11 de setembro, 20 anos depois

"Combate ao terrorismo passou a fazer parte do politicamente correto da comunidade internacional"

11 set, 2021 - 09:10 • Fábio Monteiro

Francisco Seixas da Costa, que em 2001 era embaixador de Portugal nas Nações Unidas, recorda a forma como reagiu aos atentados contra as Torres Gémeas e o Pentágono, as dificuldades que enfrentou para falar com Portugal. E explica ainda o que mudou quando falamos de terrorismo pós 11 de setembro.

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Em 1972, Francisco Seixas da Costa passou por Nova Iorque como turista; na época, visitou uma das uma das Torres Gémeas, a segunda ainda estava em construção. Já em 2001, vivia na grande metrópole norte-americana, desempenhava funções como embaixador de Portugal nas Nações Unidas. Três meses antes do atentado terrorista cujas imagens ficaram incrustadas na memória do mundo, visitou os edifícios com o pai. “Aquela desaparição é uma tragédia para a memória daquela espantosa cidade”, conta.

Em entrevista à Renascença, o diplomata recorda a forma como reagiu ao atentado, as dificuldades que enfrentou para falar com Portugal. E explica ainda o que o ataque de há 20 anos mudou quando falamos de terrorismo.


A de 11 de setembro de 2001, vivia em Nova Iorque. Era embaixador de Portugal nas Nações Unidas. Curiosamente, por esses dias, a ONU debatia o conceito de terrorismo. Passados 20 anos, como interpreta essa coincidência?

A verdade é que houve vários atos terroristas antes do 11 de setembro. Mas a questão do terrorismo à escala internacional, e em particular a tentativa de definição do conceito de terrorismo, era um assunto muito importante.

Existia uma discussão se determinado tipo de atos, embora cometidos contra civis, mas em termos de natureza política e considerados, digamos, legítimos, poderiam eventualmente configurar o conceito de terrorismo.

Essa questão era particularmente discutida pelos países árabes: muito daquilo que foi o debate à volta do terrorismo tinha a ver com as ações dos palestinianos, tinha a ver com as ações da OLP [Organização para a Libertação da Palestina] e de um conjunto de atividades de natureza política radical.

Diria que houve movimento imediatamente a seguir ao 11 de setembro no sentido de fechar o conceito, de criar uma tipificação muito clara que permitisse atuar relativamente às ações de natureza mais radical, mas a questão acho que nunca ficou definitivamente fechada.

O 11 de setembro acabou por contribuir para criar mecanismos de combate ao terrorismo. Aliás, no dia imediatamente a seguir [ao atentado] há uma resolução do Conselho de Segurança sobre combate ao terrorismo. Uma resolução vinculativa com muitos países a subscrever; em termos internacionais, é algo histórico na história das relações internacionais.

O 11 de setembro marca, efetivamente, um antes e um depois.

O 11 de setembro contribuiu para criar a obrigatoriedade - quando digo obrigatoriedade, meço o peso da palavra - da comunidade internacional e de cada país em particular de ser muito firme relativamente a tudo aquilo que pudesse indiciar o favorecimento do terrorismo.

Estou-me a lembrar em particular da questão financeira. Imediatamente a seguir, o financiamento de terrorismo e as redes de financiamento do terrorismo através de circuitos de lavagem de dinheiro, etc... foram muito atacados. E mais do que isso. Todas as dúvidas, reticências que havia à volta disso, desapareceram rapidamente.

O combate ao terrorismo passou a fazer parte do politicamente correto da comunidade internacional. E mesmo alguns países que tradicionalmente se mostravam algo relutantes em aceitar uma linguagem internacional nesta matéria foram obrigados pelo impacto, pelo choque da barbárie que tinha acontecido em Nova Iorque naquele dia, a muito rapidamente porem de parte todas as suas reticências e juntarem-se à voz comum.

