24 abr, 2022 - 23:08 • José Pedro Frazão , enviado especial à Ucrânia
Bucha. O nome desta cidade parece hoje em dia dizer quase tudo. É uma terra inscrita desde há dois meses na galeria dos horrores do século XXI. As principais organizações internacionais de direitos humanos não duvidam que aqui foram cometidos crimes de guerra durante a ocupação por tropas russas em Março.
Está uma tarde ventosa quando encontro um homem de batina preta, muito alto e atarefado, procurando dar respostas a todos. Andrii Holovine, de rosto cavado pela tragédia, é o padre da Igreja ortodoxa de Santo André e Todos os Santos, em Bucha, arredores de Kiev. Foi nos terrenos da sua Igreja que no início de Março foram enterrados dezenas de corpos numa vala comum.
"Durante a guerra, muitos corpos ficaram acumulados na morgue. Mas não havia electricidade nas câmaras frigoríficas e sobravam ainda muitos corpos caídos nas ruas da cidade. Era urgente encontrar uma solução e fazer um funeral era problemático e sobretudo perigoso. Assim decidiu-se depositar um conjunto de corpos nesta zona em torno da Igreja. No dia 10 de Março foram sepultados os primeiros 67 corpos, todos de uma vez", relata este padre ortodoxo logo após a saída de mais especialistas forenses do local.
Este homem alto e magro que lidera a paróquia reconhece que a guerra é uma realidade antiga na vida dos homens, mas sublinha que estas pessoas morreram sem que ninguém as salvasse das forças russas.
"Estas mortes são muito dolorosas porque estas pessoas morreram de forma anónima e invisível. Não mereciam ter tombado assim", continua este padre em tom constante, quase como se a dor de tudo à volta em Bucha tivesse padronizado a voz e as expressões faciais de quem não pára de presidir a funerais.
A trinta quilómetros da Maidan, a praça das revoluções e das liberdades, fica um terreiro de morte que foi percorrido nas últimas 3 semanas por todo o tipo de pessoas. Jornalistas locais e internacionais, ucranianos anónimos que buscam familiares desparecidos, peritos forenses que procuram vestígios para a investigação de crimes de guerra, delegações de políticos e diplomatas, todos eles vão visitando os locais de tragédia às portas de Kiev .
"Eles tomaram a Crimeia e o mundo ficou em silêncio. Atacaram o Luhansk e o mundo voltou a ficar silencioso. espero que agora possam ter consciência de que o Mal não quer parar aqui. Vai procurar cada vez mais a Europa, ele está à espreita", avisa o Padre Holovine numa mensagem em linha com muitos avisos que os estrangeiros escutam quando chegam à Ucrânia.
E o futuro deste espaço, o que será ? "Talvez se construa um memorial" , diz o padre ortodoxo de Bucha. "Mas primeiro temos que acabar a guerra"