13 abr, 2022 - 07:03 • Manuela Pires (Renascença) , Sofia Rodrigues (Público)
Dirigiu a bancada do PSD entre 2011 e 2017, na liderança de Passos Coelho, foi candidato contra Rui Rio em 2020, e perdeu, volta agora a esse papel com a certeza de que o partido perdeu eleitorado para o Chega e a Iniciativa Liberal. “É uma questão objetiva”, diz o advogado, 49 anos. Defende um PSD reformista, é a favor do referendo à regionalização, mas muito crítico do processo da descentralização de competências.
Há uma semana apresentou a candidatura à liderança do PSD e assumiu que é candidato a primeiro-ministro. Mas até lá ainda tem outras eleições internas. Acredita que é um vencedor no partido ou está convencido que o primeiro-ministro vai mesmo trocar Portugal por Bruxelas?
Acredito que há todas as condições para vencer estas eleições internas e assumir as funções de liderança do PSD e, a partir daí, construir um trabalho político que cumpra a dupla missão que o povo nos mandatou nas últimas eleições. Por um lado, fazer um trabalho de oposição firme, consistente, muito vigilante e escrutinadora da atividade do Governo e, por outro lado, construir uma alternativa política com base na qual nos apresentaremos às próximas eleições legislativas. Este não é um projeto de gestão interna do PSD.
A liderança de Rui Rio afastou o eleitorado tradicional do partido para a Iniciativa Liberal e para o Chega?
Não é uma questão de opinião, é uma questão objetiva. O PSD perdeu duas eleições legislativas em dois anos, ambas com um score eleitoral abaixo dos 30%. É um contexto que é novo na história do PSD. Não estamos habituados. Desta vez, o PS ganhou com uma maioria absoluta.
Há aqui responsabilidades de Rui Rio?
A questão de nós não termos aglutinado o eleitorado não socialista está expressa no resultado eleitoral.
A liderança de Rio posicionou o PSD mais ao centro. Essa estratégia falhou? Como é que será consigo?
Creio que os portugueses estão um bocadinho cansados desta discussão, que é um bocadinho estéril, à volta do PSD. Falo por mim. Não tenho nenhum problema existencial sobre a afirmação ideológica do PSD. O PSD é o mesmo de sempre. Responde diretamente aos anseios, às necessidades, às inquietudes das pessoas. Quando estamos, no discurso político, uns a dizer que temos de estar mais ao centro, outros que temos de estar mais à direita, não estamos a falar para as pessoas.
André Ventura quer assumir-se como o principal líder da oposição. Como é que vai contornar isso?
Mal de mim se estivesse agora concentrado no André Ventura e no Chega. O campeonato do PSD não é estar a fazer competição com o Chega. O meu campeonato é vencer o PS, é dar uma alternativa liderante que tenha, na sua génese, uma capacidade reformista, que este Governo não tem. Temos um Governo que é uma autêntica pasmaceira, é um Governo que não ata nem desata, que mantém tudo na mesma, é um Governo que não mudou nenhuma das estruturas do país. Temos um Governo meramente preocupado com o dia-a-dia, reativo às dificuldades, que faz lembrar aquelas repartições públicas que carimbavam documentos.
Quando Ventura chama múmias aos deputados do PSD que se abstiveram na moção de rejeição, o que deve dizer o líder do PSD?
Não vamos entrar em diálogo direto com o Chega. É o que o Chega pretende, está a fazer o seu papel, e também é aquilo que o PS, muito habilidosamente, e o primeiro-ministro em particular, insistem em fazer. Quanto mais se valoriza a posição do Chega ou desvaloriza – aquilo que sucedeu em termos de normalidade de funcionamento do Parlamento, com a não eleição de dois candidatos à vice-presidência da mesa –, é uma opção do PS. E é responsabilidade única do PS.
Porque é que acha que o PS fez isso?
O PS, não é de agora, mas o primeiro-ministro, o presidente da Assembleia da República, o atual e o anterior, gostam de criar casos com o Chega porque a forma habilidosa como o fazem transforma o Chega num ator político-parlamentar central. É isso que o PS quer, valorizar o Chega, entrando em conflito com ele. É uma habilidade. Não vou embarcar nisso.
