10 nov, 2022 - 07:00 • Susana Madureira Martins (Renascença) , Maria Lopes (Público)
A eleição do novo líder do PCP está marcada para o Comité Central deste fim de semana, com João Oliveira a desvalorizar o facto de Paulo Raimundo não ser deputado, referindo que essa ausência "pode ser compensada de outras formas". O dirigente comunista, membro da comissão política do partido, defende que "o trabalho de fiscalização no Parlamento fica comprometido com o rolo compressor da maioria absoluta" e a contestação passa muito pela rua. Aliás, essa "luta nunca desapareceu nem deixou de estar presente", conclui
Isso são palavras que eu próprio já tinha dito. É uma constatação óbvia.
É um perfil que corresponde a um conjunto de características que manifestamente acho que não tenho e, portanto, isso é um problema ultrapassado há muito.
Percebia essa insistência quando ela tinha um enquadramento que era ainda assim induzido pelas discussões e pela especulação.
As circunstâncias em que estamos hoje são completamente diferentes de 2015…
Confrontados como estamos agora, com uma maioria absoluta do PS e com uma política que está a criar dificuldades enormíssimas a um conjunto muito significativo do povo português, diria que a primeira exigência que está colocada é essa capacidade de diálogo e de estabelecer pontes com outras pessoas que, não sendo militantes do PCP, nem subscrevam o nosso projecto político, têm preocupações convergentes com as nossas. Um diálogo para um alargamento de uma frente social de luta que exige uma outra política para resolver os problemas para os quais o PS não está q dar a solução. Este é talvez o primeiro desafio, o primeiro teste da capacidade de diálogo, de alargamento, de ultrapassagem das nossas próprias fronteiras.
Com actores de sectores da nossa sociedade muito diferenciados que estão particularmente paralisados por esta política do PS: pequenos e médios empresários, agricultores, pescadores, reformados, da juventude, de intelectuais e quadros técnicos que estão também a sentir de forma muito acelerada a degradação das suas condições de vida.
Mesmo que tenham votado, precisam de ser despertados para a necessidade de intervenção política, não apenas para travar esta política do PS, mas sobretudo para contribuir para a construção de soluções.
De metalúrgico a secretário-geral do PCP, Jerónimo(...)
Naturalmente, o elemento eleitoral tem que ser ponderado, mas não é em função dele. Isso conduziria à circunstância de estarmos a intervir apenas com a perspetiva daquilo que pode vir a acontecer em 2026. É agora que as questões têm de ser tratadas.
No imediato temos estas exigências e o conteúdo da nossa conferência aponta precisamente isso. O primeiro desafio é essa capacidade de diálogo que está colocada não apenas ao secretário-geral do PCP, mas ao PCP no seu conjunto. A necessidade de encontrar pontes com todos aqueles que, não sendo do partido e que precisamos de trazer para o nosso lado nestas lutas e são muitos mais do que eventualmente alguns podiam estar à espera. Há muitos desiludidos do PS que nos últimos tempos têm percebido que nós tínhamos razão em Outubro de 2021. Isso não se faz sem diálogo, sem ouvir opiniões diferentes das nossas, para as integrar numa síntese relativamente ao caminho que é preciso fazer.
Esse trabalho é necessário e coloca-se do ponto de vista político mais geral e da intervenção política mais diária. As circunstâncias de hoje são muito diferentes das que existiam em 2015, mas tem de haver uma alteração da correlação de forças que seja efetivamente mais favorável aos trabalhadores e ao povo. Para isso temos de voltar a ter um trabalho de contacto, de influência junto de outros, ultrapassando as nossas fronteiras.
É uma circunstância diferente. Não sei se será exatamente uma dificuldade para a sua afirmação como SG, porque pode ser compensada de outras formas. Há alteração em momentos mais relevantes da discussão política no Parlamento: [não estará] no OE, nos debates com o primeiro-ministro.
Com uma maioria absoluta, o trabalho de fiscalização na AR fica comprometido com o rolo compressor da maioria absoluta e, por outro lado, não há nada que a maioria absoluta faça na AR que não seja com a chancela do Governo, naturalmente, o centro da atenção desloca-se novamente para São Bento, para o Governo.
Não se desloca porque nunca deixou de estar lá. A intervenção diária, a intervenção social, a luta quer dos trabalhadores quer das populações, nunca deixou de ser um elemento central que determina o andamento que as coisas podem ter.
Com um palco diferente. Tivemos durante muito tempo e de forma muito agressiva, naquele período dos PEC do Governo do PS de Sócrates e num período da troika já com o Governo PSD/CDS, uma ação governativa muito agressiva de ataque aos direitos dos trabalhadores e das populações, às condições de vida dos portugueses e, inclusivamente dos mais fragilizados.
