Isabel Galriça Neto

Nova proposta de lei da eutanásia "parece um truque"

03 nov, 2021 - 00:00 • João Malheiro

A antiga deputada do CDS alerta que a proposta de lei "não tem salvaguardas" e acredita que não é melhor que a proposta anterior, em termos constituicionais. A especialista diz ainda que o Governo falhou aos doentes que necessitam de Cuidados Paliativos.

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Entrevista Isabel Galriça Neto

Isabel Galriça Neto considera que a votação da nova proposta de lei da Eutanásia "não é razoável" e é mais "uma espécie de truque e ardil".

Em entrevista à Renascença, a antiga deputada do CDS alerta que a proposta de lei "não tem salvaguardas" e acredita que não é melhor que a proposta anterior, em termos constituicionais.

A especialista diz ainda que o Governo falhou aos doentes que necessitam de Cuidados Paliativos.

E deixa um número: 70% dos portugueses não têm acesso a esse tipo de cuidados.

É compreensível o agendamento desta votação, a meses da dissolução da Assembleia da República?

Por várias razões, não é compreensível. Percebo que seja legítimo e possível, agora, os promotores da iniciativa parecem ter muitas razões, mas não lhes assiste a Razão.

Tiveram um texto escondido durante demasiados meses. Já se compreendeu que na nova versão do texto não há alteração de substância. Há aqui um conjunto de subtilezas e de subterfúgios que fazem com que não seja nada razoável, muito menos correto. Tudo isto parece um ardil, um truque.

Um tema com esta densidade exigia que não fosse assim. Fica muito mal a quem promove esta iniciativa usar este tipo de truque para uma matéria desta gravidade.

Um deputado do CDS diz que "era um fim triste para esta legislatura".

Partilho da opinião. É um processo que acompanho há muito tempo, trabalhando com milhares de doentes. No último ano, não tive um único pedido consistente de Eutanásia. Não tive nenhum doente deixado em sofrimento intolerável.

É precisamente por ser triste, atabalhoado e precipitado que acredito que este processo não acabará aqui. Vai exigir uma palavra do Presidente da República.

Outro ardil foi esperar pela substituição dos membros do Tribunal Constitucional. Compreendemos e estamos atentos. Só reforça o tom triste para um assunto de tamanha importância e gravidade.

Mencionou Marcelo Rebelo de Sousa. Depois do envio do anterior diploma para o Tribunal Constitucional, que ação espera por parte do Presidente da República?

Não me cabe, de forma alguma, o que é que o Presidente da República deverá fazer. Acredito que tenha visão e conhecimento para fazer o mais adequado.

Uma nota é que o texto não tem alterações de fundo que vão de encontro à ideia, que era proclamada inicialmente, de que era uma lei para casos excecionais, só para pessoas muito doentes e no final da sua vida.

Ora, a lei como está, permite que seja executada a morte de pessoas que não estão no fim das suas vidas, que tenham lesões definitivas e não terminais. É uma lei que sem salvaguardas nenhumas, muito distante da ideia inicial.

O Presidente da República saberá o que fazer, porque não parece que em matéria de constitucionalidade, esta opção se tenha revelado superior à anterior.

No contexto atual, com toda a falência do SNS, com a ausência de resposta para dezenas de milhares de portugueses ao direito aos cuidados de saúde, estar a mostrar tamanha pressa para viabilizar a execução da morte de alguns, em vez de pressionar para mais cuidados de saúde para tantos, são prioridades trocadas.

Existe muito mais preocupação com uma agenda de uma elite do que uma real proximidade aos problemas de dezenas de milhares de portugueses.

Em 2018, admitia-se que os cuidados paliativos não chegavam a 80% dos doentes. Três anos depois, Portugal já atingiu um patamar aceitável ao nível dos cuidados paliativos?

Não é aceitável, de lá para cá, que nós tenhamos tão pouca concretização em termos de equipas que assistem estes doentes. Este Governo não priorizou de forma alguma esta área.

O Estado falhou dezenas milhares de portugueses e as suas famílias. Deixa que 70% de portugueses não tenham cobertura aos cuidados paliativos que acautelariam o seu sofrimento.

É por isso que acredito, piamente, que a prioridade não está na Eutanásia e que não é a resposta aos problemas ao sofrimento dos doentes com doenças graves . A resposta não é aquela que os senhores deputados vão dar.

Fácil é fazer uma lei destas. Difícil mesmo é estar ao lado dos doentes, acompanhá-los e ajudá-los a viver com qualidade.

A situação pandémica agravou a necessidade de cuidados paliativos, em Portugal?

Claramente. Houve muitos milhares de portugueses com Covid-19 que não receberam os cuidados de saúde que necessitavam e muito menos os cuidados paliativos que eram necessários na altura.

Isso não é timbre de uma sociedade desenvolvida nem de um SNS que, ao contrário do que querem esconder, não está a ser capaz de responder às necessidades de saúde dos portugueses. Os que têm Covid-19 e os que têm outro tipo de doenças crónicas que temos vários indícios que não estão a ter os cuidados adequados.

Em véspera do debate e votação do novo texto, tem algum apelo aos deputados que vão decidir sobre este diploma?

Que sejam corajosos e que, em consciência, percebam que podem fazer uma de duas coisas: ou votar a favor da lei e viabilizar a execução da morte, que não é um cuidado de saúde, para portugueses sem liberdade que podem ser pressionados a aceitar esta solução, ou, com coragem, votar contra.

Se não pelo conteúdo, então pela forma como as coisas foram feitas. Claramente, não corresponde a uma necessidade da nossa sociedade. Ao votar contra, estariam a contribuir para pressionar para que as soluções sejam de ajudar a dar mais dignidade a quem está em sofrimento e a dar os cuidados de saúde a que têm direito.

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