Hora da Verdade

Leão fala de "erro" da TAP. Rescisão devia ter passado por "trabalho conjunto" com Pedro Nuno

12 jan, 2023 - 07:00 • Susana Madureira Martins (Renascença) e Marta Moitinho Oliveira (Público)

João Leão distingue a polémica em torno de Rita Marques do caso que o envolveu ao ser nomeado vice-reitor do ISCTE para gerir um projeto que conta com verbas inscritas no Orçamento do Estado. "São completamente distintos", afirma e atira à ex-secretária de Estado do Turismo que "a lei deve ser cumprida". O ex-ministro das Finanças fala ainda das regras que o primeiro-ministro quer mudar no escrutínio prévio dos governantes: "a exigência é precisa nesta fase e é manifesta e óbvio que é preciso mais rigor", conclui.

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João Leão fala de "erro" da TAP e rescisão devia ter passado por "trabalho conjunto" com Pedro Nuno
Veja a entrevista a João Leão na íntegra

Em entrevista ao programa Hora da Verdade da Renascença e do jornal "Público", o ex-ministro João Leão diz que a administração da TAP falhou ao não reportar às Finanças o pagamento da indemnização à ex-administradora da operadora aérea, Alexandra Reis.

O agora vice-reitor do ISCTE considera que Pedro Nuno Santos não será penalizado por haver uma comissão de inquérito à TAP.

O ex-ministro das Infraestruturas não esteve "diretamente envolvido" no caso TAP, mas Leão considera que "é importante esclarecer" o caso e que a decisão da rescisão devia ter sido tomada "em conjunto com a tutela setorial"

Fernando Medina esteve na semana passada no Parlamento a responder sobre o caso TAP e Alexandra Reis e o ministro das Finanças insistiu muito na tecla de que a decisão da indemnização tinha sido tomada antes de ele próprio ser ministro. A culpa é sua ou do então ministro das Infra-estruturas, Pedro Nuno Santos?

A decisão foi tomada antes de o actual ministro das Finanças assumir funções. É uma decisão que foi tomada pela administração da TAP. O meu entendimento é que devia ter sido consultado o Ministério das Finanças, porque são questões que têm a ver com uma das funções mais importantes de um acionista que é a seleção de administradores e a sua substituição. O Ministério das Finanças tinha aqui um papel particular a assumir neste assunto. Claro que tem de fazer isto em trabalho conjunto com a tutela setorial que tem aqui uma importância muito significativa na escolha da administração, tem de ser partilhado. Não tendo sido feito e não tendo sido colocado para decisão também do Ministério das Finanças, o meu entendimento é que deveria ter sido feito. Foi um erro da parte administração da TAP.

Tem a certeza que não chegou essa informação ao seu ministério?

Eu não decidi sobre este assunto. O secretário de Estado também veio confirmar que não lhe foi colocada esta questão.

Já tinha havido processos anteriores de indemnizações de administradores da TAP em que o mecanismo de transmissão de informação não tenha falhado como desta vez?

Na TAP não tenho conhecimento e tudo o que é feito é sempre feito ao abrigo quer do que é aplicável aos dirigentes da administração pública quer do que é aplicável, no caso dos gestores públicos, ao estatuto do gestor público.

Não se lembra, então, de ter tido anteriormente de decidir sobre um caso de uma indemnização na TAP?

Não me recordo.

A verdade é que Alexandra Reis depois também foi nomeada para a NAV, já com a tutela de Medina. Não era natural que para esta nomeação houvesse um pedido de informação do Ministério das Finanças. Isso é uma prática?

É natural que, chegando um currículo que do ponto de vista objectivo é bastante bom, o Ministério das Finanças não tenha nada a opor.

Mas no currículo também consta uma rescisão e uma indemnização…

Tanto quanto sei não havia conhecimento dessa indemnização nessa altura.

Havia uma notícia do Expresso de Maio e essa nomeação é feita em Junho que sinalizava que tinha havido essa indemnização.

Tinha sido uma notícia que não tinha o destaque, a importância que teve a seguir. No currículo não vinha nenhuma evidência de que tinha sido paga uma indemnização desse montante.

Conhecia Alexandra Reis? E quem propôs o nome para vogal da administração da TAP?

Não conhecia Alexandra Reis. A sua nomeação terá vindo na sequência de ela, primeiro, ter começado por assumir funções como directora da TAP e depois o entendimento, também dos accionistas, foi que ela tinha um papel positivo e que poderia subir à administração. Isso inclui também o Estado nessa altura.

Com a informação que hoje o Governo já tem, devia já ter tomado a decisão de demitir o administrador financeiro, Gonçalo Pires?

Apesar de haver uma relação privilegiada com o administrador financeiro, neste tipo de informação trata-se de uma relação essencialmente entre o Governo e a administração da TAP no seu todo. A administração da TAP, como um todo, devia ter feito um pedido antes também ao Ministério das Finanças. Não o fez. Sabemos que a iniciativa, ao que tudo indica, terá partido da administração e em particular da administradora executiva da TAP. O que penso é que agora se deve aguardar a Inspecção-Geral de Finanças.

