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Guerra Israel-Hamas

Os túneis de Gaza e as lições de 2014. "Israel consegue atingir Hamas sem bombardear hospital"

30 out, 2023 - 22:10 • Catarina Santos , enviada especial ao Médio Oriente

Em 2014, Omri Attar destruiu dezenas de entradas para túneis na Faixa de Gaza. Explica como a experiência mudou a forma de combater e os riscos envolvidos. Em ambiente de guerra urbana, garante que estão “alerta para civis não envolvidos”, mas avisa: se houver passagens para estruturas do Hamas, "toda a gente que vive nesse prédio sabe que o local está marcado".

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Catarina Santos descreve os túneis de Gaza

Durante o conflito que ensombrou o verão de 2014, o major Omri Attar comandou uma companhia das brigadas 261 – uma unidade de operações especiais encarregadas de destruir as infraestruturas do Hamas. A complexidade e extensão dos túneis debaixo da Faixa de Gaza obrigaram as Forças de Defesa Israelitas (IDF) a mudar a forma de combater, para o que chama de “metodologia de 360 graus”, obrigando as tropas a avançar de forma lenta e meticulosa, “permanentemente em estado de alerta para forças que podem surgir de trás, de cima e de baixo”.

Na altura, Attar e os seus homens destruíram dezenas de entradas para túneis na Faixa de Gaza, “constituídos por tetos e paredes de betão armado, com uma altura de dois metros ou mais e uma espessura de 60 a 80 centímetros” nas paredes. A experiência diz-lhe que o que vão encontrar agora será ainda mais sofisticado.

O major conta à Renascença que, em 2014, encontrou estruturas subterrâneas do Hamas debaixo de casas e terrenos civis. Agora, as forças israelitas acreditam que a sede do Hamas está instalada debaixo do principal hospital da cidade de Gaza. Se assim for, defende que “qualquer força dentro das IDF consegue atingir um terrorista, mesmo que ele esteja dentro de um hospital, e isso não significa que precise de bombardear o local”.

Já quanto aos prédios civis que possam ter estruturas do Hamas no subterrâneo, o oficial das IDF garante que, quanto entram num cenário de guerra urbana, as forças estão sempre “alerta para a possibilidade” de encontrarem “civis não envolvidos”, mas alerta que, “se houver um edifício que tem por baixo uma porta para um túnel do Hamas, toda a gente que vive nesse prédio sabe que o local está marcado”.

Omri Attar foi um dos primeiros oficiais na reserva a ser chamado quando os ataques de 7 de outubro começaram. Está desde então a operar nas imediações da Faixa de Gaza. E não conta regressar a casa tão cedo.

Teve um papel importante na operação “Margem Protetora”, de 2014, na destruição de túneis do Hamas em Gaza. O que encontrou nessa altura, como estavam os túneis distribuídos pelo território e que comparação se pode fazer com a realidade de hoje?

Integrei as forças, enquanto comandante de uma companhia, que entraram na Faixa de Gaza para lutar contra os terroristas do Hamas, mas também para eliminar muitas dessas infraestruturas que eles construíram ao longo dos anos. Muitas pessoas referem que houve uma grande surpresa na guerra de 2014, mas sabemos, em Israel e não só, que os túneis não são nada de novo. Há quase 20 anos, o Hamas já usava túneis para mover os seus militantes e terroristas até aos territórios israelitas – chegou mesmo a raptar um soldado em 2006, Gilad Shalit, e os terroristas utilizaram um túnel. Portanto, isso não foi novo.

Creio que o que foi alarmante na altura foi a quantidade de túneis que atravessavam a fronteira até ao território israelita, mas também a quantidade de infraestruturas e como o sistema estava construído por baixo da cidade de Gaza – em quantidade, na sua extensão, mas também como eram usados pelo grupo terrorista Hamas. O que levou as IDF a compreender que a luta já não tem nada a ver com o que conhecíamos no passado. Tivemos de adotar novas metodologias, aquilo a que chamamos uma metodologia de 360 graus.

