21 set, 2022 - 11:00 • Liliana Carona
Depois de um verão em que voltámos aos grandes incêndios e, durante o
qual, o maior destruiu um quarto do parque natural da Serra da Estrela,
hoje
um painel de 30 peritos reúne-se pela primeira vez com o ministro da Administração Interna para avaliar o que correu mal.
Este é o pior ano, desde 2017, com 110 mil hectares destruídos
pelo fogo. Na linha da frente, estão os postos de vigia que identificam os primeiros sinais de fogos e, só na zona da guarda
detetaram a maioria dos incêndios que ali se registaram este verão, o
problema é que cada vez há menos interessados em ocupar estes postos.
No comando territorial da GNR da Guarda há 17 Postos de Vigia e, em cada um deles, existem quatro operadores de vigilância, que se revezam por um período de 8 horas. São 68 elementos, 40% são mulheres. Mas o número de candidatos a querer desempenhar esta atividade sazonal tem diminuído.
Este ano, a nível nacional, ficaram a faltar 16 operadores de vigilância. A Rede Nacional de Postos de Vigia (RNPV) passou para a alçada da GNR em 2006, transitando da antiga Direção Geral dos Recursos Florestais e cobre atualmente cinco milhões de hectares, totalizando 72% do território nacional vigiado, com 230 postos e 920 elementos, desde 7 de maio até 6 de novembro.
António Caetano, 62 anos, vai entrar às 8h da manhã. Pega nos binóculos e olha em todas as direções da alta torre do posto de vigia de S. Matias, em Aguiar da Beira.
“Temos o rádio para fazer as comunicações, temos a mesa com os graus, e depois, quando vemos uma coluna de fumo, temos de comunicar o grau. E se soubermos localizar a terra, é mais fácil e enviam os meios mais rápido”, esclarece, mostrando os apontamentos que segura na mão.
“Aí não vai perceber nada, é uma escrita nossa, mas neste caso aqui era fumo dos aviários”, demonstra o vigilante António. “Daqui vejo as torres da Serra da Estrela. O sono não dá, aqui de noite vê-se tudo. Ficamos com muita claridade. Quando vemos o fumo, tentamos gerir o mais rápido possível. Estamos quase sempre de pé”, garante.
Resumindo a rotina: "damos as entradas quando chegamos, este ano já tivemos 24 comunicações”.
António Caetano, casado, dois filhos, natural de Aguiar da Beira, era trabalhador da construção civil, mas o desemprego levou-o a procurar, há dois anos, a profissão sazonal de vigilante. Faz o caminho de motorizada e, sem vertigens, recorda que a profissão anterior o ajudou a perder o medo das alturas.
“Trabalhei 20 anos na construção civil, sempre nos andaimes, para o mesmo patrão, agora reformado e, então, fui para o fundo de desemprego. Olhe, que já me doíam as costas da construção civil, aqui estou melhor”, conta o vigilante, que está na hora da passagem de turno.
“Somos como família, como irmãos, nem é por estar aqui à frente da minha colega”, observa à chegada da colega Vera Lúcia, que mostra ainda como as refeições são sempre feitas: “a gente come sempre aqui em cima. Trazemos o saco do farnel”.
Resumindo a rotina: "damos as entradas quando chegamos, este ano já tivemos 24 comunicações”.
António Caetano, casado, dois filhos, natural de Aguiar da Beira, era trabalhador da construção civil, mas o desemprego levou-o a procurar, há dois anos, a profissão sazonal de vigilante. Faz o caminho de motorizada e, sem vertigens, recorda que a profissão anterior o ajudou a perder o medo das alturas.
“Trabalhei 20 anos na construção civil, sempre nos andaimes, para o mesmo patrão, agora reformado e, então, fui para o fundo de desemprego. Olhe, que já me doíam as costas da construção civil, aqui estou melhor”, conta o vigilante, que está na hora da passagem de turno.
“Somos como família, como irmãos, nem é por estar aqui à frente da minha colega”, observa à chegada da colega Vera Lúcia, que mostra ainda como as refeições são sempre feitas: “a gente come sempre aqui em cima. Trazemos o saco do farnel”.
