Hora da Verdade

Nuno Melo. ​“Se gostava” de ver Paulo Portas como Presidente da República? “Claro que sim”

24 fev, 2022 - 06:37 • Susana Madureira Martins (Renascença) , Sofia Rodrigues (Público)

Nuno Melo, que é candidato à liderança do CDS, defende que o partido tem de ser a casa onde “onde democratas-crisãos, liberais e conservadores se sintam bem”. Em entrevista ao programa Hora da Verdade, o eurodeputado assume discordar do cordão sanitário ao Chega.

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Foto: Rui Gaudêncio/Público
Foto: Rui Gaudêncio/Público

Com 55 anos, o eurodeputado assegura, em entrevista à Renascença e ao jornal Público que, se for eleito no congresso de 2 e 3 de Abril, quer abrir o CDS a independentes e anuncia desde já Luís Mira, secretário-geral da CAP, como um dos nomes que convida para colaborar com o partido na área da agricultura.

Há quinze anos era líder parlamentar do CDS e teve uma enorme tensão com o então presidente do partido, Ribeiro e Castro, que o chamou de chefe da banda. Agora quer ser literalmente o chefe de uma banda que entrou em debandada. É este o cenário em que estamos no CDS?

E uma banda a tocar afinada e a dar ao país o que precisa num partido que vai ter de ser lido como útil, onde as pessoas estejam motivadas, dos grandes quadros do CDS a uma militância que normalmente é muito esforçada, aproveitando os nossos autarcas e tendo aqui este eurodeputado que gostava de garantir que o CDS manteria o cargo.

No congresso que elegeu Francisco Rodrigues dos Santos em 2020, o Nuno Melo assumiu que “manifestamente que sim”, que o partido estava saturado do ‘portismo’. E agora? Já não está?

Na verdade, não foi rigorosamente o que eu disse. Numa interpretação para o que sucedeu nesse congresso, pareceu-me óbvio é que pedia uma certa mudança. Hoje, num cenário extraordinário, o que conseguirei fazer é unir o partido, reconciliando-o com o passado, trazendo o melhor desse ‘portismo’, ao mesmo tempo renovando e aproveitando muitos quadros disponíveis, a par de muitos independentes.

Está a falar de quem, por exemplo?

Nas próximas semanas vou começar a apresentar grupos setoriais que serão constituídos por pessoas, que nuns casos são do CDS, noutros são independentes. Na agricultura se tivermos um grupo constituído à cabeça pelo engenheiro Luís Mira, que é secretário-geral da CAP, e é independente, juntamente com outras pessoas, que são do CDS como o dr. Nuno Vieira Brito, que foi secretário de Estado, Mário João Araújo e Silva, número dois da Direção-Geral da Agricultura do Norte, Francisco van Zeller, que faz dos melhores vinhos em Portugal, e Francisco Pavão, das pessoas que mais conhece o mercado do azeite. É uma lógica que será replicada noutros setores – na saúde, na justiça na economia, nas finanças e noutras agendas que quero trazer para o CDS como a economia digital, economia verde e da sustentabilidade. São interpretadas como agenda de esquerda, o que é disparatado.

O excesso de centralismo na figura de Paulo Portas não influenciou o início do fim do CDS? A culpa é só de Francisco Rodrigues dos Santos?

Não influencia nada, acho uma ideia muito feita mas muito errada. Se há pessoa que inovou profundamente no panorama português foi Paulo Portas. É um dos maiores talentos da política, isso não é só reconhecido no CDS, é-o no país. De resto, o programa que hoje faz levou muita gente a dizer que ‘não fazia ideia que Paulo Portas fosse o que é’. Só por preconceito ideológico porque Paulo Portas é uma pessoa de inteligência superior, de grande talento que o país reconhece. Foi na sua liderança que grandes figuras do CDS surgiram para a política em Portugal. Hoje toda a gente diz que Cecília Meireles é uma extraordinária deputada. Quem a lançou? Foi Paulo Portas.

Assunção Cristas também...

Foi Paulo Portas que lançou Assunção Cristas. Muitas das pessoas que têm visibilidade política foram lançadas por Paulo Portas. Diz-me que Paulo Portas era uma figura carismática...claro que era. Um partido ganha quando tem na liderança uma figura carismática, se for uma figura apagada, que o país não conhece, então seguramente o partido não tem sucesso.

Isso foi o problema de Francisco Rodrigues dos Santos? Era uma figura apagada que ninguém conhecia...

Não, não quero falar do passado.

E o regresso de figuras como Adolfo Mesquita Nunes e Pires de Lima. Consegue garantir esse regresso?

