Dia da Mulher. Portugal ainda tem um "mercado de trabalho extremamente segregado"

08 mar, 2023 - 18:20 • Marta Pedreira Mixão

Sandra Ribeiro, da CIG, defende que, “apesar de toda a importância” atribuída às questões de baixa natalidade, “as mulheres continuam a ser penalizadas no mercado de trabalho” por isso mesmo.

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Portugal ainda tem um "mercado de trabalho extremamente segregado" e as mulheres continuam a ser penalizadas devido à maternidade e ao trabalho doméstico, afirma a presidente da Comissão para a Igualdade e Cidadania (CIG), Sandra Ribeiro, em entrevista à Renascença.

Esta quarta-feira celebra-se o Dia Internacional da Mulher, data assinalada desde o início do século XX. A origem do Dia Internacional da Mulher tem como base um conjunto de acontecimentos, não apenas um, mas várias referências a 8 de março fizeram com que as Nações Unidas elegessem a data como Dia Internacional da Mulher.

Apesar de o movimento igualitário ter surgido há séculos, as desigualdades mantêm-se e, por mais que haja direitos garantidos pela legislação, em vários países os direitos mais básicos continuam a ser ignorados.

Sandra Ribeiro, contudo, afasta que haja uma “estagnação na luta pelos direitos das mulheres”.

“Creio que isso seria injusto de dizer. Obviamente, no passado, havia uma luta muito forte por direitos básicos e atualmente, naturalmente, já não é essa a luta que se faz. Mas creio que não podemos dizer que há uma estagnação. É claro que o progresso não é inevitável”, justifica.

A presidente da CIG defende, porém, a necessidade de se “estar sempre atento, porque por vezes, uma mudança governamental, uma crise, muitas vezes ideologias que se tornam mais fortes numas épocas face a outras podem efetivamente até delapidar conquistas que foram feitas no passado”.

Trabalho em casa e maternidade, o "calcanhar de Aquiles" da Igualdade no mercado laboral

De acordo com o novo relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que analisa dados globais, os desequilíbrios de género no acesso ao emprego e às condições de trabalho são maiores do que se pensava anteriormente e que os progressos na sua redução têm sido decepcionantemente lentos nas últimas duas décadas.

Segundo o relatório, as mulheres ainda enfrentam muito mais dificuldades para encontrar um emprego do que os homens e têm também maior representação em empregos considerados “vulneráveis”, como por exemplo os que são feitos em casa ou quando trabalham para familiares.

“[Em relação] ao mercado de trabalho, quando olhamos para os números, percebemos que não está a acontecer a evolução que pareceria fazer lógica quando olhamos para os dados, por exemplo, da educação, vemos que cada vez temos mais mulheres a terminarem o secundário, mais mulheres nos cursos superiores, mais mulheres doutoradas. Portanto, a maior parte da população licenciada em Portugal é hoje feminina”, explica Sandra Ribeiro, salientando que, apesar disto, “quando tentamos fazer a correspondência para o mercado de trabalho, percebemos que não há uma correspondência direta”.

“Percebemos que aí ainda continua a haver uma situação em que os homens, em média, têm um salário superior às mulheres. E aqui é preciso perceber não é salário igual para trabalho igual, não é normalmente uma situação de discriminação direta. É mais ao nível das discriminações indiretas”, acrescenta.

Para a presidente da CIG, isto está relacionado com “a segregação profissional” e Portugal ainda tem um “mercado de trabalho extremamente segregado”. A desigualdade, justifica Sandra Ribeiro, deve-se a uma discriminação indireta, já que os homens ocupam vários cargos associados a remunerações mais altas.

“Continuamos a ter uma grande maioria de homens das áreas das tecnologias, nas áreas das engenharias e agora fortemente da área digital. E as mulheres continuam muito nas áreas ligadas ao cuidado, na educação e a saúde, que são áreas que tradicionalmente têm salários em média mais baixos do que os setores masculinizados. E é daqui que vem uma grande diferença salarial.”

Além da diferença salarial, os homens continuam a ocupar mais “cargos de direção do que mulheres”.

“Apesar de todo o esforço, de todas as leis que temos e que exigem o equilíbrio no acesso a cargos de direção, nas empresas cotadas em bolsa e nas empresas públicas, a verdade é que, se formos ver, percebemos que há muito mais homens em cargos de direção do que mulheres”, afirma, Sandra Ribeiro, referindo que o trabalho em casa e a maternidade são “o calcanhar de Aquiles” da evolução da carreira e do salário das mulheres.

Para a presidente da CIG, isto deve-se a "algo que é muito tradicional na nossa sociedade", "que é as mulheres trabalharem muito mais em casa, fazem muito mais trabalho doméstico não pago, muito mais cuidado de ascendentes e descendentes do que os homens”.