Não é por acaso que, por exemplo, a Rússia acabou muito rapidamente por facilitar as ações americanas no Afeganistão. A Rússia autorizou os voos, o sobrevoo do território. Países da órbita da Rússia, como Uzbequistão ou o Quirguistão, permitiram a utilização de bases por parte dos EUA. Ou seja, há um momento de natureza global no sentido de rejeição e profundo repúdio dos atos terroristas. E o 11 de setembro contribui para a densificação do quadro legal normativo nessa matéria.


"Aquela desaparição é também uma tragédia para a memória daquela espantosa cidade. Traumatizou-me muito a queda das torres, por todas as razões"

No dia, segundo li, estava a caminho das Nações Unidas, na baixa de Manhattan, quando ocorreu a colisão do primeiro avião com a torre norte do World Trade Center. Mas foi já dentro do edifício que tomou consciência que estava perante um atentado terrorista.

Sim, porque no primeiro caso pensou-se que podia ser um acidente. Portanto, havendo um segundo avião a bater contra a segunda torre, digamos que a hipótese do acidente estava afastada. Era manifestamente um atentado.

Nós não sabíamos era a dimensão do atentado e em particular não fazíamos ideia que as torres iam cair, esse também é um ponto. Nós pensámos que ia haver um incêndio, que haver a afetação de uma zona das torres, mas a ideia de que as torres iam cair era uma coisa que nunca nos passou pela cabeça na altura. Só depois tendo em conta o que eram os aviões - grandes aviões, cheios de combustível -, tudo isso alterou o panorama. Só viemos a saber tudo isso muito mais tarde.

Falou, logo na manhã do dia, com o então Presidente Jorge Sampaio.

Foi ele que teve a iniciativa de me ligar para Nova Iorque para saber como estávamos na missão, etc... Eu não me lembro de ter informado Lisboa do assunto.

Acho que vi tanto do ato terrorista em Nova Iorque como viu qualquer pessoa em qualquer parte do mundo. Nós não conseguíamos ver as Torres Gémeas de onde estávamos. Tínhamos as televisões ligadas, portanto o que víamos era o que via qualquer pessoa em Lisboa ou no Taiti. Era exatamente a mesma coisa.

Curiosamente, a minha mulher é avisada pelo filho do Dr. Jorge Sampaio. É quem lhe telefona de Lisboa a avisá-la de que há um ato terrorista. A minha mulher não sabia também. Eu nem sequer tinha falado com ela.

As coisas processam-se com uma rapidez tal que nós não controlamos o nosso tempo.

Recorda-se do que comunicou ou que orientações recebeu do Presidente?

Foi uma chamada mais de cariz pessoal e humano, no sentido de perguntar se estávamos bem, se havia algum problema que afetasse as Nações Unidas. Eu disse que não sabíamos nada, sabia tanto como ele.

As Nações Unidas já tinham sido evacuadas e, portanto, estávamos a aguardar com muita ansiedade, alguma angústia. Mas sem medo, é uma coisa curiosa. Hoje recordo-me retrospetivamente: não senti nenhum medo particular, senti uma tensão muito grande, mas não senti nenhum medo especial. Se algo tivesse de acontecer, aconteceria quer nós quiséssemos quer não.

Procurei foi resolver os problemas das pessoas da missão que, entretanto, foram mandadas para casa, porque as crianças saíram das creches e tinham que sair de Manhattan.

Ficámos por ali um bocadinho à espera do que ia acontecer. Na expectativa que obviamente ia ocorrer uma forte reação quer do Governo norte-americano, quer da comunidade internacional em geral, como aliás se veio a ver nos dias seguintes nas Nações Unidas.

Intervim depois nas Nações Unidas sem instruções de Lisboa, porque, entretanto, até perdemos os contactos. A central de comunicações funcionava perto das Torres Gémeas e acabou por colapsar. Mas eu não precisava de instruções para saber a reação que havia de ter junto das Nações Unidas nesta matéria. Era uma coisa óbvia para um diplomata com o mínimo de experiência.


