​“Não há apoios adaptados à nossa realidade”. Marcelo ouve pastores afetados pelos fogos

26 dez, 2022 - 23:01 • Liliana Carona

"Nós continuamos a precisar de apoios, perdemos todas as pastagens, soutos, colmeias, ficámos sem vedações, estou aqui presa”, denuncia a pastora Ana Matos.

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Marcelo visita áreas ardidas na Serra da Estrela - Reportagem de Liliana Carona
Reportagem de Liliana Carona

Marcelo Rebelo de Sousa visitou esta segunda-feira alguns dos territórios atingidos pelos incêndios do verão na região da Serra da Estrela. Em Folgosinho, o Presidente da República conversou com as corporações de bombeiros locais e teve ainda tempo para escutar os lamentos dos pastores que continuam a aguardar por apoios.

No final do verão passado a Associação dos Baldios de Folgosinho avaliou em cerca de três milhões de euros os prejuízos do incêndio. As marcas ainda estão visíveis e Adelino Gouveia, 62 anos, espera ansioso para ver o Presidente da República.

“Gostava de pedir mais ajudas, para Folgosinho voltar a ter castanheiros. Eu acho que se dessem uma ajuda era bom”, conta, admitindo “estar à espera há muito”.

“Disseram que era às 15h00 e já passa das 17h00 e nada”, lamenta o também produtor de castanheiros e construtor civil. “Ardeu tudo e não há castanhas em Folgosinho”, garante Adelino.

“Os apoios? Uma trapalhada”

No centro da povoação ainda arde o madeiro de Natal, onde dois pastores conseguem contar ao Presidente da República, como estão a ser difíceis os dias.

Ana Matos, 31 anos, pastora e bióloga, há três anos deixou Mafra para investir na pastorícia, hoje com 50 ovelhas.

“Houve apoio para alimentação das ovelhas, uma coisa muito pequena, depois houve apoio para potencial produtivo, mas que não se enquadra na nossa realidade, não dava para meter a perda de pastagens. Nós continuamos a precisar de apoios, perdemos todas as pastagens, soutos, colmeias, ficámos sem vedações, estou aqui presa”, denuncia a pastora, apontando o dedo ao excesso de burocracia.

“Muita burocracia, valores tabelados, e com faturas, as sementes não são elegíveis, uma trapalhada, nenhum dos meus vizinhos teve apoios, só coisas pequeninas. O principal é a falta de alimento, agora tenho de andar à chuva. São prejuízos incalculáveis. A ajuda que recebi foi na altura dos incêndios com comida”, explica Ana Matos, recordando o trauma dos incêndios.

“Víamos a coluna de fumo sempre a vir na nossa direção, o fogo ganhou muita força, deixámos as ovelhas debaixo de um aspersor de água. Tivemos durante duas semanas a apagar reacendimentos e ardeu tudo até às portas de casa. Não há apoios adaptados à nossa realidade, que a gente possa aproveitar. Ardeu tudo. temos de trabalhar para tornar a quinta resiliente aos fogos”, pondera. Marcelo Rebelo de Sousa, questiona: “Valeu a pena essa mudança de vida?”.

“Valeu, mas não está a ser muito fácil”, admite Ana Matos, que é também queijeira. Foi no ano letivo de 2019/2020 que Ana Matos deu o primeiro passo para a vida de pastora, quando se inscreveu na Escola de Pastores, um projeto financiado por fundos comunitários, para a valorização da fileira do queijo da Região Centro. “No final, recebi um cheque no valor de cinco mil euros, que me ajudou a dar os primeiros passos na pastorícia”, relembra.

O pastor José Pita, 29 anos, partilhou os mesmos lamentos. “Foi tudo muito rápido e ardeu-me uma casa”, relata.

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa ouviu os queixumes, repetindo uma palavra. “Prevenir, prevenir, prevenir. Ir em frente e ir aprendendo com as lições do passado”, concluiu o chefe de Estado.

“Onde já não há certos serviços públicos, há bombeiros”

Ainda antes do contacto com os pastores de Folgosinho, Marcelo Rebelo de Sousa, teve ainda tempo para agradecer aos bombeiros.

“Sacrificando as famílias em qualquer dia do ano, qualquer hora, estais permanentemente mobilizados e isso não tem preço. Fala-se sobretudo em vós no verão, mas todos os dias é preciso fazer um transporte, ajudar alguém. Lá estais vós, permanentemente. O que seriam essas terras sem vós? Um esteio de cada uma das terras de Portugal, são os seus bombeiros, onde já não há certos serviços públicos, há bombeiros, fazem parte da identidade das terras”, defendeu o Presidente da República.

Marcelo Rebelo de Sousa sublinhou que ser bombeiro é muito mais que uma profissão. “A vossa missão não é uma profissão, é um voluntariado, se for preciso dar a vida, dais a vida. Tal como os nossos soldados representam Portugal, normalmente o povo diz soldados da paz, porque em teoria está-se em paz, mas o combate num incêndio não é menos feroz. É um inimigo tão perigoso ou mais perigoso do que um inimigo numa guerra”, realçou.

Já noite, Marcelo Rebelo de Sousa seguiu em passo apressado num dia cheio, com a agenda apertada. Alguns pastores só viram o presidente ao longe e outros nem sabiam da sua presença. Neste périplo, Marcelo Rebelo de Sousa esteve acompanhado pelo ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro, passando ainda pela Covilhã, Manteigas, Seia, Linhares, Celorico da Beira e Guarda.

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