Azeite vai ficar mais caro

29 mar, 2022 - 11:57 • Olímpia Mairos

O aumento dos fatores de produção e a escassez de determinados materiais essenciais para a comercialização está a preocupar os produtores.

A+ / A-

Na Casa de Santo Amaro, na região de Mirandela, prepara-se mais uma encomenda do azeite. A incerteza, a preocupação e até a angústia, mas também a vontade de dar a volta por cima, marcam os dias de quem se dedica à produção e comercialização de azeite. Para este ano, as expetativas eram grandes, mas a guerra na Ucrânia veio baralhar as contas e agora teme-se o futuro.

António Pavão conta à Renascença que já não é fácil encontrar alguns materiais indispensáveis à atividade.

“Começa a haver muita falta de vidro para engarrafar, os prazos de entrega estão a ser muito estendidos, além dos preços que estão a aumentar. Além disso, os fatores de produção, os combustíveis e os fertilizantes tiveram um aumento surreal”, conta o produtor, acrescentando que “não é fácil conseguir incorporar isto e depois passar ao consumidor final”.

Começa a faltar o vidro

Do mesmo se queixa João Rosa Alves, diretor de produção de duas marcas de azeite na região do Douro. “Os fatores de produção aumentaram. É difícil encontrar no mercado diversos materiais, essencialmente na questão do vidro, neste caso, para o embalamento.”

Segundo o diretor de produção da “Menim Douro Estates”, “existem muitas referências que já nem sequer vão entrar em produção, porque já eram pequenos produtores que faziam pequenas quantidades”.

“Temos fornecedores a dizerem que já nem sequer vão produzir. Na semana passada tive um contacto de um fornecedor que, em relação ao ano passado, já tinha aumentado cerca de 11%, a dizer que, a partir de 1 de abril, irá sofrer um novo aumento, ainda de 18%. Neste caso estamos a falar só em relação ao vidro”, detalha, destacando que o aumento é de “29% de um ano para o outro”.

Insegurança e instabilidade

João Rosa Alves nota que “há cada vez menos confiança para se comprar e para se fazer stocks” e “há cada vez mais instabilidade que vai levar a todos muitas preocupações”.

A solução para contornar as dificuldades que atingem o setor podem passar por “tentar reduzir à produção e às técnicas a utilizar ou às matérias-primas, tanto de embalamento como de produção”.

“Se calhar tem que se fazer uma segunda análise, porque os produtos estão cada vez mais caros e isso vai-se refletir, depois, no preço do produto final e é preciso também ter-se a noção se o cliente está predisposto a esse aumento do custo para se manter a mesma qualidade de produto”, sinaliza.

A empresa comercializa cerca de cinco mil garrafas de duas marcas de azeite por ano e, até ao momento, as vendas estão a manter-se conforme estavam estipuladas, mas o cenário pode vir a alterar-se, se o conflito perdurar no tempo. João Rosa Alves admite estar preocupado.

Custos de produção quadruplicaram

O presidente da Associação dos Produtores em Proteção Integrada de Trás-os-Montes e Alto Douro, Francisco Pavão, fala de tempos conturbados para os produtores de azeite e de uma grande indefinição quanto ao futuro.

“Os combustíveis aumentam todos os dias. É difícil prever. É difícil fazer negócios a médio prazo e, sobretudo, temos dificuldade em adquirir, por exemplo, garrafas para embalar. Estamos com grande dificuldade em adquirir garrafas para fazer face às encomendas que temos”, adianta, até porque “escasseiam também as rolhas, as cápsulas e o papel para as embalagens”.

Mais do que a dificuldade em encontrar materiais, o que verdadeiramente preocupa os produtores são mesmo os fatores de produção que sofreram nos últimos tempos “um brutal” aumento de preço.

“Estamos neste momento a iniciar os trabalhos agrícolas no olival, mas ao preço a que estão os combustíveis, temos que estar a racionar os trabalhos e a equacionar que tipo de trabalhos é que vamos fazer e que fertilizantes é que vamos usar, porque o aumento destes preços foi brutal”, realça.

No olival, a colocar adubo para alimentar as oliveiras, Alfredo Fernandes nota que está tudo muito mais caro e que já quase não compensa produzir.