11 de Setembro. Os 20 anos serão apenas o início da guerra perpétua ao terrorismo?
11 de Setembro. Os 20 anos serão apenas o início da guerra perpétua ao terrorismo?

Esteve quanto tempo sem contacto com Portugal?

Isto é assim, os ataques têm lugar por volta das 9h00 da manhã de Nova Iorque. Eu regressei à missão de Portugal por cerca das 10h00. Lembro-me que às 10h30, 11h00, tive um contacto com o Dr. Jorge Sampaio e com o secretário-geral do ministério, que me ligou, o embaixador João Salgueiro. E depois nós deixámos de poder ligar para Lisboa.

Lisboa podia ligar para nós e nós deixámos de poder ligar para Lisboa. Ficámos sem contactos, sem a possibilidade de dizer qualquer coisa. A única mensagem que transmiti foi que estava tudo bem na missão, que, em princípio, não havia problemas com ninguém ligado à missão. Que pela nossa avaliação não devia haver turistas portugueses no topo das Torres Gémeas, porque àquela hora ainda não tinha aberto o turismo para visitar o topo das Torres Gémeas. Onde, aliás, tinha estado com o meu pai três meses antes.

Tinha visitado as Torres Gémeas com o seu pai?

Sim. Ele tinha 91 anos. Tinha vindo de avião de Portugal e estado em Nova Iorque a visitar-me um mês ou dois meses. Tinha regressado a Portugal pouco tempo antes. Estava a viver em Vila Real. Eu aproveitei uma chamada de uma jornalista do Expresso, porque já não conseguia contactar o meu pai e pedi-lhe que lhe ligasse e dissesse que estava bem. Era a única maneira que o meu pai tinha.

Mas sabe… é curiosa a minha relação com as Torres Gémeas. Eu tinha ido às Torres Gémeas pela primeira vez em 1972. Como turista, subi a uma, a outra ainda estava em construção. Passei por Nova Iorque durante a construção de uma das torres e assisti, embora à distância, à queda das duas. Portanto, é uma circunstância muito curiosa desta relação que tenho com aquele cenário de fundo do sul da ilha de Manhattan.

Como é que isso o faz sentir?

Não sei se o que sinto é nostalgia. No fundo, é a noção que as coisas podem mudar muito rapidamente e aquilo que era, no fundo, o símbolo do poderio de Nova Iorque, porque as duas torres impunham-se. Se a gente olhar para as fotografias do cenário de Nova Iorque, tinha havido o tempo do Empire State Building e depois as torres passam e ficam ali como um elemento muito marcante naquele sul de Nova Iorque. Aquela desaparição é também uma tragédia para a memória daquela espantosa cidade. Portanto, devo dizer que me traumatizou muito a queda das torres, por todas as razões, mas também porque aquilo significava o ruir de uma certa Nova Iorque.

O seu papel - e de qualquer diplomata - mudou com o atentado.

Devo dizer que é um momento marcante na minha vida - quer como diplomata, quer como cidadão. E é um momento de angústia relativamente a um mundo. Há a noção que aquilo por um lado acelerou a História, no pior sentido, e por outro lado induziu elementos de tensão que nós, diplomatas, vivemos a tentar diminuir. Nós tentávamos garantir no dia a dia a melhoria das relações, o estabelecimento de um padrão comportamental, ao nível da comunidade internacional, mais ou menos comum.

As circunstâncias de haver um ato daquela forma que atinge a maior potência mundial, com a força, com a barbárie que foi em termos de tragédias humanas. Nós pressentimos, agora tudo vai mudar. Todos os esforços que têm sido feitos no sentido de pacificar a comunidade internacional, claramente vão ficar de lado, porque isto vai obrigar a uma reação internacional que tem consequências de natureza militar. Naturalmente isto muda o panorama internacional.

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