07 jun, 2022 - 23:00 • Susana Madureira Martins (Renascença) e Liliana Borges (Público)
Esta quarta e quinta-feira os sindicatos reúnem-se com o Governo para iniciar a negociação da entrada nas carreiras de assistente técnico e técnico superior. A ministra da Presidência, responsável pela tutela, não se compromete com um calendário para a revisão da Tabela Remuneratória Única, uma prioridade para a FESAP, para o Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado (STE) e para a Frente Comum de Sindicatos da Administração Pública.
Nesta primeira parte da entrevista ao programa Hora da Verdade, da Renascença e do jornal Público, que será transmitida na íntegra esta quinta-feira, Mariana Vieira da Silva garante que o estudo que está previsto para a semana de trabalho de quatro dias no setor privado também vale para a Administração Pública, mas a aplicação "pode ser de tipo diferente".
Sobre a proposta de Orçamento do Estado para 2023 e questionada se vai ser possível manter o aumento extraordinário de pensões, a “número dois” do Governo alerta que é preciso ter mais informação sobre o que serão os próximos anos "em matéria de crescimento económico e em matéria de juros".
O Governo reúne-se com os sindicatos para lhes dizer exatamente o quê? Que, por exemplo, a atualização dos salários não vai ser possível já este ano?
Fizemos uma primeira ronda de negociação com os sindicatos onde apresentámos um calendário. Mais uma vez estamos perante quatro anos e meio de uma negociação cujos objetivos no programa do Governo são bastante claros e que têm, naturalmente, diversas fases.
As reuniões que se iniciam esta semana são as que são lideradas pela secretária de Estado da Administração Pública e que pretendem concretizar as medidas que já estavam no Orçamento do Estado para 2022 (OE2022) e que precisam de ser negociadas para serem concretizadas. São medidas que têm fundamentalmente a ver com uma intervenção tanto nas carreiras técnicas como nas carreiras de técnico superior, no sentido de garantir uma diferenciação inicial.
É o primeiro momento em que enfrentamos esta dimensão e decorre de uma aproximação entre carreiras devido à evolução que o salário mínimo teve. Neste momento, a diferença entre um assistente técnico e um assistente operacional no início de carreira está abaixo dos cinco euros.
Aquilo que será proposto é uma primeira diferenciação entre estas duas carreiras e uma diferenciação também para as carreiras de técnico superior. É um primeiro sinal de um caminho que está expresso no programa de Governo de revisão destas tabelas para que as distâncias entre as diferentes carreiras e também o processo de progressão de cada um dos trabalhadores na sua carreira possa ter um caminho reorganizado em função do aumento do salário mínimo.
Por um lado, é o princípio de um diálogo sobre esta reorganização, por outro, é o reforço das qualificações como um factor dentro da administração pública, colocando as pessoas que tenham doutoramento num patamar distinto, não só de entrada como também de progressão na sua carreira. São dois elementos que estavam no OE2022. São também sinais no caminho que estabelecemos de reforço das carreiras da administração pública e de valorização, nomeadamente dos técnicos superiores.
Já será possível, na proposta de Orçamento do Estado de 2023, contar com esta revisão?
É difícil assumir o compromisso. Esta primeira mudança nestes valores concretiza-se já com este Orçamento. Há depois um processo negocial que é mais vasto e que tem dimensões diferentes de tabela remuneratória única, de SIADAP e também contabilizando aquilo que se prevê para o recrutamento e para as entradas da Administração Pública que tendo em conta que no mesmo período também terá que se fazer a negociação salarial anual do próximo ano.
Não estou certa que se possa definir um calendário a partir de um processo negocial que acontece também nos seus próprios ritmos. O que é certo é que este sinal que demos agora nestas carreiras de técnico superior e nas carreiras técnicas é o início de um caminho que teremos que fazer com os sindicatos nos próximos meses.
Não é fácil antecipar uma data para o final dessa negociação porque, no entretanto, terá que ser feito o debate sobre a condição salarial anual do próximo ano, bem como um conjunto de outros temas relacionados com a conciliação entre a vida pessoal, profissional e familiar, com a reorganização dos tempos de trabalho que também tem que ser feito e, portanto, não consigo ter um calendário final. Mas é uma negociação que começa agora e que continuará nos próximos meses.
