Greve nas escolas

"Engolidos" pelo salário mínimo. Assistentes operacionais recorrem a segundo emprego para pagar contas

01 fev, 2023 - 16:30 • Liliana Carona

Os assistentes operacionais com 25 anos de serviço continuam a ganhar o mesmo quando entraram ao serviço: o salário mínimo nacional (SMN). A subida na carreira por pontos acaba por não se verificar, no recibo, perante os aumentos do SMN. E com a alteração das tabelas salariais, um trabalhador que entre agora na carreira vai ganhar tanto como o que está a trabalhar há 25 anos.

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Assistentes operacionais revoltados - Reportagem de Liliana Carona
“Recebo mais cinco euros em 25 anos", diz Judite Gonçalves. Ouça aqui a reportagem de Liliana Carona

Rui Luciano, de 52 anos, é assistente operacional desde 1998 e diz receber o ordenado mínimo nacional, como há 25 anos, quando entrou na Escola de S. Domingos, na Covilhã, pela primeira vez.

“Ao longo destes anos a nossa carreira não tem o justo valor, somos tão pequeninos que não há força e nunca houve ninguém capaz de nos valorizar, fruto da má gestão da função pública. Chegamos ao fim de 25 anos a ganhar o mesmo que no início da carreira, o ordenado mínimo nacional. Com o método que é aplicado, acabamos sempre engolidos pelo índice do ordenado mínimo nacional”, denuncia o assistente operacional, em altura de greve nas escolas.

Rui Luciano explica, por outras palavras, que não existe diferenciação. “Subimos na carreira por pontuação. Eu ganhava 709 euros no ano passado e agora, com a subida do ordenado mínimo nacional, somos novamente engolidos. Eu perdi os pontos que tinha para trás, sou engolido, porque o ordenado sobe e tenho de começar pela estaca zero. A diferenciação nunca existe. Eu que estou aqui há 25 anos, ganho o mesmo que um funcionário que entrar agora”, revela, apontando que algumas posições remuneratórias da carreira desapareceram.

Com os filhos em idade escolar e a ambição de entrarem no ensino superior, o assistente operacional nem quer pensar no futuro.

“Somos tão pequeninos e ganhamos tão pouco que nós nem conseguimos faltar a um dia de greve, porque nos faz falta. Temos as rendas, a luz, a água, os filhos”, descreve Rui Luciano.

O funcionário escolar tem outra preocupação em mente: “Não sei como o meu filho entrará para o ano para a faculdade. Enquanto uns põem carne e peixe, outros põem pão e água. Tem de ser muito bem gerido. Eu só irei pensar na hora em que o meu filho tiver de ir estudar. Cada dia será uma luta”, sublinha, lamentando que “nunca houve um sindicato que representasse a classe como deve ser”.

Depois da escola, um "part-time para pagar as contas ao final do mês"

O mesmo receio sobre o futuro sente Judite Gonçalves, de 58 anos, assistente operacional no Agrupamento de Escolas do Fundão.

“Recebo mais cinco euros em 25 anos, a progressão foi essa. Não é justo se eu estou num escalão e sobe o ordenado mínimo nacional, o meu escalão também tinha de subir e não é assim que se processa. Uma frustração enorme, neste tempo todo não ganhamos nada, ficámos congelados em 2008, 2009”.

Judite Gonçalves assume outro motivo de descontentamento. “Chegamos a esta idade e pensamos na aposentação daqui a uns anos, fiz a simulação, e vou levar para casa 500 e poucos euros e isso cria ansiedade, como é que daqui a uns anos me vou sustentar?”, questiona.

Foi “uma vida inteira a trabalhar” e o resultado “é frustrante e vergonhoso”, lamenta. “Aquela gente que vai ser deputado, tem logo benefícios por ter trabalhado ali, e nós uma vida toda e vamos levar 500 e poucos euros, é assustador”, afirma.


Até há pouco tempo, a assistente operacional do Fundão mantinha dois trabalhos. “Eu tinha um segundo trabalho, a maioria de nós tem. Quase todos os assistentes operacionais têm uma segunda profissão, em part-time, para pagar as contas ao final do mês. Eu trabalhava numa loja de roupa, mas acabou na pandemia. O ordenado é tão baixo que as pessoas têm de ter uma alternativa”, ressalva.

Judite Gonçalves deixa um lamento: “dentro da escola há várias classes, parece que estamos na Idade Média, há a nobreza, o clero e nós somos o povo”.

O STOP, sindicato criado a 15 de fevereiro de 2018, criou novos estatutos a 15 de janeiro de 2022, passando a ser o Sindicato de Todos os Profissionais da Educação. Tem atualmente 2.000 sócios.

Cristina Domingues, professora de Inglês, tem 48 anos de idade e 25 anos de serviço. Trabalha no Agrupamento de Escolas a Lã e a Neve, na Covilhã, e é dirigente nacional do STOP.

Quer dar voz ao pessoal não docente. “Estamos muito preocupados com a situação dos não docentes. Ao longo dos anos têm sido extremamente desconsiderados, passaram para a alçada dos municípios, sem que eles tenham sido chamados para qualquer negociação ou defesa dos seus interesses”, afirma a sindicalista.

Cristina Domingues considera que a situação dos assistentes operacionais “é dramática: recebem o salário mínimo nacional, desempenham diversas funções no apoio direto aos alunos, de elevada responsabilidade (desde limpeza à vigilância, tudo o que engloba os trabalhos que não são associados aos docentes, bar, papelaria, reprografia, manutenção, jardinagem, limpeza)”, conclui.

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