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Hora da Verdade

Paulo Raimundo: Há "uma gestão política" dos casos judiciais. "É uma evidência"

26 jan, 2023 - 07:00 • Susana Madureira Martins (Renascença) e Ana Bacelar Begonha (Público)

"O nosso papel não é derrubar governos", dispara Paulo Raimundo em entrevista ao Hora da Verdade da Renascença e do jornal Público. O secretário-geral do PCP diz-se concentrado em "forçar" o Governo a responder "aos problemas que as pessoas enfrentam". Garante que os comunistas não têm "nenhuma obsessão com eleições antecipadas", nem veem o Presidente da República a dar sinais de querer dissolver o Parlamento ou demitir o Governo. "Não lhe passa pela cabeça"

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O secretário-geral do PCP considera que há uma "gestão política" dos casos judiciais que têm provocado demissões no Governo e atingido diversos partidos.

Em entrevista ao programa Hora da Verdade da Renascença e do jornal "Público", Paulo Raimundo fala ainda das buscas que a Polícia Judiciária fez esta semana à câmara de Setúbal, de gestão CDU: "Se há alguma coisa para investigar, que se investigue rapidamente".

Refere ainda que estes casos mostram que o país está "perante uma situação que mina o próprio sistema democrático" que "arrasta todos para o lamaçal"

Esta semana houve buscas na câmara de Setúbal, uma autarquia governada pelo PCP. Estão a ser investigados alegados processos relacionados com contratação pública na área do urbanismo quando o município era presidido pela anterior presidente Maria das Dores Meira. Está descansado com esta investigação?

Se há uma investigação é porque houve alguma denúncia, algum indício de alguma questão. O que queremos, o que quero em particular é que se há alguma coisa para investigar, que se investigue rapidamente e rapidamente se apurem os factos que houver a apurar. Não tenho nenhum comentário particular sobre essa matéria.

Não estranha esta actuação do Ministério Público?

Não nos podemos queixar de respostas insuficientes por parte da Justiça, por falta de respostas, por atrasos, e, depois, perante investigações em concreto, queixarmo-nos disso. Não dou nenhuma particular dimensão a esta questão.

Esta semana, um dirigente do PS dizia à Renascença que há uma indústria de denúncias anónimas hostis ao PS. Há alguma mão invisível que o PCP veja que esteja a funcionar em termos de Justiça?

Não há um problema de coincidências. Temos tido, praticamente todos os dias, dados actualizados face às novas notícias que vão surgindo. Não sei se é mão invisível, mas uma gestão política destes casos, acho que há. É uma evidência. Basta ver que, nas várias sequências de “casos e casinhos” que têm surgido, diferentes uns dos outros — é bom que se diga isto, também — nalguns casos são notícias requentadas com mais de dois anos já, que voltam a surgir com uma nova dimensão que não têm ou que podem não ter. Acho que há aqui um problema mais de fundo. Estamos perante uma situação que mina o próprio sistema democrático, mina a democracia e quer arrastar todos para o lamaçal. Essa é que é a questão de fundo com que estamos confrontados. É preciso, primeiro, que a Justiça cumpra o papel que tem — e está a fazê-lo —, que tenha meios para isso, mas simultaneamente também não procurar desviar a atenção para o centro destes casos que todos os dias vão surgindo, desviando daquilo que é fundamental, que é a situação das pessoas e a situação do país.

Este caso de alegada corrupção, por exemplo, na Câmara de Lisboa, já existiam suspeitas antes, e só agora é que foram constituídos arguidos. O Ministério Público funciona à medida do espaço mediático?

Não me parece isso. Aliás, acho que o Ministério Público funciona em função dos seus próprios tempos, dos tempos da Justiça, que é um tempo diferente porque, lá está, tem que haver investigação, tem que haver procura, tem que haver o andamento do processo. Agora, há uma diferença entre aquilo que é o papel e a investigação e a execução do Ministério Público e a gestão, podíamos dizer assim, mediática de um conjunto de casos. Como lhe disse, há coisas que têm dimensão criminal, ou podem vir a ter, há outras que vão surgindo na praça pública apenas para criar uma situação de sucessivos casos. Essa é a situação com que estamos confrontados.

