17 nov, 2022 - 07:02 • Susana Madureira Martins (Renascença) , Marta Moitinho Oliveira (Público)
Arménio Carlos defende que, enquanto o PCP não se libertar do “estigma” por si criado sobre a guerra na Ucrânia, terá dificuldade em dar centralidade às propostas que respondem à vida dos portugueses. O antigo dirigente sindical e agora militante de base do PCP diz que já vê "nuances" no discurso de Paulo Raimundo sobre esta questão, mas que é preciso "assumir" que houve uma invasão.
Creio que o meu partido ouviu. Só que não seguiu.
Pois, não sei.
O PCP tem uma posição correta sobre a análise global daquilo que está na origem de todo o processo de guerra que neste momento está em desenvolvimento. E creio que o problema de fundo não é esse. O problema de fundo é não se responder de uma forma objetiva a uma pergunta que foi feita: se houve ou não houve invasão na Ucrânia. E para mim, a resposta é muito simples: houve invasão. E depois temos que dizer que, tal como não estamos de acordo com a invasão da Ucrânia, também não estamos de acordo com aquilo que se passou desde 2014.
A ingerência dos Estados Unidos leva a um golpe de Estado. Mas não só: a chacina de dezenas de militantes sindicais, nomeadamente, num edifício de Odessa, pura e simplesmente foram chacinados, incendiaram o edifício. Como não estamos de acordo, por exemplo, com a ilegalização do Partido Comunista da Ucrânia. Ou seja, o país que se diz que é um Estado de direito, que ilegaliza o Partido Comunista.
Acho que não foi só um problema de comunicação. Sejamos rigorosos.
É uma posição que o partido tem e que, neste caso concreto, não acompanho. Acho que, neste momento, o partido só ganhará…Porque isto é assim. Quando alguma coisa não corre bem, nós também temos que dizer: não correu bem, não era aquilo que pensávamos, corrigir. Acho que o partido devia fazer isso.
Creio que nas últimas intervenções já fez, já deu mais algumas nuances.
A Rússia invadiu a Ucrânia, supostamente para defender as populações russófonas. Mas certo é que, neste momento, a Rússia já alargou o seu espaço de ocupação. Este é outro problema que nós temos
Como militante de base eu tenho esta opinião, que expressei há muitos meses. Continuo a expressar. Porque aquilo que eu sinto, aquilo que me dói, aquilo que me custa, é que na sociedade portuguesa, com esta situação, o Partido Comunista continua a ser queimado em lume brando. É isso que eu não quero, porque não é isso que está na origem das posições do partido. O partido sempre foi contra a guerra, pela paz. Algum partido em Portugal defendeu mais, nomeadamente a autodeterminação e também a independência das colónias? Que se manifestou mais contra o regime fascista, que teve uma série de militantes que sofreram ou nalguns casos morreram, que mais se opôs às ingerências que outros países, grandes potências, fizeram noutros países? Ninguém.
Ninguém tem o capital de credibilidade sobre esta matéria que o PCP tem. Todas as perguntas têm uma resposta. Não vale a pena a gente estar a equivocar-se ou estar a desviar. Houve uma situação concreta. Então assumamos. Porque nós até nem sabemos o que é que daqui vai resultar. A Rússia invadiu a Ucrânia, supostamente para defender as populações russófonas. Mas certo é que, neste momento, a Rússia já alargou o seu espaço de ocupação. Este é outro problema que nós temos. Isto quer dizer o quê? Quer dizer que estamos numa fase em que claramente sabemos o que é que está subjacente a todo este processo que se está a passar na Ucrânia: uma tentativa de enfraquecimento da Rússia, que é para depois se alterar a relação de forças com a China. É disto que se trata.
Há uma visão da reconquista unipolar do mundo, quer no plano económico, quer no plano comercial, quer no plano militar por parte dos Estados Unidos da América, que agora têm alianças mais profundas com a União Europeia, etc. E nós sabemos que está a tentar criar um bloco com mais força para confrontar a China. Sabemos disso, isso é verdade. Sabemos que querem enfraquecer a Rússia. Também sabemos que é verdade. Isso é uma coisa e temos que continuar a denunciar os objectivos. Outra é aquilo a que nós assistimos.
As últimas vezes que o ouvi utilizou uma expressão correta. É que, neste caso concreto, há culpados, que são os Estados Unidos, a União Europeia, a Rússia. E há uma parte que é a vítima, que é o povo ucraniano. E aqui corretíssimo. E que é necessário promover a paz e acabar com a guerra. Corretíssimo. Subscrevo isto por baixo. Mas depois… lá está. Porque os adversários do PCP já perceberam que, tendo o PCP uma visão correcta sobre aquilo que, em termos globais, se está a passar na Ucrânia e no mundo e aquilo que pode vir a acontecer nos próximos tempos, já perceberam que há ali uma pequena "nuance". Então exploram até ao limite.
Houve invasão ou não houve? Há quantos meses nós andamos a ouvir essa pergunta? E vamos continuar nos próximos tempos a falar novamente: houve ou não houve invasão? E as coisas continuam. Toda a discussão é descentrada porque deixa de se discutir aquilo que é a questão de fundo, que é a ingerência dos Estados Unidos já há muitos anos a esta parte e tudo aquilo que está subjacente à sua intervenção, para se discutir e concentrar as atenções em que o PCP continua a não responder à questão da invasão.
Esperemos que isso aconteça rapidamente, porque a partir do momento em que isso acontecer, a centralidade da discussão vai ser outra. É isso que o PCP precisa. Precisa dar centralidade, como tem tentado dar, às questões concretas da vida dos portugueses. E tem toda a razão nas propostas que apresenta, nas soluções que apresenta mas depois foi criado aqui um estigma relativamente ao partido no que respeita a esta matéria. Isso é um factor de pressão sobre a opinião pública que leva à tentativa de descredibilização daquele que é o partido que tem claramente as ideias mais avançadas para responder aos problemas do povo e do país.