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Concessionários e utentes de parque de skate abrem "guerra" com Câmara de Cascais

13 jan, 2022 - 15:42 • João Cunha

Para eliminar a única passagem de nível da linha ferroviária de Cascais, em São João do Estoril, o Plano Diretor Municipal da autarquia prevê a construção de um túnel de ligação à Marginal, no âmbito de uma Via Circular ainda por concluir. Mas agora estará a estudar outra opção, que põe em causa a manutenção daquele parque, único na Europa e que nasceu graças ao Orçamento Participativo de Cascais. A autarquia nega qualquer intenção de pôr fim àquela infraestrutura - apesar de documentos que indicam o contrário. A Secretaria de Estado do Desporto diz estar atenta e sublinha a importância da manutenção daquela infraestrutura.

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Ao ruído das rodas presas aos “trucks” dos skates, constantemente a subir e descer um "half-pipe" de madeira, logo à entrada - e onde agora vinga a cor negra sob a qual foram pintadas a branco mensagens de alerta para o que pode ser o início do fim do Parque das Gerações - junta-se o quente do sol, mesmo em janeiro, e uma vista única sob as águas do Atlântico e sobre a Estrada Marginal, que passa ao fundo sul do parque, a poucas dezenas de metros de distância.

O Parque das Gerações é um espaço para a prática de skate onde, para além de muitas atividades ligadas á modalidade, há uma vertente de intervenção social. As crianças dos bairros mais carenciados do concelho são frequentemente chamadas a ter aulas gratuitas. Muitas passam a partir de então a frequentar o espaço: pedem emprestado um skate, na loja dedicada á modalidade instalada no Parque, fazem amizades e afastam-se de outros caminhos.

Em resumo: um exemplo de cidadania, inclusão e desporto.

Num terreno baldio, junto ao Centro de Saúde de São João do Estoril, nasceu em 2013 aquela infraestrutura, graças aos 300 mil euros provenientes do projeto apresentado a Orçamento Participativo de 2011, que obteve 832 votos dos munícipes.

Pedro Coriel foi na altura o proponente ao Orçamento Participativo do projeto do Parque das Gerações. Hoje, está revoltado com o que diz estar bem explicito nas propostas de alteração ao Plano Diretor Municipal de Cascais, que está a ser revisto para adequação ao novo Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial.

Para eliminar a única passagem de nível da linha ferroviária de Cascais, em São João do Estoril, o Plano Diretor Municipal da autarquia prevê a construção de um túnel de ligação à Marginal, no âmbito de uma Via Circular ainda por concluir. Mas agora, com as propostas de alteração introduzidas, estará a estudar outra opção, que põe em causa a manutenção daquele parque,

"O que está escrito, preto no branco, e que está orçamentado e que está nas plantas, é que a passagem que está ali prevista não é túnel coisa nenhuma: é uma passagem inferior sob a linha do comboio, que vai a céu aberto até ao largo da Igreja. Que é exatamente uma réplica do que existe em São Pedro do Estoril. É o que está previsto nesta revisão do PDM pela Câmara de Cascais".


"Houve uma reunião na Câmara com os concessionários, que levavam a planta do projeto do Orçamento Participativo, para ser aprovado o estudo prévio. O tal projeto já aprovado que estamos há quatro anos à espera que veja a luz do dia. E foi-lhes dito que nem pensar, porque ali vai passar uma estrada", como ouviram da boca dos responsáveis autárquicos com quem reuniram.

Para Pedro Coriel - que desde a inauguração não tem qualquer ligação ao Parque - é inaceitável, sobretudo, inexplicável. Porque para ele, a autarquia não entendeu, oito anos depois, a importância daquela infraestrutura. Até para a economia da zona. Porque ali vão, para além de residentes na zona, jovens de outros locais do país e até estrangeiros. É frequente encontrá-los num supermercado próximo, a comprar comida, ou no café do Parque, enquanto fazem uma pausa entre duas ou três horas de skate. Alugam casas ou quartos de hotéis durante uma ou mais semanas, para deixar o frio e a chuva do norte da Europa, vestir T-Shirts e aproveitarem as condições do Parque.

"Desde a inauguração que a Câmara estava à espera que aquilo corresse mal para ter uma desculpa para fechar o parque. E desde o início que a estratégia está muito clara: deixar o espaço ao abandono, para aquilo morrer por si".

O parque tem oito anos e nunca teve obras de manutenção e requalificação - que estranhamente, diz, são da responsabilidade dos concessionários.

"No Parque de Palmela e no Marechal Carmona", outros parques municipais de Cascais, "a Camara tem segurança á porta, tem iluminação, casas de banho, sistemas de rega para os espaços verdes, tem isso tudo. E depois os concessionários, com umas cafetarias". Por isso, Pedro Coriel considera imoral o comportamento da autarquia para com o Parque das Gerações, em que os concessionários são os responsáveis por praticamente tudo - apesar de se tratar de um parque público.