Mas já podia ter havido alguma consequência para este administrador?

Temos que ter alguma prudência neste momento. Não devemos estar a precipitar-nos neste tipo de decisões.

Há condições para esta administração e esta presidente da TAP continuarem em funções?

Vai depender muito da avaliação que for feita.

Está disponível para ir ao Parlamento dar explicações à comissão de inquérito à TAP?

É claro que irei sempre ao Parlamento dar todo o tipo de justificações.

Acha que é bom para uma empresa que está à beira de ser privatizada estar a ser exposta no Parlamento?

Penso que não terá interferência. Este caso, pelas proporções que assumiu, acabou por ser um pouco inevitável que isso acontecesse. Era inevitável esclarecer cabalmente este assunto. Penso que a comissão de inquérito será uma comissão de inquérito que avaliará esta situação e, depois, não afectará significativamente.

Ficará mais focada neste caso de Alexandra Reis?

Penso que o que é importante para a privatização da TAP, que é parcial, é perceber a evolução que temos no negócio, neste ano de recuperação pós-pandemia e as perspectivas que se estão a criar. Tudo indica que os resultados de 2022 são positivos e, se houver perspectivas de que haja consolidação desses resultados positivos e que eles se podem manter no futuro, é disso que vai depender a privatização.

A TAP agora está bem capitalizada. Teve resultados positivos, antecipou em mais de dois anos o que está previsto no plano de reestruturação. Isso é que é um sinal positivo para a privatização da TAP.

Esta comissão de inquérito pode ser também para queimar Pedro Nuno Santos, um potencial sucessor de António Costa?

Penso que não. O senhor ex-ministro das Infra-estruturas fez o comunicado em que explicou que a decisão foi proposta pela TAP e foi o secretário de Estado que interveio diretamente no processo. Ele [Pedro Nuno Santos] não esteve directamente envolvido nesta decisão, mas é importante esclarecer este caso pela dimensão política. Devemos aos cidadãos essa explicação, perceber o que se passou claramente, se houve ou não uma ilegalidade, que procedimentos foram tomados e em que contexto é que foram tomados. Acho que isso é muito importante.

Vê alguma semelhança entre o caso da sua ida para o Iscte e o que é conhecido agora da ex-secretária de Estado do Turismo Rita Marques?

São completamente distintos. Eu já era do Iscte. O que é importante neste caso é fazer cumprir a lei. Ou seja, temos o dever perante os cidadãos de responsabilidade social, de garantir que cumprimos a lei.

A lei deve ser cumprida. Ou seja….

A ilação que retiramos é que se, como parece, não se está a cumprir a lei, não se devia aceitar aquele lugar.

Acha que Rita Marques devia demitir-se das funções que aceitou entretanto?

Penso que se pode retirar essa avaliação do que vou dizer, mas o que é importante é que temos que ter perante os cidadãos um dever claro de cumprimento da lei.

A sanção que está prevista na lei é vista como branda. Devia ser agravada?

Penso que é importante revisitar a lei. Às vezes misturam-se casos que são muito diferentes. Uma coisa é uma intervenção corriqueira de um apoio que uma empresa sempre teve, e que não pode deixar de ter porque está lá alguém com uma relação familiar.

António Costa quer reforçar as regras de escrutínio prévio dos governantes. João Leão teria ficado mais descansado, por exemplo, se tivesse sido escrutinado antes de entrar para o Governo?

Não existem procedimentos formais para fazer este escrutínio. O que é certo é que a exigência é precisa nesta fase e é manifesta e óbvio que é preciso mais rigor.

Aumentou a exigência, o escrutínio. Ou este Governo com sete anos também já não consegue atrair outro tipo de quadros?

Se olharmos ao longo dos últimos sete anos, o Governo tem conseguido manter bastante estabilidade. Mas têm surgido um conjunto de casos que levaram a uma exigência muito maior. Até porque, além da situação em concreto, está a gerar algo que acaba por afectar a imagem do próprio Governo.

O Governo deixou de saber escolher pessoas?

Não está em causa aqui o perfil das pessoas escolhidas. Temos pessoas de grande competência e de grande qualidade, mas o que aconteceu foi que nalguns casos havia questões que tinham a ver que com a justiça, como com outras situações que levantaram um problema, que levanta a questão.

Quando foi convidado para ser ministro das Finanças, que conversa é que António Costa teve consigo? Que perguntas lhe fez?

Temos de deixar essas questões para a natureza privada, naturalmente.

Sentir-se-ia mais protegido se lhe fizessem esse tipo de questões?

O dever de qualquer um de nós, quando se coloca esse tipo de convite, é nós próprios fazermos o exercício, para ver se existe alguma coisa no nosso currículo que dificulta, do ponto de vista político, o exercício do cargo.

É mais da iniciativa de quem está a ser convidado…

Pode partir também daí. Mas o que estamos a perceber é que isso não chega.

Porque acha que isto acontece neste momento?

Acho que foi um conjunto de coincidências que aconteceram que acabaram por aumentar muito a atenção.

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