O Orçamento entregue esta quarta-feira é capaz de dar resposta ao aumento da inflação e aos principais problemas do país?
Se repetir o Orçamento do ano passado, não há grande novidade. Mas há uma circunstância nova e não é boa. Para além da escalada da inflação, que já começou no verão do ano passado, sabemos que a Europa vive num contexto de guerra e que as instituições e o Governo também estão a rever a taxa de crescimento económico em baixa. O Governo já o fez há 15 dias ainda com o ministro das Finanças anterior... é uma curiosidade porque o Governo podia apresentar o Programa de Estabilidade até 20 de abril. Vamos tentar perceber se isso tem algum significado.
Parece haver uma grande confusão no Governo e muito pouco discernimento neste panorama. A única coisa nova foi a inenarrável pré-proposta do ministro da Economia com a criação de mais um imposto. Qual é a resposta às dificuldades que o PS vai trazer? Mais impostos, a resposta de sempre.
Com a qual o líder do PSD concordou...
Mas eu discordo. Porque acho que é um sinal contrário e negativo. Para já a proposta não está explicada. Ninguém sabe o que é um incremento potencial com base na crise nos rendimentos das empresas. O dr. António Costa não é a primeira vez que faz isto. Embora ele tenha dito muitas vezes que virou a página da austeridade, ele, de facto, virou a página, mas dentro da austeridade.
Concorda com Mota Pinto quando falou em austeridade encapotada?
Não é encapotada, é direta. A austeridade do dr. António Costa nunca foi encapotada. Já uma vez chamei o IAC – Imposto António Costa ao aumento de 2016 que fez sobre os combustíveis. Foi direto. O Governo está a colecionar mais receita fiscal à conta do aumento dos combustíveis e dos impactos que estão subjacentes à formação do preço dos combustíveis, nomeadamente à aplicação de IVA sobre o próprio ISP.
O custo do imposto subiu de forma rígida e não consoante as flutuações de mercado. Ele prometeu isso, mas depois não o fez. Não nos esquecemos das cativações do investimento público. Estamos há seis anos com taxas de investimento público que são as piores do nosso período democrático.
Qual devia então ser a prioridade no Orçamento?
A prioridade deve ser apostar na capacidade de investimento das empresas. As empresas portuguesas estão asfixiadas em impostos e muita burocracia, o que se compagina com acesso a fundos comunitários.
Na apresentação da sua candidatura, falou na necessidade de uma reforma fiscal, de um plano de acolhimento de imigrantes e ainda de um pacto nacional na transição digital e alterações climáticas. Que outras reformas devem ser prioridade?
O plano de imigração é uma questão estratégica para Portugal. Temos um problema demográfico que se vai projetar nas próximas décadas. Devíamos ter um plano como tem a Austrália, o Canadá e a Alemanha, que identifique as principais lacunas que temos de mão-de-obra e que crie um programa de recrutamento e acolhimento de imigrantes que venham qualificar a nossa economia.
Sobre o referendo à regionalização, como é que o PSD se deve posicionar?
Sou favorável, mas a haver referendo, que se mantenham as regras que hoje a Constituição determina. O tema hoje é extemporâneo. Estamos a meio de um processo de descentralização e parece que andamos a brincar com este processo. Ninguém está satisfeito: o Governo não está, as autarquias também não. Há razões de queixa dos autarcas, mesmo do PS. A minha avaliação do que aconteceu até ao momento é negativa. O processo está a ser adiado permanentemente.
O referendo foi só uma ideia para a campanha eleitoral?
Acho que o PS e o Dr. António Costa quiseram empurrar com a barriga para a frente. Como sabem que há muita gente a defender a regionalização, ele quis tranquilizar. Até concordo que temos de fazer uma avaliação, mas é quando houver descentralização. Os prazos e timings de António Costa não vão ser cumpridos. Perante um problema, gere o problema e aqui a gestão é adiar. Não é só aqui, é em quase tudo. Ele é um especialista no adiamento. O dr. António Costa é doutorado em adiar a resolução de problemas.