Não consigo garantir nada porque não tenho ainda como determinar as decisões alheias. Mas agradeço muito aqueles que decidiram ficar no CDS, acreditando que tem futuro, agradeço aos que tendo saído e que voltam ao CDS como agradeço muito àqueles que optando para já ficar de fora na militância ficam profundamente ligados até do ponto de vista espiritual ao CDS. Nesses incluiria Adolfo Mesquita, António Pires de Lima e Francisco Mendes da Silva. São três exemplos, há mais, gostava de ver voltar ao CDS, acredito que um dia poderá ser e farei tudo para que assim seja. Um partido não cresce subtraindo, e eu quero somar os melhores. E os nomes que refere são alguns dos melhores.

Até agora, o que vimos ao seu lado foram figuras do ‘portismo’. Que outros rostos pensa trazer?

Sinceramente acho que viu mal. Se estiver atenta ao conjunto de pessoas que estiveram comigo, vê pessoas que não têm a ver com o ‘portismo’ como o Luís Queiró, que é anterior, como Vasco Weiberg, número quatro das listas às europeias [2019] e que [é das pessoas que] mais sabe do mar em Portugal. Vê pessoas também relacionadas com a Juventude Popular, e muitas outras por quem vou querer puxar.

Reconciliar o partido é uma tarefa difícil. Já reconheceu que o partido está fraturado há 20 anos...

Acredito que é mais do que possível. Até porque tenho relações pessoais e de amizade com pessoas de diferentes ciclos e, muitas vezes, são minudências que as mantêm afastadas. Quero ser a ponte, não quero ser a barreira. Quando se insiste no ‘portismo’, vi congressos inteiros a aplaudir PP de pé, com lágrimas nos olhos. De repente, o que era um fenómeno extraordinário há uns anos agora tem de se afastar como uma marca com medo de qualquer coisa? É um disparate. Quero o melhor do ‘portismo’, o melhor do ‘castrismo'… o Paulo Núncio esteve da direcção de Ribeiro e Castro está comigo – como o melhor dos tempos de Manuel Monteiro.

Não quero perder um segundo a falar do passado e em processos de purgas a afastar pessoas porque foram de A, B ou C

Paulo Núncio entrou também em rota de colisão com esta direção...

Paulo Núncio já colabora com o CDS muito antes desta direção. Interessa-me o talento, disponibilidade e boa-fé. Não me interessa denominações – ‘portismo’, ‘castrismo’, ‘monteirismo’. Em todos os ciclos houve talentos. Quero ir buscar o melhor de todos estes ciclos, o CDS é feito de todos eles. Vivemos uma situação excepcionalíssima no CDS.

Acredito num outro sentido de disponibilidade e responsabilidade que antes não tinha. Percebem o CDS como um bem maior. Quero que o CDS seja um espaço onde democratas-crisãos, liberais e conservadores se sintam bem, sintam que é a sua casa. Não quero processos de purificação ideológica, que são absolutamente disparatados. Todos fazem muita falta. Não quero perder um segundo a falar do passado e em processos de purgas a afastar pessoas porque foram de A, B ou C. Não quero mesmo.

Imagino que não vai chamar Francisco Rodrigues dos Santos para nada...

Dei-lhe a teoria geral sobre os critérios. Quem preencher esses critérios conto com as pessoas. Não vou fulanizar a nossa conversa. Também com apostas que serão minhas.

Nesta reconciliação, que empenho gostaria de ver de antigos líderes como Paulo Portas e Manuel Monteiro?

Todo. E tenho uma secreta esperança de que assim será. Muito embora tenhamos de entender as circunstâncias pessoais e os ciclos de cada um. Às vezes perguntam-me: tem falado com Paulo Portas? Tenho falado com ele desde que o conheço. Só se fosse destituído de senso político é que não queria falar com pessoas como Paulo Portas. Como também falo com Manuel Monteiro. E como falo com outras.

Gostava que Portas viesse apoiar a sua candidatura?

Não acho que o tenha de fazer porque, neste momento, Paulo Portas é uma pessoa que transcende em muito o CDS. E nunca iria, eu próprio, servir como alguém que afunilaria ou restringiria Paulo Portas em papéis que poderá ter muito mais relevantes no futuro. Acredito que Paulo Portas, por amizade, por proximidade, é uma pessoa que continuará a colaborar com o CDS e comigo. Mais que não seja com bons conselhos, que não é coisa pouca.

Nuno Melo abre caminho à candidatura de Paulo Portas à Presidência da República
Nuno Melo abre caminho à candidatura de Paulo Portas à Presidência da República

Está a falar de outros voos de Portas como uma candidatura à Presidência da República?

Não consigo antecipar decisões nem vontades. Se me dissesse se eu gostava? Pudesse o país ter alguém como Paulo Portas a Presidente da República. Não tenho dúvida de que faria muitíssimo bem o papel.

Se chegar como líder do CDS ao momento de haver candidaturas à Presidência, pode dar o beneplácito a Portas?