Isso conduziu a que a luta fosse desenvolvida com determinadas características em determinadas condições. Se todos os setores da sociedade levam pancada do Governo na mesma altura, tendem a encontrar mais facilmente o denominador comum que os pode juntar, e a luta assume uma dimensão de uma luta contra o Governo, com grandes ações de convergência, com grandes manifestações nacionais.
A partir do momento em que estamos confrontados com uma acção do Governo que está a contribuir para a agudização das condições de vida, já começamos a encontrar outro tipo de expressão e de exigências que não são coisas decididas ou determinadas pelo PCP, mas vêm da realidade concreta. A luta nunca desapareceu nem deixou de estar presente.
Não propriamente. Verificamos um grande descontentamento das pessoas com aquilo que vai acontecendo, sobretudo com os contrastes, as desigualdades e injustiças. É preciso dar expressão a essa indignação para que seja um elemento de pressão política para que alguma coisa mude. A intervenção da CGTP não substitui a nossa, nem se sobrepõe à nossa. Mas há uma articulação, naturalmente, com a nossa intervenção do ponto de vista político.
É muito difícil dizer. Nada disto está pensado em função dos resultados eleitorais ou do reforço.
A atual redução do número de deputados na AR significa uma diminuição da nossa capacidade de intervir ali, mas significa objetivamente um prejuízo para os trabalhadores relativamente às condições que há na AR para que tenham os seus interesses e os seus direitos defendidos. Tal como nas autarquias e no Parlamento Europeu.
Mas não é em função desses objetivos que definimos o que está na resolução da conferência nacional, que tem como objetivo dar resposta aos problemas nacionais, criar condições para o alargamento da influência política e social do PCP, incluindo da influência eleitoral.
Manifestamente, isso não é uma questão que depende do secretário-geral e, em alguns casos, há múltiplos factores que influenciam as opções de votos e vão até para lá da nossa vontade, acção e intervenção. Se a nossa representação eleitoral se medisse pela simpatia e pelo reconhecimento que as pessoas têm no Secretário-Geral, provavelmente teríamos uma maioria absoluta no Parlamento.
Intervenção do ainda secretário-geral comunista pr(...)
Julgo que manifestamente isso não pode ser feito. O contributo que o meu camarada Jerónimo de Sousa deu prestigiou e contribuiu para que o PCP conseguisse resistir a uma boa parte das dificuldades que tinha e dos obstáculos que foram sendo criados. Os resultados eleitorais não dependem apenas do PCP, muito menos dependem do seu Secretário-Geral.
A relevância do PCP não se mede pela representação institucional, e a nossa história comprova isso. Durante um bom período não tínhamos sequer possibilidade de existir quanto mais ter representação institucional. E a relevância do PCP em todo esse período é manifestamente reconhecida e é uma garantia à prova de bala. O PCP só foi capaz de resistir às ofensivas mais bárbaras, particularmente durante a ditadura, porque manteve sempre aquilo que é a raiz da sua força: o seu enraizamento no povo, o seu conhecimento da realidade concreta.
Essa é uma verdade histórica que se aplica a momentos mais difíceis também, como este. As condições em que em que intervimos hoje são manifestamente mais favoráveis do que aquelas que tínhamos durante a ditadura. O que é preciso é – e temos algumas linhas de ação e de trabalho identificadas neste documento da Conferência – identificar prioridades da nossa intervenção, do reforço da nossa organização e da proximidade junto dos trabalhadores, nos locais de trabalho, nas empresas, no movimento associativo, garantindo mais proximidade à dinâmica social.
Não se perdeu, são aspetos que se mantêm. Diria é que não somos uma ilha isolada do resto do país. Se há um definhamento do movimento associativo popular de forma generalizada no nosso país, não podemos estar à espera que a intervenção, a proximidade e a ligação dos militantes do PCP ao movimento associativo popular tenha crescido. Se o PCP não tivesse uma intervenção política e social para lá da intervenção institucional, muito daquilo que alcançámos entre 2015 e 2019 não tinha sido possível.
Eu não entendi aquelas palavras do meu camarada Jerónimo de Sousa como se a subsistência da maioria absoluta estivesse mais ou menos dependente de golpes palacianos dentro do PS, de desentendimentos e de quezílias. A duração de qualquer Governo está dependente da política que faz: se for uma política contra os interesses do povo, está naturalmente sujeito a durar menos do que um Governo que corresponda aos interesses. Já em anteriores maiorias absolutas do PS e até mesmo do PSD, o facto de terem levado por diante uma política absolutamente injustificável e insustentável criou dificuldades ao próprio partido que a executa.