A escadaria em caracol é percorrida por Vera Lúcia em passo apressado, anseia chegar ao alto da torre que conhece desde pequena.
“Nasci e cresci aqui, o meu pai, natural da Mealhada, era guarda-florestal, mas era deslocado para aqui nos verões e a família acompanhava-o”, recorda a operadora de vigilância de 47 anos, que hoje não perde tempo no rés do chão, onde ainda são visíveis os beliches, a lareira e a mesa da cozinha.
“Hoje não nos é permitido estarmos acompanhados, antigamente estávamos aqui em família, cozinhávamos aqui. Era a nossa casa de verão. Aqui colocávamos a lenha para as noites de frio. Aqui era a nossa cozinha, agora nem água temos aqui. Antigamente limpávamos tudo com frequência. Aquele beliche era da minha infância. Tínhamos o fogão, tínhamos tudo. O meu pai ficava de serviço lá em cima e eu e a minha mãe ficávamos aqui em baixo”, relembra.
“Agora, enquanto vigilantes, fazemos oito horas seguidas e não podemos estar cá em baixo”, descreve, lamentando a ausência de uma casa de banho. “Como não temos quarto de banho, é atrás dos calhaus e a correr. Já pedi ao nosso capitão da GNR, para ver se tínhamos aqui um quarto de banho”, alerta.
O carro de Vera Lúcia está cheio de pó, o caminho dista do centro de Aguiar da Beira, uns 10 quilómetros, é sinuoso, apesar de bem conhecido de Vera Lúcia.
No tempo em que podiam viver familiarmente nas torres de vigia, durante o verão, ganhou o gosto pela profissão que abraça há 11 anos a par com o de cuidadora.
“Estou a trabalhar aqui desde a minha infância, nasci aqui, casei, posteriormente regressei às minhas origens, porque o meu pai foi guarda-florestal”, explica a vigilante, que confessa sentir uma “grande paixão pela atividade de vigilante” e diz que “infelizmente é um trabalho sazonal”, apesar de compreender que “não se justifica estar aqui no inverno porque o frio é super intenso".
"Todos temos um cobertor porque, até no verão, à noite faz sempre muito frio. Quando me dá o sono, venho à varanda com o cobertor ou subo e desço a escada exterior”, conta Vera Lúcia, recusando ter medo da noite ou da solidão. “Adoro estar aqui, sou apaixonada pela natureza, tenho imensas memórias maravilhosas. Gosto muito de estar comigo mesma, adoro o silêncio, sinto que estou a ser útil. Sou uma apaixonada por animais, oiço as raposas, tenho episódios com javalis, já vi corços, coelhinhos", relata Vera.
No distrito da Guarda há 17 Postos de Vigia, com quatro elementos cada. Os operadores de vigilância não estão autorizados a levar ninguém à torre de vigia, nem mesmo para pedidos de fotografia, que são frequentes.
“Umas [pessoas] vêm a pé fazer caminhadas, pedem-nos sempre para subir, querem tirar fotografias, mas não temos autorização”, relata a operadora de vigilância Vera Lúcia. A paixão da vigilante por esta atividade sazonal é partilhada com o marido, João Morais, 54 anos, do concelho de Sernancelhe.
Seguiram as mesmas coordenadas. Ambos concluem, pelo que avistam
pelos binóculos, que muitos dos incêndios são provocados por mão humana.
“Penso que a maioria é mão humana, por negligência, as pessoas usam motos-serras, maquinaria”, relata João, enquanto Vera conta que viu “um civil a fazer uma queima de resíduos e deixou descontrolar a situação. Há cerca de 10 anos que João Morais desempenha esta atividade sazonal.
"Infelizmente, é uma coisa que…comunicar os incêndios, as colunas de fogo, não é fácil, estão-nos a matar. Provavelmente sem nós, seria muito pior”, defende o vigilante.
Em funcionamento 24 horas por dia, o Posto de Vigia de São Matias é controlado pela GNR.
O capitão Óscar Capelo, chefe da Secção de Proteção da Natureza e do Ambiente do Comando Territorial da Guarda, afirma que “é uma vigilância ativa, os alertas são mais rápidos e os meios de combate chegam em tempo útil para incêndios de menor dimensão e vai permitir que haja um despacho de meios atempado para o local e um incêndio quanto mais cedo for combatido mais facilmente é controlado”.