Suponho que sabe a resposta, essa é uma daquelas perguntas retóricas. Num qualquer cenário, Paulo Portas entendia que queria ser candidato à Presidência da República, há uma coisa que sei: gostaria que vencesse, gostaria que o meu apoio também não fosse redutor no sentido de se achar que seria um candidato ligado ao CDS. Se alguma vez fosse candidato, vencendo, seria candidato e venceria pelas suas características pessoais, muito mais do que as ligações que tivesse ao CDS.

Se me pergunta se eu apoiaria? Claro que sim. A única dificuldade é que poderíamos ter várias vontades próprias do CDS tão boas que nos levasse a pensar qual a melhor. É prematuro falar de presidenciais ainda para mais de quem não manifestou vontade. O que lhe posso dizer é que Paulo Portas é um talento singular e que o país pode aproveitar para outras coisas, agora que não é presidente do CDS.

Já fez as contas à dívida total do CDS? E já tem um plano para salvar financeiramente o partido? Como é que vai pagar salários? Vai fechar sedes concelhias, distritais? Já falou com o patriarcado e com a Câmara de Lisboa sobre o edifício-sede em Lisboa?

Não tenho nenhuma ideia do estado financeiro do CDS. Quando tantas vezes se fala de edifícios, a minha maior angústia tem a ver com pessoas. O CDS tem há muitos anos funcionários dedicados, e se o estado financeiro for o que leio na comunicação social isso preocupa-me porque não havendo dinheiro para pagar contas há escolhas que terão de ser feitas. O que espero é que quem ainda preside aos destinos do CDS, não onere mais o partido com dívidas.

Isso quer dizer o quê?

Gostava muito que o próximo congresso do CDS, sendo digno, que tivesse na localização a prioridade. Porque um partido que tenha dificuldades para pagar as suas despesas e amortizar dívidas não estaria em condições de somar gastos com congressos que seriam uma loucura se houvesse alternativas mais baratas. Estranharia a escolha de um local mais oneroso, havendo essas alternativas.

Vai fazer campanha para a repetição do voto dos emigrantes da Europa?

Já tenho feito campanha nas redes sociais, nas entrevistas e estarei no terreno a ajudar a Francisca Almeida. Estas eleições para o círculo da Europa poderiam ser uma prova de justiça a um partido que faz falta na Assembleia da República. Resta saber se os emigrantes têm noção do que se joga em Portugal.

Nuno Melo não vai "demonizar o Chega" e não quer o "CDS a crescer a apoucar quem vota"
Nuno Melo não vai "demonizar o Chega" e não quer o "CDS a crescer a apoucar quem vota"

Relativamente à relação com o Chega, como tenciona lidar com este partido?

Há uma coisa que não vou fazer: é o jogo que interessa António Costa que é demonizar o Chega, dividir a direita e perpetuar a esquerda no poder. Alguém que acha que o Chega tem alguma coisa que a Constituição não consente, então lide com o Chega no plano jurídico. Falar-se em cordões sanitários em relação ao Chega e depois achar-se muito bem que o PCP convide organizações terroristas como as FARC [Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia] para a festa do Avante e ache que aí nunca fez sentido cordões sanitários...

Tudo me separa do Chega mas não confundo o Chega, partido, com os eleitores. Não quero o CDS a crescer a apoucar quem vota. O que tenho é de dizer às pessoas que votaram na IL, no Chega, no PSD e em alguns casos no PS, que o CDS faz falta. Não vou ser contributo para dividir essa direita.

Em Espanha, o PP espanhol está numa crise profunda. É sintoma de como está a direita tradicional nesta região da Europa?

É um sintoma do envelhecimento do regime. No PP espanhol pode ser oportunidade para o partido recuperar.

Vê semelhanças com o CDS?

Não, não vejo. Há uma dinâmica na União Europeia que tem levado a uma reconfiguração político-partidária que levou ao desaparecimento de partidos tradicionais, ao aparecimento de novos partidos e até ao desaparecimento de novos partidos como o Ciudadanos em Espanha.

Temos de saber ler tudo isto e saber que o CDS mantém um conjunto de características que outros não têm, mostrando o CDS como um partido útil. Estamos a falar da perigosíssima subida na inflação. Vê alguém a falar disso? Ninguém. Os portugueses, além dos impostos directos, pagam uma loucura no preço dos combustíveis. O Governo continua a sorver os poucos recursos dos contribuintes, não adaptando as circunstâncias no que poderia para diminuir os encargos das famílias e das empresas. Os partidos têm de exigir que aquilo que está a ser cobrado a mais em IVA que se reduza em ISP. São coisas que têm de ser ditas e é assim que um partido se mostra útil.

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  • José J C Cruz Pinto
    27 fev, 2022 ILHAVO 13:51
    Mais haverá mais alguém que queira ver o videirinho do Paulo na Presidência da República?

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