Diário de Guerra

Dia 100. A guerra com 2.300 horas a mais do que o previsto. E está para continuar

03 jun, 2022 - 19:48 • André Rodrigues

No início, não era uma guerra. Era uma operação militar especial. Teria uma duração de 72 horas. Já chegámos aos 100 dias. Na vertigem de uma guerra marcada pela destruição maciça, com recurso a artilharia pesada, Kiev esteve cercada e a ponto de cair. A resistência ucraniana obrigou os militares russos a recuar. A estratégia de Moscovo voltou à estaca zero: controlar o Donbass e fechar a saída para o Mar Negro.

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Entre uma guerra-relâmpago e um conflito de desgaste passaram-se 97 dias. 97 dias a mais em relação à expetativa inicial do Kremlin que, quando anunciou o início de uma operação militar especial na Ucrânia, contava ter o país dominado em três dias.

Chegámos ao dia 100.

Na sua fórmula inicial, a guerra para a desnazificação e desmilitarização da Ucrânia visava defender os interesses da população russófona das repúblicas independentes de Donetsk e Lugansk – apenas reconhecidas por Moscovo. Mas acabou por chegar a toda a Ucrânia, quase até aos limites ocidentais do país, quase até aos limites do território da NATO.

O Kremlin mobilizou 160 mil militares e dispersou o esforço de guerra por três objetivos distintos: para norte, rumo a Kiev, para leste – o objetivo inicialmente definido – e para o sul, tendo em vista o domínio de toda a frente costeira do Mar Negro.

No entanto, o plano russo subestimou a capacidade das tropas ucranianas, que têm recebido armamento e do Ocidente, e têm infligido perdas consideráveis às forças russas.

A tentativa de tomar Kiev fracassou e Moscovo recentrou o foco no Donbass, a ambição inicial de Putin, mas que, segundo vários analistas, ficou muito aquém do retorno pretendido face ao esforço militar investido.

Para a memória futura deste conflito, estes foram os momentos-chave dos primeiros 100 dias de guerra na Ucrânia.

24 de fevereiro

Vladimir Putin anunciou uma "operação militar especial" para defender as "repúblicas" separatistas do Donbass no leste ucraniano, cuja independência tinha acabado de reconhecer unilateralmente. As forças terrestres russas entram em solo ucraniano.

26 de fevereiro

Putin já ordens ao exército para intensificar a ofensiva. Bruxelas aplica as primeiras sanções económicas a Moscovo e anuncia a compra do primeiro carregamento de armas para a Ucrânia.

28 de fevereiro

Ainda antes de concluída a primeira semana do conflito, delegações diplomáticas da Rússia e da Ucrânia fazem uma primeira aproximação.

2 de março

As forças russas assumem o controlo de Kharkiv, a segunda cidade mais importante da Ucrânia, e de Kherson, no sul do país, próximo da península da Crimeia.

10 de março

É descartada a adesão rápida da Ucrânia à União Europeia. Na resposta à exigência feita por Volodymyr Zelenskyi, os 27 abrem portas para um estreitamento de relações.

21 de março

Mariupol está cercada pelas forças russas. Do terreno chegam relatos de crimes de guerra, que incluem ataques com mísseis contra maternidades bem como o bombardeamento de um teatro que servia de abrigo a civis. Mais de 600 pessoas morreram.

Dezenas de milhar de pessoas estão retidas na cidade portuária estratégica, que foi uma das mais castigadas pela ofensiva russa.

24 de março

Face às dificuldades sentidas na tomada de Kiev, Putin recentra a “operação especial” na “libertação do Donbass” e na desnazificação daquela região onde a defesa do lado ucraniano é feita pelo Batalhão de Azov, uma organização paramilitar considerada terrorista por Moscovo.

2 de abril

A Ucrânia anuncia a retoma do controlo de Kiev após a retirada das forças russas. Dias depois começaram a surgir imagens chocantes de massacres contra civis em Bucha e Borodyanka, atribuídos ao exército russo que, entretanto, se reposicionava a caminho do leste e do sul do país.

8 de abril

O bombardeamento de uma estação de caminhos de ferro em Kramatorsk, no leste da Ucrânia, provocou 57 mortos. Foi o início da segunda fase da guerra. Objetivo: assumir o controlo do Donbass.

14 de abril

A Ucrânia alega ter atingido o cruzador Moskva, o principal navio de guerra da frota russa no Mar Negro. A versão do Kremlin nunca reconheceu o ataque ucraniano. Limitou-se a referir que o navio foi ao fundo após um incêndio provocado por explosão de munições a bordo.

21 de abril

Putin reclama o controlo de Mariupol. Mas subsiste uma bolsa de resistência com cerca de dois mil combatentes ucranianos entrincheirados na fábrica de Azovstal, juntamente com mil civis. Seguiram-se dias ininterruptos de bombardeamentos com artilharia pesada contra o complexo industrial.

Um mês depois, Moscovo anunciava o controlo total de Azovstal. De cidade, pouco restava de Mariupol a não ser os escombros resultantes de bombardeamentos sucessivos. Pelo menos 20 mil pessoas morreram.

23 de maio

Foi condenado a prisão perpétua o primeiro soldado russo acusado de crimes de guerra. Vadim Shishimarine matou um civil de 62 anos numa aldeia em Sumy, no nordeste da Ucrânia. Perante o tribunal, o militar de 21 anos declarou-se culpado.

28 de maio

Moscovo confirma a tomada por separatistas pró-russos da localidade de Lyman. Parte da cidade de Severodonetsk está controlada.

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  • João Lopes
    04 jun, 2022 Porto 16:17
    Viva por muitíssimos anos a "nossa" Ucrânia.

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