Hora da Verdade

Melhorar resultados eleitorais do PCP? “Isso não depende” de Paulo Raimundo

10 nov, 2022 - 07:00 • Susana Madureira Martins (Renascença) , Maria Lopes (Público)

Em vésperas da conferência nacional deste fim-de-semana, que vai eleger o novo líder, o PCP tem como primeiro desafio a "capacidade de diálogo" e de "encontrar pontes com todos", incluindo os "muitos desiludidos do PS". João Oliveira garante em entrevista ao programa Hora da Verdade da Renascença e do jornal Público que "nada disto está pensado em função dos resultados eleitorais ou do reforço" do partido, mas admite que os comunistas precisam de "criar condições para o alargamento da influência política e social do PCP, incluindo da influência eleitoral".

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Melhorar resultados eleitorais do PCP? “Isso não depende” de Paulo Raimundo
Imagem: Maria Costa Lopes/RR; Foto: Público

A eleição do novo líder do PCP está marcada para o Comité Central deste fim de semana, com João Oliveira a desvalorizar o facto de Paulo Raimundo não ser deputado, referindo que essa ausência "pode ser compensada de outras formas". O dirigente comunista, membro da comissão política do partido, defende que "o trabalho de fiscalização no Parlamento fica comprometido com o rolo compressor da maioria absoluta" e a contestação passa muito pela rua. Aliás, essa "luta nunca desapareceu nem deixou de estar presente", conclui

Podemos dizer que João Oliveira não tem o perfil considerado certo para ser líder do PCP e que, por isso, nunca poderia ser indicado para secretário-geral?

Isso são palavras que eu próprio já tinha dito. É uma constatação óbvia.

Qual é o perfil certo?

É um perfil que corresponde a um conjunto de características que manifestamente acho que não tenho e, portanto, isso é um problema ultrapassado há muito.

O que é que lhe falta exatamente?

Percebia essa insistência quando ela tinha um enquadramento que era ainda assim induzido pelas discussões e pela especulação.

No partido têm salientado a capacidade de diálogo do futuro secretário-geral, Paulo Raimundo. Pode ser ele o protagonista de um futuro diálogo com o PS, ou é diferente do que tivemos com Jerónimo de Sousa?

As circunstâncias em que estamos hoje são completamente diferentes de 2015…

Em 2026, quando o eleitorado já estiver cansado de uma maioria absoluta mas não confie o suficiente na direita e o Parlamento tenha uma configuração próxima de 2015 ou 2019...

Confrontados como estamos agora, com uma maioria absoluta do PS e com uma política que está a criar dificuldades enormíssimas a um conjunto muito significativo do povo português, diria que a primeira exigência que está colocada é essa capacidade de diálogo e de estabelecer pontes com outras pessoas que, não sendo militantes do PCP, nem subscrevam o nosso projecto político, têm preocupações convergentes com as nossas. Um diálogo para um alargamento de uma frente social de luta que exige uma outra política para resolver os problemas para os quais o PS não está q dar a solução. Este é talvez o primeiro desafio, o primeiro teste da capacidade de diálogo, de alargamento, de ultrapassagem das nossas próprias fronteiras.

Diálogo com quem?

Com actores de sectores da nossa sociedade muito diferenciados que estão particularmente paralisados por esta política do PS: pequenos e médios empresários, agricultores, pescadores, reformados, da juventude, de intelectuais e quadros técnicos que estão também a sentir de forma muito acelerada a degradação das suas condições de vida.

E que não votaram no PCP recentemente.

Mesmo que tenham votado, precisam de ser despertados para a necessidade de intervenção política, não apenas para travar esta política do PS, mas sobretudo para contribuir para a construção de soluções.


E reconquistarem eleitorado também.

Naturalmente, o elemento eleitoral tem que ser ponderado, mas não é em função dele. Isso conduziria à circunstância de estarmos a intervir apenas com a perspetiva daquilo que pode vir a acontecer em 2026. É agora que as questões têm de ser tratadas.

Mas esse trabalho, na verdade, é preparar o terreno eleitoral para 2026.