Devido a esses casos e sucessivas demissões, parece estar instalada uma crise no executivo. Considera que ainda há condições para o Governo manter-se em funções ou seria melhor convocar eleições?

Não temos nenhuma obsessão com eleições antecipadas. E, para além disso, a questão principal para nós não é tanto este conjunto de “casos e casinhos” como têm vindo a ser classificados. A questão, para nós, de fundo, é a questão das opções políticas, aí é que está o problema. E, portanto, o facto de [o Governo] ter maioria absoluta por si só não é um garante de que chegará até ao fim. A questão das opções políticas que toma de fundo é que são aquelas que nós criticamos. O que pode não levar o Governo até ao fim é a política que desenvolve. E nós entendemos que é uma política errada.

As opções que tem feito são opções erradas e são opções que no fundamental são acompanhadas por aqueles partidos que exigem todos os dias eleições antecipadas. Ou, pelo menos, que se começam a perfilar nesse sentido. Basta ver aquilo que são as opções de fundo, como disse, do ponto de vista económico e até do ponto de vista social, para ver que PS, PSD, Chega e Iniciativa Liberal, no caso da Assembleia da República, alinham perfeitamente. Aliás, há duas matérias, há dois aspectos em concreto onde essa semelhança é reveladora. Quando toca a beliscar os lucros dos grandes grupos económicos, lá estão unidos contra essa opção. Ou quando toca, ultimamente, a questão dos direitos dos trabalhadores, em particular nos salários, também lá estão unidos a travar esse andamento. E é isto também que os outros partidos, em particular estes, como frisei, não querem discutir. Querem discutir outras coisas, os tais 'casos e casinhos'. Agora, diz-me assim: demissões, alterações, este conjunto de casos ajuda à credibilidade do Governo? Acho que não ajuda, é uma evidência. Isso não ajuda.

Neste mesmo espaço, Jerónimo de Sousa admitiu que o governo PS talvez não chegasse ao fim porque tem um histórico de “processos de impulsão”. Concorda com essa perceção?

O meu camarada Jerónimo de Sousa estava a ser visionário naquilo que afirmou aqui, porque está à vista o conjunto de problemas. E eu queria sublinhar isto, desculpe estar a repetir, mas a questão de fundo são as opções políticas. Porque nós temos, por exemplo, o problema da TAP. A questão da TAP está no centro de um conjunto de problemas que levou até à queda de secretários de Estado e de ministros não pouco importantes. Mas a questão que se coloca sobre a TAP é que nós temos uma empresa que é pública, que há 20 anos que procuram privatizá-la, objectivo esse, que é um objectivo declarado do Governo, apoiado pelo PSD, pelo Chega, pela Iniciativa Liberal, e que há 20 anos anda neste processo de gestão de uma empresa pública a partir de critérios de gestão de empresas privadas.

Aliás, só isso é que permite que tenhamos sido confrontados com estas notícias recentes destas indemnizações milionárias, mas que não são únicas. Já houve atrás este tipo de indemnizações, deste tipo destes valores e nalguns casos superiores. Agora, temos duas opções: ou desistimos do problema da TAP, do papel que tem, da nossa opção de continuar a ser uma empresa pública com uma gestão diferente, naturalmente, ou desistimos do problema dos casos decorrentes da TAP. Portanto, nós preferimos centrar-nos na questão fundamental.

A soma de casos não implica a perda de condições políticas para o Governo continuar e manter-se em funções?

É claro que a soma de casos consecutivamente neste registo que temos vindo a assistir — como disse há pouco, estamos sempre sujeitos a estar desactualizados, qualquer comentário que façamos hoje, amanhã pode estar desatualizado — não ajuda. Naturalmente, não ajuda à credibilização do Governo, mas eu acho que o maior problema, com que estamos confrontados, não é o problema do Governo que está descredibilizado. É o problema do Governo que está descredibilizado e é o problema, lá está, de tentativas de arrastar para o lamaçal político todos. Agora, isso do ponto de vista daquilo que levanta no dia da manhã é muito perigoso.

Perante esta crise política, o PCP aceitaria que o Presidente da República em vez de dissolver o Parlamento demitisse o Governo e convidasse António Costa a formar um outro Governo?

