Guerra Israel-Hamas

As “portas do inferno” onde equipas forenses israelitas ainda identificam corpos

24 out, 2023 - 21:51 • Catarina Santos , enviada especial a Israel

Numa base militar a 20 quilómetros de Telavive foi improvisada uma morgue móvel onde chegaram mais de mil corpos. Ainda há perto de cem por identificar.

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Equipas forenses israelitas continuam a identificar corpos
Equipas forenses israelitas continuam a identificar corpos

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A base militar de Shura ocupa uma extensão de vários quilómetros. Fica no meio de campos, nos arredores da cidade de Ramla, a pouco mais de 20 quilómetros de Telavive e a 40 de Jerusalém.

Lá dentro está montada uma morgue improvisada, com perto de uma dezena de contentores refrigerados. É um de três centros dedicados à identificação dos mais de mil corpos recolhidos no sul do país — a par com um laboratório da Polícia Israelita em Jerusalém e um centro de apoio às famílias, onde são recolhidas descrições dos desaparecidos, amostras de ADN e fotografias.

“Chamamos a este sítio ‘as portas do inferno’”, afirmou aos jornalistas Gilad Behat, diretor do departamento de Investigação e Informação de um dos ramos da Polícia Israelita. “Infelizmente, muitos destes corpos não estão em condições de serem identificados. Há corpos que foram danificados, abusados, decapitados”, conta, especificando o caso de “uma mulher de 70 anos cuja cabeça foi cortada com uma faca” ou “um bebé de seis ou sete meses que foi queimado vivo.”

As equipas "não se limitam a ver os corpos, também têm de olhar nos olhos dos familiares e sabem que têm de lhes dar respostas”, sublinha Gilad Behat.

Mais de 780 destas vítimas foram já identificadas, mas há ainda mais de uma centena de restos mortais sem correspondência com os desaparecidos, adiantam as autoridades.

“Desde a noite de 7 de outubro, começámos a receber corpos de vítimas às centenas, todos os dias”, acrescenta a diretora do Departamento Nacional de Investigação Forense. Michal Levin Arad diz que, em 25 anos de trabalho nas forças policiais, entre ataques terroristas e assassinatos, nunca testemunhou nada assim. “Vi coisas que nunca tinha visto e que espero nunca mais ver.”

Equipas constituídas por profissionais forenses e voluntários de todo o país “têm trabalhado todos os dias, durante 24 horas, divididos em três turnos, sem nos retirarmos para dormir, para comer ou beber, porque sabemos que é crucial para as famílias que identifiquemos os corpos”, explica.

O desgaste emocional, depois de mais de duas semanas ininterruptas de um trabalho delicado, vai-se fazendo sentir.

“No processo forense”, detalha a responsável, “quando abrimos um saco não sabemos o que está à nossa espera. Vemos corpos num estado tão horrível que, de cada vez, precisamos de parar para recuperar. Achamos que já vimos tudo e de repente vemos um bebé. Depois abrimos outro e vemos um monte de cinzas e nem sequer compreendemos o que temos à frente, por isso temos de começar a escavar para tentar encontrar qualquer coisa que nos dê alguma informação biométrica — um osso, um dente, uma unha” que permita prosseguir o trabalho de identificação.

Há casos em que apenas os implantes dentários permitiram atribuir uma identidade às vítimas, porque nem os dentes tinham sobrado, conta Ilana Engel, dentista forense. Noutros, eram “evidentes sinais de tortura”, como situações de “pessoas idosas com os crânios esmagados”.

“Estas visões e os cheiros... é algo que nenhum de nós vai alguma vez esquecer”, assegura.

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