o cidadão que paga impostos para uma PJ apetrechada e competente precisa de saber se há algum problema e, se há, é preciso corrigi-lo”, argumenta.
Manuel Ramos Soares não se coloca ao lado daqueles que defendem que o Ministério Público deve explicações sobre o processo à opinião pública e ao primeiro-ministro. No entanto, concorda com a deslocação de Lucília Gago a Belém, quando foi chamada por Marcelo Rebelo de Sousa.
“A procuradora tem de explicar tudo para se saber se o primeiro-ministro se devia ter demitido ou esperava mais um bocadinho? Pode numa investigação em curso fazer um comunicado a dizer 'até agora o que se apurou foi isto'. Houve conversa em que o primeiro-ministro disse isto, havia este papel nas busca. Isso não faz sentido nenhum”, critica, sublinhado que a PGR fez o que podia e devia ter feito: "Informar a opinião publica e o primeiro-ministro de que havia uma investigação em curso."
O magistrado que preside à ASJP acrescenta que não vê qualquer problema no facto de a procurador-geral ido ao Palácio de Belém. " Se foi informar o Presidente sobre o que estava no comunicado, não só podia como, a meu ver, fez muito bem . Pode perfeitamente informar no âmbito da cooperação institucional entre órgãos de soberania e não violar dever nenhum, sem dizer o que está em causa, diligências, etc...”
"Imagine que a PGR não tinha posto o parágrafo no comunicado a dizer que havia uma investigação ao primeiro-ministro. O Ministério Público ia continuar a investigar e não ia faltar muito até se saber que isso estava a acontecer. A partir do momento em que os advogados consultassem o processo, bastava ver que se tinha mandado extrair certidão para o Supremo Tribunal de Justiça para se perceber que o primeiro-ministro estava a ser investigado e, depois, vinha-se a saber e as mesmas pessoas que hoje criticam o parágrafo iam dizer que a PGR estava a omitir uma informação relevante para proteger o primeiro-ministro ."
Foi com estranheza que Manuel Ramos Soares teve conhecimento pela comunicação social da ausência do crime de ocultação de património relativamente ao chefe de gabinete da António Costa, Vítor Escária.
“Ter dinheiro escondido num cofre livro, etc, se for uma pessoa obrigada a fazer declaração de património, de rendimentos e de interesses, que exerce cargos públicos ou governativos, essa pessoa comete um crime: ocultação de património e a pena de prisão vai de um a cinco anos, não é coisa pouca”.
Ramos Soares recorda que foi a ASJP que promoveu a existência deste crime, que significa uma válvula de escape para os sistema de justiça, “um excelente instrumento para combate a corrupção e ,na altura, muita gente dizia que não servia para nada”.
O presidente da ASJP lembra que o arquivamento é um dos dois desfechos possíveis em qualquer investigação, significando isso que a Justiça fez o seu papel. Se não o fez, pode ser responsabilizada.
“Se se vier a verificar que não há factos para acusar, a pergunta é 'e agora vamos acabar com o MP?' E ficamos com o quê? Há mecanismos internos para responsabilizar os magistrados por via disciplinar e indemnizatória. O Estado pode ser condenado e exigir aos procuradores uma indemnização a alguém por um erro, coisa que a lei de responsabilidade civil do Estado não prevê para política, curiosamente”, remata.