O primeiro-ministro apelou às empresas para que fizessem um esforço de valorização salarial dos seus trabalhadores com a meta dos 20% até 2026. O que é que podemos esperar na atualização dos salários na função pública, tendo em conta também esta pressão que existe para o setor privado?
Uma das medidas centrais do programa de Governo e também do debate que foi tido no período eleitoral é precisamente a existência de uma negociação em sede de concertação social sobre um acordo de rendimentos que tem esse objetivo de trazer o peso dos salários no total de riqueza do país para valores como são os da média europeia e que Portugal também já teve, mas que durante a crise foi descendo.
Esse trabalho faz-se na concertação social de forma mais transversal e numa negociação com os sindicatos da Administração Pública. É preciso um encontro de vontades entre o Estado – com uma resposta a nível fiscal – e as empresas e trabalhadores.
Este caminho não está em causa por estarmos a viver um momento de inflação e de grande incerteza do ponto de vista da evolução da nossa economia porque é um caminho para fazer ao longo da legislatura.
Também na legislatura anterior tínhamos definido um conjunto de objetivos. Alguns deles concretizámos logo nos primeiros anos e outros ficaram mais concentrados no final da legislatura.
Podemos encontrar um cenário para fazer cumprir esse objetivo de acordo de rendimentos. É também um objetivo de igualdade e terá um caminho paralelo que tem que contribuir para o reforço dos salários na Função Pública. E nada disto se mede em cada um dos ciclos que vivemos, mede-se num esforço ao longo da legislatura.
Julgo que esse foi um dos grandes ganhos que os governos de António Costa tiveram. A perspetiva de que o caminho que temos para fazer é ao longo desta legislatura e que pode acontecer em ritmos diferentes.
E em 2023, para o Orçamento do Estado, vai ser possível manter o desempenho do aumento extraordinário das pensões e também do mínimo de existência, que foram no fundo, uma resposta aos parceiros de esquerda em outubro?
A razão de ser, de termos procurado nestes meses - e no momento de incerteza que vivemos -, ter medidas que procurem combater o aumento de preços e responder às famílias em situação de maior emergência, prende-se precisamente com a necessidade de ter mais informação sobre o que é que se perspetiva nos próximos anos em matéria de crescimento económico, em matéria de juros, nas diferentes dimensões que podem ter impacto nas decisões que temos que tomar.
É por isso que é importante que o debate para o Orçamento de 2023 seja feito com essa informação mais atualizada, sendo certo que não deixaremos de cumprir aquilo que é a linha geral do programa de Governo. O que precisamos é de definir um ritmo e as capacidades que em cada momento o país tem para dar um passo.
É muito prematuro dizer?
Com os níveis de inflação e de aumento do PIB que temos, o aumento de pensões, que decorre da Lei de Bases da Segurança Social, é ele próprio muito significativo. E, portanto, é preciso perceber que o aumento extraordinário procurou responder a uma situação em que a fórmula não se traduzia em aumentos.
É preciso olhar para as diferentes dimensões do problema, para os números que tivermos nesse momento, para aquela que será também a resposta ao nível do Banco Central Europeu e para as consequências que o país tem. Há algo que eu julgo que nenhum português perdoaria, que é que se tomassem decisões sem ter em conta as capacidades que o país tem de as prosseguir.
Não dar um passo maior que a perna?
Esse conceito de não dar um passo maior do que a perna e de procurar tomar as decisões que temos condições para executar não desapareceu. Não é uma marca do governo entre 2015 e 2019 ou entre 2019 e 2022, é aquilo que está na base do programa do Governo. E é assim que o programa do Governo abre, com uma perspetiva de que as medidas de política têm que partir de uma base de contas certas.
O programa de Governo fala também de um estudo sobre a semana de quatro dias de trabalho. A ministra do Trabalho já veio dizer que irá avançar um estudo no setor privado. O que podemos esperar na função pública?