O senhor Presidente da República, por aquilo que tem manifestado publicamente, não me parece que tenha esses elementos no horizonte. Aliás, tem sido muito claro desse ponto de vista, na ideia de que, não lhe passa pela cabeça dissolver a Assembleia da República neste momento. Pelo menos, daquilo que tenho presenciado, penso que é essa a conclusão que se pode tirar das suas palavras. O conjunto de instrumentos ao serviço do Presidente do ponto de vista constitucional são muito amplos. Esse a que fez referência é uma hipótese. Não me parece, sinceramente, que seja uma opção que esteja em cima da mesa. Mas, pronto, naturalmente, pelo senhor Presidente falará o senhor Presidente.

Sim, e pelo PCP, fala Paulo Raimundo...

A questão para nós é a questão da opção política que se toma. Diria assim: o que é que serviria ao país, por exemplo, uma solução desse tipo de formação de um novo Governo, se a política no fundamental se mantivesse tal e qual como está agora? Ou pior, se acelerasse? O grande conflito que há entre o PS e, em particular, o PSD, o Chega e a IL, não é um problema das opções diferentes de fundo. É um problema do ritmo, da implantação da política. Qual era o resultado para o país desse ponto de vista? Zero. E, portanto, não é isso que resolve o problema.

O que resolve o problema é aquilo com que estamos confrontados do ponto de vista económico, do ponto de vista social, de um conjunto de problemas muito significativos a que o Governo não dá resposta. Seja este Governo com esta composição,seja o Governo que viesse eventualmente a seguir, se não mudar a política, o resultado seria o mesmo. Era uma questão de mais três meses, quatro meses, cinco meses, o que fosse. Portanto, não é por aí que nós resolveremos os problemas.

O Governo criou recentemente um questionário de escrutínio prévio aos governantes. O PCP tem algum mecanismo semelhante para os seus dirigentes?

Não quero ser muito desagradável, mas acho que andámos aí talvez três semanas de volta de um papel, mais um papel, um documento. É uma fuga para a frente do Governo, perante aqueles casos. E que do ponto de vista prático, não tem eficácia nenhuma.

Mas aqui o Presidente da República também deu conforto.

Se calhar, eventualmente, não teve alternativa a fazê-lo, não sei. Mas, sinceramente, acho que andámos a discutir um papel, perguntas, que não tem efeito nenhum prático. Acho que não é por aí. Até acho que perdemos horas a fio a discutir um papel que não altera a questão principal, no nosso entender, claro, não altera a questão de fundo, que é a questão da política, da opção política.

Este foco no PS e no Governo pode ser benéfico para o PCP? Ou seja, pode dar tempo e espaço para reforçarem o PCP, que foi um dos objetivos que assumiram na conferência nacional?

Estamos a procurar reforçar o partido nas suas várias linhas de trabalho, de acção, de intervenção, tomar a iniciativa como afirmámos na conferência, voltado para os problemas em concreto das pessoas. É nesse enquadramento que estamos, em torno dos salários, em torno da produção nacional, em torno das potencialidades do país, que tem, de facto, potencialidades nalguns casos únicas para poder-se desenvolver. Do ponto de vista da distribuição da riqueza, nós temos um problema.

Ainda voltando à questão da TAP, por exemplo, uma parte significativa dos comentadores que vamos ouvindo vão-se escandalizando com os 3 mil milhões que o Estado injectou no financiamento da TAP, mas ninguém se escandaliza com os 4 mil milhões de euros de lucros dos grupos económicos nos primeiros 9 meses do ano passado ou com os 6 mil milhões de euros que o Orçamento do Estado entrega ao sector privado da saúde ou com os 3 mil milhões de euros que o Estado decidiu entregar de forma directa e indirecta às empresas da energia.

É nisso que estamos focados e não estamos obcecados, como disse, o nosso papel não é derrubar governos, o nosso papel é forçar com as forças todas que tivermos, no plano político e no plano social, para que os governos respondam aos problemas que as pessoas enfrentam. É aqui que nós estamos concentrados. E não precisamos de ganhar tempo, porque o tempo está aí, não estamos à espera de tempo, estamos a trabalhar todos os dias e prontos para todas as batalhas que se venham a desenvolver.

Hora da Verdade com Paulo Raimundo
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