Dos 17 postos de vigia do distrito da Guarda, seis deles funcionam na rede primária, desde 7 de maio a 6 de novembro e os restantes de 29 de junho até 15 de outubro, na rede secundária.
“A Rede Nacional de Postos de Vigia é das fontes de alerta mais importantes. A primeira fonte é o cidadão, acaba por ser ele a dar o próprio alerta, a seguir são os Postos de Vigia e saliento a nível nacional. A Rede Nacional de Postos de Vigia (RNPV), que entrou em funcionamento no dia 7 de maio, detetou no corrente ano 2 166 primeiros e segundos alertas e 122 falsos alarmes", enumera.
"O primeiro alerta consiste na comunicação de uma possível ocorrência de incêndio, efetuada por um indivíduo a um órgão operacional quando não haja conhecimento da mesma na Sala do Comando Distrital de Operações e Socorro (CDOS) e, consequentemente, após ser confirmada no terreno, é atribuído o número SADO - Sistema de Apoio Decisão Operacional. O segundo alerta é espoletado quando já existe um primeiro alerta registado e é efetuada uma confirmação positiva, preferencialmente da Rede Nacional de Postos de Vigia ou de outra entidade que venha a confirmar o primeiro alerta, mediante a sua solicitação obrigatória”, elucida o militar da GNR, sublinhando ainda os 185 alertas do sistema de videovigilância florestal.
“Estão instalados em locais diferentes, em zonas que não são cobertas pelos Postos de Vigia. São 120 sistemas de videovigilância a operar a nível nacional”, acrescenta, concluindo que os “Postos de Vigia têm um papel preponderante numa rápida deteção do local de ignição”.
A Rede Nacional de Postos de Vigia cobre cinco milhões de hectares, totalizando 72% do território nacional vigiado.
“Há uns olhos vigilantes 24 horas sobre a mancha florestal e são complementados no restante território com a videovigilância e o patrulhamento terrestre”, assegura o capitão Óscar Capelo, chefe da Secção de Proteção da Natureza e do Ambiente do Comando Territorial da Guarda.
O sistema de vigilância, do qual a GNR é responsável pela coordenação, assenta na Rede Nacional de Postos de Vigia.
“Os Postos de Vigia assim que detetam os focos de incêndio comunicam com uma equipa da GNR que se encontra sediada no Comando Distrital de Operações e Socorro do respetivo distrito, para que uma equipa se desloque. Antes do início de cada época há uma formação especifica para os operadores de vigia”, pormenoriza.
São necessários 920 vigilantes para os Postos de Vigia. Em 2020 não houve nenhum operador em falta, já em 2021 houve faltou um e em 2022 ficaram a faltar 16 operadores. Apesar da eficácia dos Postos de Vigia, a GNR observa uma tendência para diminuição do número de candidatos e são várias as explicações: por ser sazonal, por ser um trabalho solitário e ainda devido a alteração realizada há cerca de dois anos.
“Notamos que estamos a ter menos voluntários, mas mesmo assim conseguimos colmatar. Em anos anteriores tínhamos mais operadores nos Postos de Vigia porque a lei era mais permissiva naquilo que eram as reformas e o acumular dos vencimentos. Um operador do posto de vigia só deve auferir por um dos lados, ou a reforma ou este serviço, motivo pelo qual alguns voluntários não voltaram a concorrer”, nota o capitão Óscar Capelo, referindo que “as mulheres marcam cada vez mais presença, embora de ano para há ano haja cada vez menos voluntários, o que também tem que ver com a contingência imposta à contratação pública”.
São por isso menos os candidatos nesta profissão sazonal. As deslocações longas, por caminhos de terra batida, afastam igualmente eventuais interessados. “Quem é que aqui vem, isto é tão longe…”, conclui o vigilante António Caetano, para justificar a ausência do medo quando fica isolado, a cerca de 10km do centro de Aguiar da Beira.
A remuneração base de um operador de vigilância é de 705 euros, mais o subsídio de alimentação de 4,77 euros ao dia.