O que significa que, mesmo que avancemos no terreno – enquanto procuramos terroristas, procuramos salvar civis, mas também cumprir a missão – temos de estar permanentemente em estado de alerta para forças que podem surgir de trás, de cima e de baixo. E se não estivermos sempre a vedar, a bombardear ou a colocar explosivos em todas as entradas de um túnel, é um perigo. É algo que precisa de ser executado o mais depressa possível.

Em 2014 a sua unidade encontrou material de recrutamento do Hamas, armamento e mesmo infraestruturas construídas dentro de áreas civis. Como é que lidaram com esse cenário na altura?

Todos os túneis que encontramos estavam misturados com áreas civis, como prédios, quintas, galinheiros, no meio de um olival... A maioria dos túneis serviam para uma pessoa subir e descer para cerca de 20 a 30 metros de profundidade, mas encontrámos também aberturas para deixar entrar ar nos túneis, que estavam ligadas à eletricidade, como uma espécie de ar condicionado.

"O sistema [construído pelo Hamas] é muito desenvolvido, de maneira a garantir eletricidade, ar e água, para que as pessoas sobrevivam nos túneis."

As IDF eliminaram a maioria das aberturas, diria 99%, e tentaram matar quem estivesse lá dentro. Temos de garantir que não pode ser usada novamente quando seguirmos em frente. Não só pela nossa própria segurança, mas também por razões estratégicas futuras. O que significa que o túnel em si, que pode ter dezenas de aberturas que foram fechadas e neutralizadas, também tem de ficar inutilizável, mesmo que não seja destruído inteiramente por dentro.

Construir de novo tudo o que vocês destruíram na altura terá levado todos estes anos?

Muitos dos túneis que encontrámos em 2014, apesar de as IDF terem destruído essas infraestruturas, eram em betão armado, por baixo da terra, abaixo do nível do mar. Chegámos a ver um túnel que tinha 90 metros de profundidade. Eles investiram quase duas décadas na construção desses túneis. E os esforços de reconstrução do Hamas, de 2014 até agora, em vez de serem canalizados para a população de Gaza, foram investidos lá em baixo, na cidade subterrânea dos militantes e da liderança do Hamas.

Os túneis que vimos e os que atravessam a fronteira para Israel – e que estudámos depois da guerra – eram constituídos por tetos e paredes de betão armado, com uma altura de dois metros ou mais e uma espessura de 60 a 80 centímetros. Por vezes, até motas conseguem passar por ali. São muito funcionais e estima-se que tenham centenas de quilómetros de comprimento.

Creio que hoje, em 2023, sobretudo depois da experiência de 2014, é seguro dizer que as IDF são especialistas em lidar com este tipo de método de combate – lutar em túneis, eliminá-los ou danificar a infraestrutura, para que não seja utilizada novamente contra nós.

É um procedimento que envolve várias unidades em simultâneo, certo? Não se pode simplesmente bombardear...

Eu sou um oficial de infantaria, portanto sou orientado para aí. Nenhuma batalha na história se fez apenas com ataques aéreos. Creio que a única solução agora, sobretudo em Gaza, são botas no terreno. E é do conhecimento público que toda a infraestrutura está construída debaixo da cidade de Gaza.

Todos sabemos que é uma área com alta densidade populacional, mais de um milhão de pessoas vive naquela área específica da cidade e dos seus arredores, e sabemos que quase todas as aberturas, todo o sistema de túneis, está construído debaixo de áreas civis, debaixo das casas das pessoas, das quintas das pessoas. E, para inutilizar esse sistema de túneis, todas as aberturas têm de ser verificadas, eliminadas ou rebentadas. Depois, temos de garantir que tudo fica limpo e que não pode ser usado no futuro.

"O Hamas sabe que as IDF não vão atacar o hospital pelo ar para não atingir civis não envolvidos."

Estima-se que esse sistema de túneis poderá ter cerca de 500 quilómetros.

