Sírios querem "evolução e não revolução"

10 out, 2013 - 16:01 • Filipe d’Avillez, no Michigan

Dois membros da comunidade árabe de Dearborn, no Michigan, têm opiniões muito fortes, e muito diferentes, sobre como resolver a guerra civil na Síria.  

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De Riade a Beirute, todo o mundo árabe discute a questão da Síria. Se isso é verdade no Médio Oriente, não deixa de o ser em Dearborn.

Dearborn? Sim. A cidade dos arredores de Detroit tem a maior população árabe fora do Médio Oriente. São cerca de 40 mil, num universo de 100 mil habitantes. Aumentando um pouco o espectro, os valores crescem. Em toda a área metropolitana de Detroit há 300 mil árabes.

São na sua maioria libaneses, sírios e iemenitas e os primeiros rumaram a Detroit por causa de um homem muito particular: “Havia árabes-americanos na maior parte das principais cidades americanas por volta do ano 1900. Detroit não era excepção, mas foi só a partir dos anos XX, quando Henry Ford abriu uma das suas fábricas em Highland Park, a Norte de Detroit, que chegou uma concentração maior de libaneses, sírios e alguns iemenitas, para trabalhar na fábrica. Em 1927 Ford abriu a fábrica de River Rouge aqui na cidade de Dearborn”, explica Matthew Jaber Stiffler, investigador do Museu Nacional Árabe Americano, em Dearborn.

Não é preciso ir longe para encontrar pessoas com opiniões muito fortes sobre a situação na Síria. Poucas, contudo, querem dar a cara. Uma das que não tem medo de falar é Sawsan Jabri.

Médica de formação, trabalhou em vários hospitais em Damasco e agora dá aulas de biologia no ensino superior em Michigan. Esta activista, que se apresenta de lenço islâmico a cobrir-lhe o cabelo, mas com a cara destapada, não tem dúvidas sobre a origem do mal que aflige o seu país de origem: “Assad devia ter sido derrubado há muito tempo. Acredito mesmo que o seu regime arruinou o país inteiro. A economia, a situação geral, até os recursos naturais.”

Juntamente com outros membros da diáspora, Jabri organiza manifestações e faz campanha por uma intervenção internacional: “Tem de haver acção internacional contra o regime de Assad, não contra a Síria, temos de diferenciar entre os dois. Tem de haver uma intervenção, isto não pode ser tolerado. Trata-se de matar cerca de 1.500 pessoas no espaço de uma hora, é um massacre em larga escala e pode acontecer de novo”, considera.

A poucos quilómetros de distância encontramos, no seu gabinete, Osama Siblani. Mais do que o dono do “Arab-American News”, um semanário publicado em inglês e em árabe, Siblani é uma das principais figuras da sociedade árabe em Dearborn.

Natural do Líbano, Siblani não deixa de ter opiniões firmes sobre a situação na Síria, bem diferentes das manifestadas por Jabri. “Eu sou contra a intervenção. Os EUA não são o polícia do mundo. Nem deviam ser. Não é do interesse da América intervir, não é do interesse da Síria que a América intervenha. De que lado é que devíamos intervir? Se lutarmos contra o regime vamos encontrar-nos ao lado de grupos como a Al-Qaeda e o Jabhat al-Nusra, contra quem supostamente temos combatido ao longo dos últimos 13 anos.”

O jornalista, que acima de tudo é defensor do pan-arabismo e tem orgulhosamente atrás da sua secretária uma fotografia de Gamal Abdel Nasser, também não acredita que Assad tenha ordenado o ataque com armas químicas, apontando o dedo a outro ponto do mundo árabe. “O regime tem uma estrutura bem organizada, que evita que estas coisas aconteçam. Do outro lado há uma situação caótica com as lealdades divididas e há uma peça importante que foi introduzida recentemente, Bandar bin Sultan [membro da família real da Arábia Saudita] que está encarregue das relações com a oposição por parte da Arábia Saudita. Alguns jornalistas têm indícios de que ele terá dado armas químicas à oposição.”

Curiosamente é numa das suas principais diferenças que estes dois árabes americanos mais convergem. Nem Osama Siblani nem Sawsan Jabri consideram que este conflito se explica simplesmente por diferenças sectárias, mas cada um procura com isso sustentar posições diferentes.

Para Jabri, a conversa de problemas sectários na Síria não passa de propaganda do regime: “Penso que o regime está a esforçar-se por concentrar-se neste assunto da crise sectária. Sempre vivemos com os cristãos, os alauitas, os xiitas, com todas as seitas na Síria. Porquê esta preocupação de repente? Penso que é propaganda do regime. Depois, acho estranho este medo das minorias sobre o impacto de um futuro Governo. Todos os massacres que aconteceram até agora foram contra a maioria sunita. Não houve qualquer massacre de minorias, não me lembro de um único massacre contra cristãos.”

Osama Siblani, por outro lado, considera que as minorias estão com o regime mas que nem a maioria dos sunitas estão com a oposição: “Alepo e Damasco são de maioria sunita e no início os rebeldes não conseguiam entrar em Alepo. Quando conseguiram e começaram a destruir, a maioria das pessoas queria o regime de volta. Não digo que os sunitas gostem do regime, mas de certeza que não são a favor da situação caótica do país. Querem mudança, mas querem evolução e não revolução.”

Quanto a uma resolução do conflito, Osama Siblani lamenta que esta não venha tão cedo, mas considera que um primeiro passo essencial é um entendimento entre Washington e Moscovo: “Provavelmente não vai acabar tão cedo, porque o conflito tem três níveis. O nível mais fraco é o local. Não penso que os sírios ou os países árabes sejam capazes ou queiram juntar-se para resolver esta situação. Por isso temos de começar por cima, é preciso haver um acordo entre a América e a Rússia. E eles têm de envolver a Arábia Saudita, a Turquia, o Irão e Israel para encontrar uma solução a nível regional. Quando isto for feito o nível local resolver-se-á mais depressa do que se pode imaginar”.
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