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Covid-19

Carlos Neto. Vacinação 5-11 alivia "peso de consciência", mas não beneficia a saúde mental das crianças

11 dez, 2021 - 01:37 • André Rodrigues

Professor da Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa, e um dos mais reputados especialistas mundiais na área do desenvolvimento infantil, contraria a ideia de que a vacinação trará benefícios para a saúde mental das crianças, por via de uma redução de surtos escolares e consequentes confinamentos. O problema, diz, está no "aprisionamento" resultante de medidas altamente restritivas. E isso, diz, a vacina não consegue resolver. "A infância é irrepetível", avisa Carlos Neto.

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A vacinação da faixa etária dos 5 aos 11 anos não traz qualquer benefício para a saúde mental e para a autoestima das crianças, defende Carlos Neto, professor catedrático da Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa e um dos maiores especialistas mundiais na área do desenvolvimento, que contraria o parecer da Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19 (CTVC), que identifica benefícios para a saúde mental das crianças entre os cinco e os 11 anos que vão começar a ser vacinadas.

No documento da Direção-Geral da Saúde (DGS), conhecido na íntegra esta sexta-feira, pode ler-se que o benefício da vacinação deste grupo etário "é ainda mais claro se atendermos aos efeitos benéficos para a saúde mental da criança, decorrentes de ser vacinada, uma vez que, se não for infetada, não sofrerá os efeitos negativos associados a uma ou várias situações de confinamento", com consequências no aproveitamento escolar e na saúde mental.

Em declarações à Renascença, Carlos Neto diz que esse é um argumento "controverso" e apresenta uma leitura distinta: "o grande problema das crianças é o aprisionamento em que elas vivem pelo medo excessivo de medidas que foram feitas, em que elas não têm mobilidade, não têm liberdade nem autonomia, estão demasiado encarceradas no seu contexto escolar".

E prossegue: "a vacina pode aliviar um peso de consciência sobre o nível de infeção e de expansão da pandemia, mas não creio que isso traga vantagens para que as crianças possam repor de forma devida uma necessidade urgente de socialização, de terem mais liberdade de terem espaço e tempo para brincar nos espaços exteriores das escolas".

Autor de livros e de artigos científicos que colocam o direito das crianças a brincar na ordem do dia, Carlos Neto prefere evitar fazer comentários de natureza científica sobre a validade da recomendação da DGS e foca-se no que diz ser a sua maior preocupação, que são "as competências motoras, a literacia lúdica e motora das crianças, principalmente nas primeiras idades".

"A infância é irrepetível"

Tudo isso, diz, reprime as emoções da infância que, por múltiplas razões, ficou suspensa por causa da pandemia.

"As crianças vão crescendo, mas a infância é irrepetível. Ou ela é vivida de determinada ou ficam mazelas para toda a vida e as que são de natureza emocional são as que ficam gravadas para sempre, e esta vacinação das crianças, quer as que têm comorbilidades, quer as que são saudáveis, não vai um alargamento ou um melhoramento das relações, dos afetos, do contacto, dos abraços. As crianças só veem máscaras, só vêm gel. É preciso fazer uma reflexão sobre a avalanche em curso nas culturas de infância que tem consequências na saúde mental mas, também, na saúde física, social e emocional", assinala.

Carlos Neto lamenta que os sucessivos confinamentos em quase dois anos de pandemia tenham exponenciado os receios dos adultos que estão a limitar as liberdades das crianças.

É no consultório que se vêm as consequências: "o que eu observo no dia a dia é que as crianças andam com energias completamente agitadas, com uma capacidade atencional muito baixa, muita falta de autoestima e a sua capacidade de expressão corporal e a capacidade de habitar bem dentro do seu corpo está afetada", constata o especialista.

Para Carlos Neto, o problema está na "consciência adulta, que quer isolar um problema que não existe. Esta vacina pode resolver alguns problemas, mas não vai resolver os problemas essenciais, como a saúde, o estilo de vida, o bem-estar, as oportunidades de espaço de tempo para que as crianças possam ser crianças. Esses é que são os verdadeiros problemas das crianças. Não é a vacinação".

Ninguém quer falar das crianças que vivem "o corpo na ponta dos dedos"

Carlos Neto avisa que estamos, ainda, longe de conhecer a verdadeira extensão dos estragos deixados pela pandemia nos diversos domínios da saúde das crianças.

Uma coisa é certa: os tempos de confinamento reduziram as interações com o exterior, interromperam a prática desportiva, federada ou informal, deixando os mais pequenos sem outra saída que não fossem os ecrãs táteis de tablets e smartphones.

"Com esta situação de inatividade física de analfabetismo motor crescente nas crianças e nos jovens e com esta orgia digital, que é a última saída que as crianças têm, vivendo o corpo na ponta dos dedos, passando horas e horas sentados à frente dos ecrãs. E essa é a maior pandemia que está a acontecer em crianças e jovens. E ninguém que falar nisso", remata Carlos Neto.

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