No imediato temos estas exigências e o conteúdo da nossa conferência aponta precisamente isso. O primeiro desafio é essa capacidade de diálogo que está colocada não apenas ao secretário-geral do PCP, mas ao PCP no seu conjunto. A necessidade de encontrar pontes com todos aqueles que, não sendo do partido e que precisamos de trazer para o nosso lado nestas lutas e são muitos mais do que eventualmente alguns podiam estar à espera. Há muitos desiludidos do PS que nos últimos tempos têm percebido que nós tínhamos razão em Outubro de 2021. Isso não se faz sem diálogo, sem ouvir opiniões diferentes das nossas, para as integrar numa síntese relativamente ao caminho que é preciso fazer.

Esse trabalho é necessário e coloca-se do ponto de vista político mais geral e da intervenção política mais diária. As circunstâncias de hoje são muito diferentes das que existiam em 2015, mas tem de haver uma alteração da correlação de forças que seja efetivamente mais favorável aos trabalhadores e ao povo. Para isso temos de voltar a ter um trabalho de contacto, de influência junto de outros, ultrapassando as nossas fronteiras.

O facto de Paulo Raimundo não estar no Parlamento é uma dificuldade acrescida para a atuação enquanto secretário-geral (SG)?

É uma circunstância diferente. Não sei se será exatamente uma dificuldade para a sua afirmação como SG, porque pode ser compensada de outras formas. Há alteração em momentos mais relevantes da discussão política no Parlamento: [não estará] no OE, nos debates com o primeiro-ministro.

Até porque o Parlamento neste momento perdeu a centralidade com a maioria absoluta do PS.

Com uma maioria absoluta, o trabalho de fiscalização na AR fica comprometido com o rolo compressor da maioria absoluta e, por outro lado, não há nada que a maioria absoluta faça na AR que não seja com a chancela do Governo, naturalmente, o centro da atenção desloca-se novamente para São Bento, para o Governo.

Mas para o PCP a centralidade desloca-se para a rua e para a luta social.

Não se desloca porque nunca deixou de estar lá. A intervenção diária, a intervenção social, a luta quer dos trabalhadores quer das populações, nunca deixou de ser um elemento central que determina o andamento que as coisas podem ter.

João Oliveira questiona a duração do governo. Esta política é "insustentável e injustificável"
João Oliveira questiona a duração do governo. Esta política é "insustentável e injustificável"

Agora com mais palco na rua?

Com um palco diferente. Tivemos durante muito tempo e de forma muito agressiva, naquele período dos PEC do Governo do PS de Sócrates e num período da troika já com o Governo PSD/CDS, uma ação governativa muito agressiva de ataque aos direitos dos trabalhadores e das populações, às condições de vida dos portugueses e, inclusivamente dos mais fragilizados.

Com greves e manifestações até no Parlamento.

Isso conduziu a que a luta fosse desenvolvida com determinadas características em determinadas condições. Se todos os setores da sociedade levam pancada do Governo na mesma altura, tendem a encontrar mais facilmente o denominador comum que os pode juntar, e a luta assume uma dimensão de uma luta contra o Governo, com grandes ações de convergência, com grandes manifestações nacionais.

Aquilo que é necessário agora é uma contestação semelhante a essa?

A partir do momento em que estamos confrontados com uma acção do Governo que está a contribuir para a agudização das condições de vida, já começamos a encontrar outro tipo de expressão e de exigências que não são coisas decididas ou determinadas pelo PCP, mas vêm da realidade concreta. A luta nunca desapareceu nem deixou de estar presente.

Esta aposta na contestação de rua não arrisca ser vista como um reconhecer a CGTP não está a ser tão combatido como há uns anos e que precisa de uma ajuda?

Não propriamente. Verificamos um grande descontentamento das pessoas com aquilo que vai acontecendo, sobretudo com os contrastes, as desigualdades e injustiças. É preciso dar expressão a essa indignação para que seja um elemento de pressão política para que alguma coisa mude. A intervenção da CGTP não substitui a nossa, nem se sobrepõe à nossa. Mas há uma articulação, naturalmente, com a nossa intervenção do ponto de vista político.

Qual é o maior desafio interno para o novo líder do PCP e o maior desafio externo? O desafio eleitoral?

É muito difícil dizer. Nada disto está pensado em função dos resultados eleitorais ou do reforço.

Mais tarde, por exemplo, se o PCP não conseguir eleger deputados, isso não vai ser um problema?