Segundo refere, há uma diferença salarial e de evolução principalmente a partir dos 30/35 anos, sendo que, na maioria das sociedades, a idade da parentalidade sobrepõe-se à idade dos chamados trabalhadores em idade mais produtiva.

“Se virmos também as estatísticas, os jovens (rapazes e raparigas) entram [no mercado de trabalho] e têm basicamente os mesmos salários. A progressão na carreira nos primeiros tempos é basicamente equivalente, mas quando chega ali a fase dos 30/35 [anos], há de facto um decréscimo da parte das mulheres. E isto continua a estar ligado às questões da maternidade”, explica.

Sandra Ribeiro defende por isso que, “apesar de toda a importância” atribuída às questões de baixa natalidade, “as mulheres continuam a ser penalizadas no mercado de trabalho” por isso mesmo.

“Isto acontece porque ainda são, a maior parte das vezes, as mulheres que têm de faltar ao trabalho para cuidar dos filhos quando estão doentes e que levam as crianças para o trabalho em tempos de férias”, adita.

"Educar" é a chave para combater a desigualdade

Apesar de reconhecer a grande evolução nas últimas décadas em relação a este tema, Sandra Ribeiro sugere que a chave da mudança está na educação.

“Quando, por exemplo, às vezes se fala na partilha das tarefas e se utiliza muito o verbo ‘ajudar’, ‘eles agora ajudam mais em casa’, somos feridos de morte. Quer dizer, ainda não se dissolveu, não se incorporou esta ideia de igualdade, de que tanto os homens como as mulheres são ambos aptos a fazerem o trabalho doméstico”.

Para a presidente da CIG é necessário “conseguir mais do que temos feito até agora” e “educar o ambiente escolar” de uma forma holística, para se conseguir “chegar mais às famílias e, naturalmente, também aos alunos e alunas”.

“Diria que, na maioria das vezes, de uma forma muito inconsciente até, é a própria educadora ou educadoras que têm tem a lógica das brincadeiras de rapazes, de brincadeiras de raparigas. A própria lógica do cor-de-rosa e azul. Tudo isso vai nos convencendo, logo de muito pequenos, de que há de facto uma tarefa para rapazes e uma tarefa para raparigas e papéis de rapazes e papeis de raparigas. É aqui que me parece que nós temos de atuar o mais cedo possível”, elucida.

É preciso uma "convicção nacional de que a violência doméstica tem tolerância zero"

Quando falamos de desigualdade, esta não fica só pelo mercado laboral. As mulheres estão também mais vulneráveis à violência. E a degradação das condições de vida também acabam por promover o agravamento da violência sobre as mulheres. Segundo dados da CIG, em 22 verificaram-se 28 vítimas mortais no contexto de violência doméstica, 24 das quais eram mulheres e quatro crianças.

Sandra Ribeiro recorda que a violência doméstica não é mais do que também “uma consequência da desigualdade de género da nossa sociedade” e da “lógica de que dos homens se espera um certo comportamento e das mulheres outro”.

“É [isso] que faz com que os próprios homens, muitas vezes também possam ser vítimas desta, desta masculinidade que se espera que tenham, destas representações de papéis”, esclarece, exemplificando com casos em que os homens não aceitam a separação.

“A maior parte das situações de violência doméstica radica nesta lógica de que a mulher deixou de estar sob o domínio do homem e o homem não aceita isso ou tem vergonha do que é que os outros possam dizer”, acrescenta.

A violência doméstica é o crime mais denunciado e o que mais mata em Portugal, uma revelação feita pela Polícia de Segurança Pública.

Para a combater, a presidente da CIG defende que a chave é a mesma: “a educação é fundamental”, mas salvaguarda que, neste caso, não chega.

“Não podemos pensar que são só pessoas próximas e que é nas gerações mais pequenas que está a solução, porque não podemos continuar a ter este número de mulheres mortas por homens por ano”, afirma.

“Aquilo que nós precisamos mesmo é de conseguir agrupar toda a sociedade num grande pacto social contra a violência doméstica, em que não haja a mínima possibilidade de tolerância, em que não se tentem encontrar subterfúgios ou justificações e em que efetivamente esta matéria, por exemplo, nas escolas, possa ser falada de forma aberta. É fundamental que se aprenda a educar e que se eduque contra a violência doméstica, que se fale do assunto para que os jovens percebam que não é normal a violência”, detalha.

Além da educação para a tolerância zero em relação à violência doméstica, Sandra Ribeiro defende a necessidade de ter coragem para ajudar as vítimas e de denunciar, relembrando que se trata de um crime público.

“Aquela história do entre marido e mulher nos mete a colher, isto é passado, enterradíssimo. Nós devemos mesmo meter a colher entre todas as pessoas quando suspeitamos que possa haver uma situação de violência. Acho que isso é o mais importante, criar esta convicção nacional de que a violência doméstica tem tolerância, absolutamente, zero”, conclui.

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