Hora da Verdade

"Há sempre diálogo possível com PS", depende é do projeto político

02 mar, 2023 - 07:00 • Susana Madureira Martins (Renascença) e Ana Bacelar Begonha (Público)

Quatro anos após a "Geringonça", Mariana Mortágua admite "confluência de forças" com o PCP com quem, diz, o Bloco de Esquerda se encontra "em muitos lugares da vida democrática" e inclusive "com muita gente do PS". Em entrevista ao programa Hora da Verdade da Renascença e do jornal Público, a dirigente bloquista diz que "há sempre diálogo possível" com o PS, mas garante que com esta maioria absoluta só resta ao Bloco "criar alternativas".

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Mariana Mortágua. "Há sempre diálogo possível com PS", depende é do projeto político
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Mariana Mortágua, candidata à liderança do Bloco de Esquerda na Convenção de maio, evita falar de como será a relação com o futuro PS, com António Costa fora da equação e, eventualmente, tendo Pedro Nuno Santos à frente do partido.

Tudo depende do que o PS decidir "que quer ser no futuro", desafia a bloquista.

Olhando para o passado, a deputada salienta "diálogos importantes" que teve com os socialistas e que encontrou "interlocutores importantes e leais" como o já falecido ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Fernando Rocha Andrade

Até que ponto é possível um diálogo com o PS nos próximos tempos?

O PS tem de decidir o que é que quer ser no futuro. Neste momento, o PS é uma maioria absoluta que não chegou a ter estado de graça, que não cumpriu as suas promessas, nem na forma nem no conteúdo, porque não é mais dialogante, tem maior arrogância e cria mais instabilidade ao país.

Não há diálogo possível, então?

Há sempre diálogo possível. O diálogo não é uma decisão, não é uma questão de afirmação, não há um cálculo por trás disto, mas há políticas. A política determina o diálogo.

Num cenário sem António Costa continuam a rejeitar acordos com o PS ou ainda será possível no futuro?

O PS que existe é o PS de hoje, empenhado numa maioria absoluta arrogante e que escolheu um lado. Quando escolheu não aumentar os salários e fazer uma política de apoios pontuais, enquanto protege os lucros extraordinários da inflação, esta maioria absoluta escolheu um lado e esse lado empobrece as pessoas e cria desigualdades ao país. É uma governação contra as pessoas, contra as pessoas. E é em relação a essa maioria absoluta que eu tenho a obrigação e o dever de me posicionar. E tenho um dever ainda maior que é o de criar alternativas e de apresentar soluções às pessoas. A esquerda existe para isso, não existe para ser só protesto, só denúncia, embora o faça com muita clareza.

Nos tópicos iniciais da moção, admitiam que o BE ia "procurar convergências políticas à esquerda com o PCP e outras forças", mas na moção final retiraram a referência ao PCP. Porquê? Já não admitem um entendimento?

Os entendimentos que o BE procura e que são os que contam porque são os duradouros, são os entendimentos em torno de políticas, ou seja, é preciso combater a especulação imobiliária, lutar por melhores salários e por actualizações salariais, por medidas de combate à precariedade, pelo SNS e pelo investimento na Saúde. É em torno dessas propostas que se constrói movimento social e é nesse movimento social em que o BE certamente participa — com as suas propostas, os seus activistas, a sua capacidade —, que nos encontramos, não só com o PCP, com toda a gente de esquerda, com muita gente do PS que não desiste e que continua a achar que é possível viver melhor.

Existe algum tipo de articulação entre o BE e o PCP para convocar a contestação social na rua?

O BE e o PCP encontram-se em muitos lugares da vida democrática, temos muita coincidência em votos no Parlamento, em matérias essenciais e certamente também nos encontramos em muitas reivindicações nos movimentos sociais. Fazemos parte de uma esquerda muito maior que o BE e o PCP, de um povo de esquerda que não desiste e acredita nesse projecto de solidariedade e rejeita a ideia da selvajaria de direita. Acho que nesse espaço existe sempre a vontade de haver confluência de forças e de energia.

Mariana Mortágua, Pedro Nuno Santos e Paulo Raimundo. É um cenário que gostava de ver?

Temos que nos afastar desse tipo de cenários [futuristas] porque, sinceramente, eles não servem nada a não ser para alimentar cenários jornalísticos e de comentário político. A política é diferente, a política não se faz nesse tipo de cálculos. O que importa é se é possível afirmar um projecto alternativo. Existe ou não existe uma maioria social para isso? Sem isso não se faz nada.

Mas foi possível um diálogo com Pedro Nuno Santos, como secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares. Imaginando que possa ser um entendimento mais fácil, é ou não é?

Tivemos no passado diálogos importantes e encontrámos interlocutores importantes e leais. Relembro muitas vezes o trabalho que fiz logo no início do acordo parlamentar com o PS, foram constituídos grupos de trabalho em várias áreas, uma das áreas era a fiscalidade. Tenho na memória muito forte o trabalho que fizemos com o [Fernando] Rocha Andrade [antigo secretário dos Assuntos Fiscais, entretanto falecido] em medidas fiscais importantíssimas, uma delas que veio a ser conhecida como o "imposto Mortágua, que é uma taxa sobre imóveis de luxo.

Esse trabalho foi possível fazer, mas acho que enganamos as pessoas quando lhes dizemos que fazer uma coisa ou fazer outra depende das pessoas serem mais simpáticas, menos simpáticas, de haver uma melhor relação pessoal ou uma pior relação pessoal. Esse acordo acabou quando António Costa decidiu que queria uma maioria absoluta, e isso não depende de relações pessoais, isso depende de projetos políticos. No dia em que o PS entendeu que o seu projeto político era o projeto da maioria absoluta, um acordo com a esquerda já não poderia funcionar. Aliás, era preciso que falhasse para que a maioria absoluta se apresentasse como a única solução possível ao país.

Evitamos falar em nomes ou em relações pessoais, porque o que conta mesmo são os projetos políticos e o PS terá de decidir qual é o seu. Neste momento, o projeto político do PS é aquele que António Costa decidiu nesse momento, que é o de lutar por uma maioria absoluta do Partido Socialista, que hoje sabemos não trouxe nem estabilidade, nem mais diálogo.

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  • João Lopes
    02 mar, 2023 Porto 09:53
    O Bloco de Esquerda tem muito pouca representação social e política. É "gente bem" da Esquerda Comunista...

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