“Até dá que pensar, se vale a pena produzir ou não, porque quer o gasóleo agrícola, quer os adubos, são quatro vezes mais caros. O gasóleo agrícola está quase o dobro do ano passado, portanto, quase não vale a pena; não vale a pena produzir”, diz.

O produtor espera, no entanto, que não vindo o óleo da Ucrânia, o preço do azeite possa subir, o que pode, de alguma forma, atenuar os custos de produção.

“Mas, aqui, também surge um outro problema: o consumidor pode não ter capacidade para o adquirir”, alerta, reforçando que o “produtor não pode suportar tanta despesa, se o valor da venda não acompanhar a despesa que se tem”.

Azeite vai chegar mais caro às prateleiras

Face à escalada dos custos dos fatores de produção, António Pavão antecipa a subida do preço de azeite nas prateiras.

“Acho que vai haver uma repartição desses danos para ambas as partes. Infelizmente, o consumidor não poderá suportar muito. Acho que vai ser uma situação complicada, porque os aumentos gerais vão trazer grandes dificuldades à população e, se houver um aumento do azeite na prateleira, provavelmente pode haver, depois, uma redução da venda”, antecipa.

O azeite, esse, é que não vai faltar, porque “os agricultores seriam incapazes de abandonar qualquer cultura e, nomeadamente, a cultura do olival”, assegura o produtor.

Apoios precisam-se

Também o presidente da Associação dos Produtores em Proteção Integrada de Trás-os-Montes e Alto Douro perspectiva que, “se isto não se alterar, se não houver apoios por parte do Governo e da União Europeia, esta campanha que agora se inicia de trabalhos agrícolas irá ter custos extremamente elevados e que vão ter que se refletir no preço final do produto, no final do ano”.

E, por isso, para atenuar um pouco os efeitos da guerra no setor, o responsável sugere medidas concretas que devem passar pela “diminuição da carga tributária, quando os combustíveis estão a aumentar, e pela isenção da Segurança Social, quando há problemas de produtividade”.

“Nós precisamos que o Governo tome medidas decisivas e que sejam eficazes e de fácil aplicação”, sublinha, lembrando que “a principal atividade económica de Trás-os-Montes e Alto Douro é a agricultura”.

“É com grande preocupação que vejo este momento. No concelho de Mirandela, num ano em que não há azeite, os comércios e as lojas não vendem”, exemplifica.

Última encomenda perdeu-se a caminho da Ucrânia

A Ucrânia era um dos mercados onde a Casa de Santo Amaro mais estava a crescer. A última encomenda de azeite partiu de Mirandela, cinco dias antes da invasão da Rússia, mas já não chegou ao destino.

“Era um mercado onde estávamos a crescer 30 a 40% ao ano e, este ano, prevíamos duplicar as vendas lá. Entretanto, em fevereiro, cinco dias antes do início da guerra, nós tivemos uma carga a ir para lá e, neste momento, não fazemos ideia onde ela possa estar. Foram perto de mil garrafas, ou seja, um valor na ordem dos 5 mil euros”.

Esse cliente já desapareceu. Eles tinham sido eleitos os melhores supermercados do mundo; era uma rede muito grande, com 200 hipermercados e com 50 de luxo. A rede está completamente destruída”.

Além de perder o mercado ucraniano e também o russo, António Pavão está preocupado com o que pode acontecer com o da Polónia.

“Estamos apreensivos, porque o nosso principal mercado na Europa é a Polónia, e que está ali ao lado, e que, neste momento, já tem mais de dois milhões de refugiados. De certeza, e mesmo aqui no centro da Europa, já começámos a notar a falta de confiança, sem saber o que é que esta situação vai dar. E, de certeza, vai haver retração nas compras, que trará retração nas vendas. É assustador.”

Ucrânia, Rússia e Polónia eram, até há bem pouco tempo, três grandes mercados. Perante a instabilidade, procuram-se agora novos mercados e, para isso, será necessário um maior investimento na promoção.

Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.

  • Maria
    29 mar, 2022 Palmela 11:17
    Pois! o peixe tambem esta muito caro! Mas tem muita gordura!

Destaques V+