Faz o que eu digo, não faças o que eu faço

Para além de ter ganho o Orçamento Participativo de 2011, o Parque das Gerações conseguiu mais 300 mil euros de um outro orçamento participativo, em 2017, graças aos 5640 munícipes que escolheram melhorar e ampliar aquele espaço. Só que desde então, nada foi feito.

Alexandre Faria, vereador socialista na Camara de Cascais, considera que a supressão da passagem de nível" é fundamental e tem de ser resolvida, mas "pode acontecer através de outras soluções, sem ser à custa deste equipamento e sem pôr em causa o compromisso assumido pelo próprio município".

Uma referência ao não cumprimento por parte do município da conclusão, até finais de 2020, das tais obras de melhoramento e alargamento.

"A Camara de Cascais não pode andar a apregoar a importância do Orçamento Participativo, para logo a seguir colocar em risco projetos que já foram aprovados precisamente nesse âmbito. O Parque das Gerações venceu dois orçamentos participativos".

Carlos Carreiras é o mesmo autarca que já referiu, em vários artigos de opinião, que uma das mais extraordinárias expressões da democracia em Portugal, e até no mundo, é o Orçamento Participativo de Cascais.

Alexandre Faria lembra que a vereação socialista na Câmara sempre se oporá ao fim do Parque das Gerações, e lembra que “o PDM de Cascais está neste momento a ser alterado, pela adequação ao novo Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão territorial. Ora, este é o momento certo para corrigir este possível erro, "diz, com ironia, numa referência às alterações que a autarquia pretende introduzir no Plano Diretor Municipal.

"O que é necessário clarificar é que, se existe uma solução que na perspetiva técnica, permita a manutenção e ampliação do Parque das Gerações, sem que fique prejudicado o seu normal funcionamento, excelente. E estaremos ao lado dessa solução. Mas o necessário é clarificar isto."

Autarquia nega fim do Parque

Há anos que a solução prevista na Via Circular Nascente a São João passava pela construção de um túnel, de ligação da Estrada Marginal até uma rotunda a norte da Escola Secundária local. Uma escola que até perdeu parte do seu espaço físico, para poder ser construída uma rotunda onde ia desembocar o tal túnel.

A autarquia nega qualquer intenção de destruir o Parque, e remete para as declarações proferidas por Carlos Carreiras, em abril, em que garantia que "ninguém vai acabar com o Parque das Gerações. O que vai ser feito, para fazer a ligação da Marginal, do lado de mar ao lado de terra, é um túnel que passa por baixo do Parque das Gerações. À superfície, ficará exatamente na mesma. Aliás, ficará melhor, porque vamos fazer uma intervenção para o melhorar ainda mais".

Só que, meses depois, de um túnel a autarquia quer passar para uma estrada a céu aberto, que vai ligar a Marginal a um pequeno largo onde atualmente funcionam dois jardins de infância e a Paróquia de São João e São Pedro do Estoril.

Outra certeza de que o antigo projeto tinha sido abandonado surgiu no início deste ano. E foi Bernardo Aragão, um dos concessionários do espaço e proprietário de uma loja de artigos de skate no interior do Parque, que percebeu o que se estava a passar.

“A 3 de janeiro, para nossa grande surpresa, apanhamos um indivíduo a fazer um levantamento topográfico no Parque. E ele, inocentemente, explicou que estava a fazer um levantamento topográfico para a construção de uma linha rodoviária, a pedido das Infraestruturas de Portugal e da Câmara de Cascais”.

Foi nessa altura que decidiram olhar para o Plano diretor Municipal, deparando-se com “uma alteração, sem conhecimento de ninguém, quando em abril tinha sido tudo negado”.

Parque das Gerações “deu gás” a atleta olímpico

Do outro lado do Atlântico, nos Estados Unidos, Gustavo Ribeiro, skater profissional, treina e recupera de uma lesão que ainda assim, lhe permitiu alcançar o oitavo lugar na estreia da modalidade nos Jogos Olímpicos, em Tóquio. Quando soube da notícia, nem queria acreditar que o espaço onde nasceu para o skate podia acabar.

“Sinceramente, vieram-me as lágrimas aos olhos. O Parque das Gerações foi onde se deu a minha evolução inteira. Onde se criaram momentos únicos que permitiram a evolução do Skate em Portugal. Com essa notícia, fico destroçado, depois de tudo o que a Camara de Cascais prometeu e não está a cumprir”.

Admite que se as obras de melhoramento e ampliação do Parque das Gerações tivessem sido concluídas no tempo previsto, talvez não tivesse ido sozinho aos Olímpicos.

Contactada pela Renascença, a Secretaria de Estado do Desporto diz estar a par da situação.

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