Guarda-Covilhã. Comboio circula após 12 anos, mas habitantes querem mais horários

19 jan, 2022 - 09:00 • Liliana Carona

Inaugurada a 6 de setembro de 1891 pelo rei D. Carlos, a linha da Beira Baixa, que liga Entroncamento e Guarda, teve o troço entre Guarda e Covilhã encerrado 12 anos. A sua reabertura em maio do ano passado trouxe à aldeia de Benespera uma nova esperança, mas os populares habituados a recorrer ao táxi querem que o comboio passe mais vezes e sem atrasos.

A+ / A-

Não cabe um autocarro ou um camião dos bombeiros e só passa um carro de cada vez, na estrada íngreme e esburacada de acesso ao apeadeiro de Benespera, ou será estação de Benespera?

“Para nós será sempre a nossa estação”, diz convicto Filipe Santos, 28 anos, habitante de Benespera e um dos rostos mais visíveis da luta pelo regresso do comboio. Recorda que um mês antes da inauguração, a 2 de maio de 2021, tinha tido conhecimento que Benespera não fazia parte da lista de paragens do Regional e Intercidades, mas a luta de um povo fez com que Benespera se tornasse naquilo que designa de ex-líbris.

“Ainda nem nós estávamos nos horários, no dia 18 de abril, quando passou o primeiro comboio de carga, fizemos sempre questão de passar e receber bem as visitas e viemos até em procissão aqui”, recorda Filipe, salientando que “havia pessoas que diziam que este estacionamento nunca haveria de estar cheio e está sempre cheio até em terceira fila. Poderíamos ter sido uma aldeia como outra qualquer, mas sabemos que estes horários são provisórios e queremos demonstrar que não queremos perder este serviço”.

Comunidade une-se para receber quem desce no apeadeiro

“Já somos reconhecidos como a capital ferroviária da linha da Beira Baixa, a Benespera, que sabe bem receber as pessoas”, garante Filipe Santos, relembrando que “a 2 de maio de 2021, quando inaugurámos a linha enchendo um regional com 100 pessoas em direção à Guarda, tentámos receber as pessoas da melhor maneira, cantámos músicas e por isso é que algumas pessoas da CP denominam esta localidade como a capital ferroviária da linha da Beira Baixa”, assegura o jovem contabilista que passou a utilizar o comboio para as deslocações Benespera-Lisboa, onde trabalha.

Está em teletrabalho e acredita que outros jovens podiam estar no interior. “Esta linha veio-me trazer grandes possibilidades, vou e venho todas as semanas de Lisboa, é possível os jovens estarem no interior desde que tenham as acessibilidades adequadas. A 23 de outubro de 2021 esgotámos um comboio com 160 pessoas para a Covilhã com um acordeonista a bordo”, sorri.

“Tem a ver com Benespera e o padroeiro ser Santo Antão padroeiro dos animais domésticos e por curar doenças epidemiológicas, está comprovado que o primeiro sítio onde apareceu em Portugal foi na Benespera, de Bem Espera”, argumenta Filipe, que desde 2009 não via passar as automotoras.

O jovem contabilista fixa o olhar na paisagem. “Esta é a aldeia mais simpática do Vale da Teixeira, as luzes à noite, ouvir a buzina do comboio. Ter um comboio direto de Lisboa à Benespera é algo maravilhoso, temos a Ponte dos Gogos, que é a ponte mais alta entre Covilhã e a Guarda, já apanhei vários fotógrafos inclusivamente internacionais a fotografar. Quando o Conecting Europe Express, deu a volta à Europa (partiu no dia 2 de setembro) viemos até aqui dizer adeus e dizer que estamos presentes”, conclui.

Passe de 80€ não compensa, se não colocarem mais horários

Filipe Santos junta-se ao coro de vozes dos moradores de Benespera que pretendem mais horários para viajar para a Covilhã ou Guarda. “Faltam horários na hora de ponta, há uma grande falta de horários durante a tarde, o último que sai da Covilhã é às 16h56 e depois só há um por volta das 23h, portanto as pessoas que queiram usar isto diariamente como forma de passe é muito complicado”, denuncia.

E para quem vive em Benespera faltam horários para que o passe que adquirem possa fazer sentido.

Fabiana dos Santos, 50 anos, trabalha no Centro Hospital Cova da Beira. “Eu tenho horário para ir para a Covilhã, mas não tenho hora para voltar, porque o último é às 23h da noite, não posso usar o passe que fiz, porque se não iria e viria de comboio, seriam 80€ mensais, fiz o cartão passe, na estação da CP na Guarda, e era ótimo, porque só em gasolina gasto mais do dobro”, conta Fabiana que demora de comboio cerca de 25 minutos a chegar à Covilhã e quando quer ir à Guarda, aproximadamente 10 minutos.

