Covid-19 em Sintra

“O pânico é tentar responder a tudo, mas na medida do possível ninguém passa fome”

29 jun, 2020 - 07:00 • Manuela Pires (reportagem), André Peralta (sonoplastia)

Rio de Mouro é uma das freguesias do concelho de Sintra que mantém a situação de calamidade e dever cívico de recolhimento devido ao número de casos de Covid-19. O presidente da junta, que desde o início da pandemia reformulou todos os serviços para ajudar a população, recusa a ideia de surto generalizado na freguesia.

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Quando no dia 10 de junho a ministra da Saúde falou num surto de Covid-19 em Rio de Mouro, os telefones daquela junta de freguesia do concelho de Sintra não pararam de tocar.

Bruno Parreira, o presidente da Junta de Freguesia de Rio de Mouro, diz à Renascença que “a pressão foi muita para identificar onde estava o surto” do novo coronavírus.

A junta não foi contactada pelas autoridades de saúde para dar conta desse foco, nem sabe o número de casos. O autarca tem a certeza “que o surto não existe”.

A única situação pontual que ocorreu na freguesia de Rio de Mouro foi num lar de idosos, em Albarraque, que afetou 54 pessoas. Neste caso, “a Câmara Municipal de Sintra ajudou a identificar e realizou os testes em todos os utentes e funcionários”, explica Bruno Parreira.

O responsável pela junta de Rio de Mouro refere, ainda, que os casos que existem estão espalhados por toda a freguesia, e não escolhem profissão nem classe social.

“Todas as semanas ajudamos mais 30 famílias com alimentos”

Rio de Mouro tem uma área de 17 quilómetros quadrados, um pouco menos do que o concelho da Amadora. Nesta freguesia do concelho de Sintra moram perto de 50 mil pessoas.

É uma área tão grande que, de um lado, tem zonas com uma forte densidade populacional e, do outro lado do IC19, estão as zonas mais rurais e zonas agrícolas.

A junta de freguesia está, desde o início da pandemia, a acompanhar de perto alguns casos, com a entrega de refeições em casa e outros serviços de apoio social.

Desde março que toda a atividade da edilidade está mobilizada para lidar com esta nova situação. A Câmara de Sintra deu a cada junta de freguesia 25 mil euros para fazer face à pandemia, depois cada uma usou os meios que tinha para dar a volta ao problema e criar soluções para ajudar a população.

“Os dois técnicos de desporto estão, agora, a entregar trabalhos escolares a casa dos alunos e a entregar os kits alimentares, as funcionárias da Ludoteca passaram a trabalhar em articulação com o Banco Alimentar Contra a Fome para fazer os kits alimentares e o serviço de apoio social, que tinha apenas duas técnicas, tem agora sete pessoas”, conta Bruno Parreira à Renascença.


Desde que assumiu funções como presidente da junta de Rio de Mouro, há sete anos, que o executivo da freguesia dá apoio alimentar a famílias carenciadas, mas nos últimos três meses os pedidos mais do que duplicaram.

“Estamos a receber uma média de 30 agregados familiares novos, por semana”, revela Bruno Parreira. A junta alugou uma loja, comprou prateleiras e arcas frigoríficas para armazenar os alimentos, que são depois distribuídos pelas famílias.

“O nosso pânico é tentar responder a tudo, porque temos de garantir às pessoas que, na medida do possível, ninguém passa fome”, sublinha Bruno Parreira.

Desde a pandemia que só entra um ordenado lá em casa

Susi Gonçalves tem 34 anos, três filhas de seis, sete e nove anos de idade. Desde que começou a pandemia que lá em casa só entra um ordenado. “A empresa do meu marido fechou e ele, como era um trabalhador temporário, veio para casa”, conta esta moradora em Rio de Mouro.

O salário que Susi recebe da loja do centro comercial onde trabalha dá para pagar a renda, mas não sobra mais nada, por isso, recorreu pela primeira vez ao apoio alimentar da junta de freguesia.

Na casa de Denise Novo, de 34 anos, são cinco pessoas: três filhos de dois, sete e 13 anos de idade. Aqui também só entra um salário ao fim do mês. Denise trabalhava num hotel, em Sintra, mas em março foi despedida.

Denise Novo já recebia apoio alimentar da junta de freguesia, que teve agora de ser reforçado: “todos os meses venho buscar alimentos, mas quando há meses mais complicados venho cá e dão-me mais um cabaz com papas e leite para a bebé”.

“Se as fronteiras estivessem abertas já tinha regressado a Angola”

A pandemia trocou as voltas a muitas famílias, mas a de Rui Filipe foi apanhada no meio do turbilhão.

Este cidadão angolano, de 49 anos, chegou a Portugal há seis meses com a mulher e a filha de oito anos. Em Luanda tinha uma vida estável, mas a situação económica do país agravou-se nos últimos anos e Rui acabou no desemprego.

“Se as fronteiras estivessem abertas já tinha regressado, mas acabei por ficar aqui preso”, desabafa à reportagem da Renascença.

Rui Filipe é gestor de logística, trabalhou numa empresa petrolífera. Há cinco anos passou por Portugal de férias, que o levaram ainda a Berlim e a Barcelona.

Agora, tenta refazer a vida por cá, mas foi apanhado no meio de uma pandemia. Arranjou um emprego que acabou ao fim de dois meses. “Comecei a trabalhar no dia 1 de março, mas, por causa do aumento dos casos, a empresa decidiu, em maio, entrar em ‘lay-off’ e rescindiram o meu contrato”, lamenta o gestor.

A família ficou sem qualquer fonte de rendimento. Há apenas poucos meses no país, Rui Filipe ficou a conhecer o projecto da junta de Rio de Mouro através da professora da filha, numa aula à distância. “Ela teve a preocupação de saber como estávamos e deu-me o número de telefone da junta, eu liguei e estão a dar-me apoio alimentar”, conta Rui Filipe.

O apoio da junta chegou muito rápido, o mais difícil está em arranjar um novo emprego. Em apenas um mês, Rui Filipe já foi a seis entrevistas, mas sai apenas com uma promessa, nada de concreto.

Restauração e construção civil são os setores mais afetados

Está uma longa fila à porta da loja onde decorre a distribuição dos kits alimentares. O espaço fica poucos metros abaixo do edifício da junta. Espalhadas pelo chão estão muitas caixas com arroz, massa, atum, cereais, leite. Pouco depois o espaço fica sem nada.

Vânia Mourinha mostra à Renascença as prateleiras vazias e as arcas frigoríficas que a junta comprou para guardar os congelados, onde já só restam poucas embalagens de pescada. A assistente social na Junta de Freguesia de Rio de Mouro já perdeu a conta aos pedidos de ajuda que recebe todos os dias.

“Estas pessoas trabalhavam na restauração, na construção civil e ficaram sem qualquer rendimento. São orientadas para pedir o Rendimento Social de Inserção e acompanhamos todo esse processo”, refere.

A junta tem um programa de apoio alimentar às famílias carenciadas que conta com financiamento da União Europeia, mas agora vai agora ser alargado.

“Tendo em conta a situação de pandemia, houve um aumento de mais de 50% e agora podemos apoiar 542 famílias”, explica Vânia Mourinha.

Para além dos alimentos secos, como o arroz, a massa, os cereais, este kit de emergência traz também produtos congelados, legumes, carne e peixe. Estes cabazes de alimentos são entregues todos os meses, mas os produtos frescos são distribuídos de 15 em 15 dias.

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