Mesmo que tenha 100 ou 200 quilómetros, é seguro dizer que a construção dessa infraestrutura absorveu muitos recursos – de tempo, financeiros e de material de construção. Foi tudo reforçado com betão e, como se sabe, um ser humano não pode respirar debaixo da terra sem ar renovado. Por isso, esse sistema é também muito desenvolvido, de maneira a garantir eletricidade, ar e água, para que as pessoas sobrevivam nos túneis. E sabemos que toda a liderança do Hamas e os seus terroristas vivem, numa base quase diária, debaixo da terra, por recearem os ataques das IDF.

Mencionou como as operações do Hamas estão misturadas com as estruturas civis em Gaza. Quando uma unidade como a sua entra num contexto desses, como previne que sejam atingidos civis?

Quando entramos em qualquer lugar estamos extremamente alerta e prontos para lutar com qualquer terrorista que encontremos, mas estamos ainda mais alerta para a possibilidade de encontrarmos civis não envolvidos, que por vezes não podem abandonar a área – porque têm alguém em casa ou porque não têm para onde ir.

Foi publicado ontem [domingo] pelo porta-voz das IDF que o Hamas não está a deixar as pessoas de Gaza saírem da cidade. Bloquearam as estradas principais, disparam contra pessoas que tentam fugir, porque querem impedir as IDF de entrar. E sabemos que toda a liderança do Hamas, as altas patentes, estão instaladas debaixo de hospitais. Foi revelado por um dos terroristas capturados e interrogados pelo Shin Bet [Serviços de Segurança de Israel]. Disseram, literalmente, que os estavam a enviar para lutar a guerra deles, enquanto eles estão sentados nos seus bunkers – isto quando estão em Gaza, porque fora de Gaza ficam em Doha, no Qatar, ou na Turquia, nos melhores hotéis do mundo.

Sabemos que as IDF tentaram que fossem retirados da cidade e da área metropolitana o máximo de civis. As forças que estão em Gaza agora já viram que muitos civis saíram. As IDF não procuram atingir nenhum civil nem nenhum edifício que não seja necessário para cumprir a missão, que é lutar contra os terroristas e salvar os civis israelitas.

Se houver um edifício que tem por baixo uma porta para um túnel do Hamas, toda a gente que vive nesse prédio sabe que o local está marcado como uma estrutura terrorista ou uma casa para o terror, que as IDF têm como alvo e vão eliminar essas entradas. O que quer dizer que o edifício será afetado.

Mas, por exemplo, no caso do hospital de Al-Shifa, o maior da cidade, há pacientes que não podem mesmo ser retirados. Como é que se conduz uma operação cujo objetivo é eliminar tudo o que está por baixo do hospital quando se sabe que há pessoas que não poderão ser retiradas, que estarão lá, nos andares superiores?

É claro e do conhecimento público que a liderança do Hamas está debaixo dos dois hospitais de Gaza. Não é uma suposição, não está por confirmar... Está confirmado, incluindo pelo Hamas. As IDF publicaram informação sobre isso há dias. Sabe-se há anos, mas por vezes o mundo precisa de novas provas para o que toda a gente já sabe.

O Hamas sabe que as IDF não vão atacar o hospital pelo ar para não atingir civis não envolvidos. Há quem lhes chame danos colaterais, eu chamo-lhes civis não envolvidos. Não têm nada a ver com o objetivo de eliminar o Hamas – a organização terrorista e as suas infraestruturas.

Mas também temos de nos lembrar de algo muito importante: as IDF conseguem apontar uma janela ou um quarto específico num edifício específico, para atacar uma pessoa específica.

Eu tenho a certeza de que as forças estão bem treinadas e sabem precisamente quem têm de atingir e quem precisam de salvar, para não envolver quem não deve ser envolvido. Estou certo de que qualquer força dentro das IDF consegue atingir um terrorista, mesmo que ele esteja dentro de um hospital, e isso não significa que precise de bombardear o local. Significa que saberá exatamente como atuar, por cima e por baixo desse hospital, para garantir que nenhum militante ou terrorista do Hamas lá estão.

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