“Todos os bilhetes de Intercidades são ao mesmo valor do regional entre a Covilhã e a Guarda, mediante a mensalidade de 80€”, explica Fabiana.

“Foi triste este tempo sem comboio”

Os acessos ao apeadeiro de Benespera “não são os melhores”, mostra Filipe Santos que reivindica uma estrada condigna. “A estação de Benespera foi renovada ao fim de 12 anos, mas depois os acessos não são os melhores. Não chega um autocarro, nem um camião de bombeiros, mas já foi reportado a quem de direito, estamos a aguardar”, realça.

Indiferente aos acessos, Susete Rabaça, 66 anos já aguarda pelo comboio, que anuncia mais um atraso nas colunas de som. Enquanto espera, Susete recorda as memórias de infância na estação de Benespera.

“O meu pai, carregador, trabalhava aqui, era uma terra de muitos trabalhadores ferroviários, havia chefe de estação. Eu vinha trazer-lhe aqui o almoço, nós tínhamos o passe e viajávamos muito quando eramos garotas, fomos a Fátima, à Pampilhosa, a Braga, os comboios andavam sempre à pinha, temos muita estima pelo nosso comboio. Foi triste este tempo sem comboio. Foi uma renovação total”, defende a moradora

Cerca de 20 minutos depois, o comboio chega, para entusiasmo de Diego de 3 anos. “Olha o comboio”, aponta o petiz.

A locomotiva circula neste troço que liga a Guarda à Covilhã a 70/80Km hora, velocidade explicada pelo maquinista Carlos Ramos, que há 28 anos conduz locomotivas. “70, 80 km hora, por causa das condições do terreno, declive, rochas e por isso é que se circula a esta velocidade”, justifica.

Sem estar preocupado com a velocidade, Rui Leal, 41 anos, presidente da assembleia de freguesia de Benespera, observa antes a falta de horários. “O comboio havia de passar mais vezes, com mais horários, passa às 8h da manhã e só torna a vir ao meio dia, compensava haver mais um a meio da manhã e ao meio da tarde. Os habitantes não têm outro transporte, têm o autocarro às 7h15 da manhã e outro às 9h, e não têm outro meio de transporte, é táxi ou carro”, lamenta.

A Renascença tentou contactar a CP, mas até ao momento sem resposta.

Para não perder o bem conquistado, ainda que com poucos horários disponíveis, a comunidade de Benespera une-se para receber quem chega ao apeadeiro. Cantares entoados por quem bateu o pé para ter o comboio de volta, à chegada de quem desce do comboio.

José Faísco, 63 anos, foi um dos últimos a regressar de vez à terra natal. Emigrante na Suíça durante 42 anos. “É uma alegria ver a estação de novo aberta, dá acesso ao país”, realça, sem esconder o contentamento.

“A velocidade de antigamente dava para saltarmos do comboio e irmos apanhar figos”

De memórias se faz a história do apeadeiro de Benespera que para o padre António Martins, pároco de Benespera, 41 anos, será sempre a estação onde saltava para apanhar figos. “A velocidade era tão baixa que saltávamos do comboio para ir ali a uma figueira”, mostra o pároco, sem esconder a alegria de ver reaberto o troço.

“Estou aqui há quatro anos e habituo-me a ver fechar serviços, o café de Ramela já fechou, o café de Seixo Amarelo já fechou, se precisar de uma caixa de fósforos tenho de fazer 30 km e quando alguma coisa reabre é um sinal de esperança, queremos acreditar que retomaremos novas possibilidades, a reabertura foi um sinal de esperança”, admite o sacerdote que, também ele gostava de ter mais horários para se deslocar à Guarda.

E de memórias se faz também a vida do antigo presidente de junta, Deolindo dos Santos, 80 anos, professor primário. “Quando fui para Angola, em 1963, vim aqui apanhar o comboio e veio toda a população da Ramela, fazer a despedida de um militar que ia para a Guerra, quando eu tinha 23 anos”, diz, comovido, olhando para o depósito que ainda ali se encontra e que servia para “levar água para várias capitais distrito”.

No dia 25 de novembro de 2017 foi assinalada a adjudicação da empreitada, numa cerimónia que decorreu na Estação da Guarda e que contou com intervenções do Presidente da Infraestruturas de Portugal, António Laranjo, do Presidente da Câmara Municipal da Guarda, Álvaro Amaro, e do Ministro do Planeamento e das Infraestruturas, Pedro Marques.

A obra integrou, entre outros trabalhos, a renovação integral de 36 dos 46 quilómetros do troço (dez já estavam intervencionados), bem como a reabilitação de seis pontes centenárias, a remodelação de estações e apeadeiros, drenagem e estabilização de taludes e a iluminação e automatização e supressão de passagens de nível.

Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.

Destaques V+