Queria esclarecer que estão de partida os temas da ordenação de tempo de trabalho são temas que são tratados numa perspectiva de convergência entre a administração pública e os trabalhadores do setor privado. Ou seja, por exemplo, as regras, as alterações que foram feitas à lei do teletrabalho aplicam-se tanto a uns trabalhadores como a outros.
O que acontece é que a esfera de negociação desse processo não é a mesma e, portanto, a ministra do Trabalho discutirá a aplicação da semana de quatro dias de trabalho na concertação social, enquanto a nós, à Administração Pública, caberá discutir com os sindicatos da Administração Pública.
É só por isso que acontece essa divergência de momentos de comunicação: porque as negociações são feitas em sedes diferentes. Uma é feita na concertação social, a outra é feita com os sindicatos da administração pública em ambos. Em ambos os grupos será tido o debate sobre a semana de quatro dias, e sobre outras dimensões da reorganização do tempo de trabalho.
O que for decidido para um setor será decidido para o outro, na mesma medida?
Às vezes há períodos de aplicação diferentes. Às vezes há formas e tempos diferentes de aplicar. Mas sim, o objetivo do Governo é que aquele caminho que está no programa do Governo: fazer um debate nacional sobre esta experiência, que também se aplicará à administração pública. Mas há muitas diferenças, desde logo o horário semanal de trabalho é diferente nestes dois grupos [público e privado] e, por isso, a aplicação também pode ser de tipo diferente.
Este processo iniciar-se-á com um estudo que já tínhamos feito na área do teletrabalho. Agora faremos um estudo sobre a aplicação deste princípio [de quatro dias de trabalho por semana] que possa fazer também uma avaliação do que aconteceu no passado, com essa possibilidade que esteve prevista na lei e que tinha uma perspetiva de redução de salários.
Pode ser um caminho de reorganização do tempo de trabalho; pode ser concentrando mais horas de trabalho em menos dias. Todas as soluções são possíveis, é isso que significa ter um projeto-piloto e um debate com os sindicatos.
É lá que precisamos de pensar como é que se concretiza, sendo certo que, obviamente, na Administração Pública há muitos setores onde esta experiência não é fácil, designadamente na Saúde, que precisa de estar coberta 24 horas por dia, e em que as pessoas trabalham por turnos. E é também o caso da Educação. As escolas - a não ser que haja uma transformação muito mais significativa que não é esta que está em causa - continuarão a responder aos alunos cinco dias por semana... Portanto, toda essa adaptação deve ter uma negociação sindical. É isso que faremos junto dos sindicatos.
Nas audições do OE2022 admitiu que era preciso fazer uma avaliação da lei do teletrabalho. Quando é que podemos esperar essa avaliação?
O estudo que há pouco referi sobre o teletrabalho passou precisamente por nos sentarmos com sindicatos, com diretores gerais, com responsáveis pelos serviços e com trabalhadores no sentido de compreender como é que o teletrabalho podia ocorrer. Julgo que esta lei trará necessariamente balanços e na Administração Pública isso também terá necessariamente que acontecer.
Por exemplo, não tivemos praticamente nenhuns pedidos relativos àquele reforço [para apoiar as despesas dos trabalhadores em teletrabalho]. Isso merece ser avaliado. Significa o quê? Que os trabalhadores preferiram, apesar de tudo, acederem ao seu teletrabalho sem esse reforço? Não sabemos.
Há sempre uma questão de preferência, mas também de disponibilidade que serviço tem para poder ter a pessoa em casa. Aquilo que vivemos durante a pandemia não foi teletrabalho, foi uma experiência de trabalho remoto porque existia uma obrigatoriedade de ficar em casa.
A evolução desta realidade [de obrigatoriedade] para uma realidade em que os serviços terão sempre que ter algumas pessoas [em espaços físicos] e em que é preciso que as equipas continuem a funcionar exige pensar quais são essas modalidades. Isso foi dito também na nossa primeira reunião com os sindicatos. É uma avaliação que precisamos de fazer com eles, porque a emergência não é sempre amiga das melhores soluções para a reorganização do trabalho.
Luís Miguel Ribeiro
Presidente da Associação Empresarial de Portugal e(...)