A atual redução do número de deputados na AR significa uma diminuição da nossa capacidade de intervir ali, mas significa objetivamente um prejuízo para os trabalhadores relativamente às condições que há na AR para que tenham os seus interesses e os seus direitos defendidos. Tal como nas autarquias e no Parlamento Europeu.

Mas não é em função desses objetivos que definimos o que está na resolução da conferência nacional, que tem como objetivo dar resposta aos problemas nacionais, criar condições para o alargamento da influência política e social do PCP, incluindo da influência eleitoral.

Paulo Raimundo é a pessoa certa para atenuar as perdas e fazer o partido subir em termos eleitorais?

Manifestamente, isso não é uma questão que depende do secretário-geral e, em alguns casos, há múltiplos factores que influenciam as opções de votos e vão até para lá da nossa vontade, acção e intervenção. Se a nossa representação eleitoral se medisse pela simpatia e pelo reconhecimento que as pessoas têm no Secretário-Geral, provavelmente teríamos uma maioria absoluta no Parlamento.


Não atribui qualquer responsabilidade a Jerónimo de Sousa pelos resultados eleitorais dos últimos anos?

Julgo que manifestamente isso não pode ser feito. O contributo que o meu camarada Jerónimo de Sousa deu prestigiou e contribuiu para que o PCP conseguisse resistir a uma boa parte das dificuldades que tinha e dos obstáculos que foram sendo criados. Os resultados eleitorais não dependem apenas do PCP, muito menos dependem do seu Secretário-Geral.

O PCP não fixa objetivos eleitorais quantitativos. Mas qual é a expressão mínima para não se tornar irrelevante?

A relevância do PCP não se mede pela representação institucional, e a nossa história comprova isso. Durante um bom período não tínhamos sequer possibilidade de existir quanto mais ter representação institucional. E a relevância do PCP em todo esse período é manifestamente reconhecida e é uma garantia à prova de bala. O PCP só foi capaz de resistir às ofensivas mais bárbaras, particularmente durante a ditadura, porque manteve sempre aquilo que é a raiz da sua força: o seu enraizamento no povo, o seu conhecimento da realidade concreta.

Tem que voltar a ter essa ‘cola’?

Essa é uma verdade histórica que se aplica a momentos mais difíceis também, como este. As condições em que em que intervimos hoje são manifestamente mais favoráveis do que aquelas que tínhamos durante a ditadura. O que é preciso é – e temos algumas linhas de ação e de trabalho identificadas neste documento da Conferência – identificar prioridades da nossa intervenção, do reforço da nossa organização e da proximidade junto dos trabalhadores, nos locais de trabalho, nas empresas, no movimento associativo, garantindo mais proximidade à dinâmica social.

Isso perdeu-se porquê?

Não se perdeu, são aspetos que se mantêm. Diria é que não somos uma ilha isolada do resto do país. Se há um definhamento do movimento associativo popular de forma generalizada no nosso país, não podemos estar à espera que a intervenção, a proximidade e a ligação dos militantes do PCP ao movimento associativo popular tenha crescido. Se o PCP não tivesse uma intervenção política e social para lá da intervenção institucional, muito daquilo que alcançámos entre 2015 e 2019 não tinha sido possível.

Há dois meses, Jerónimo de Sousa dizia-nos aqui que duvidava que a legislatura chegasse até ao fim. Também é dos que acredita que o PS se vai afundar nestas guerras internas e polémicas?

Eu não entendi aquelas palavras do meu camarada Jerónimo de Sousa como se a subsistência da maioria absoluta estivesse mais ou menos dependente de golpes palacianos dentro do PS, de desentendimentos e de quezílias. A duração de qualquer Governo está dependente da política que faz: se for uma política contra os interesses do povo, está naturalmente sujeito a durar menos do que um Governo que corresponda aos interesses. Já em anteriores maiorias absolutas do PS e até mesmo do PSD, o facto de terem levado por diante uma política absolutamente injustificável e insustentável criou dificuldades ao próprio partido que a executa.

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  • Manuel Ferraz
    13 nov, 2022 Vila Nova de Gaia 17:05
    Sim melhorar a imagem do PCP concordo mas a nível dos deputados da Assembleia tem que mudar porque com os que lá tem não vão lá. Foi com eles que o partido está no fim.

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