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Jorge Cordeiro. “Dar maioria absoluta ao PS seria premiar quem merece ser castigado”

11 nov, 2021 - 06:47 • Eunice Lourenço (Renascença), Helena Pereira (Público)

Dirigente do PCP e negociador de orçamentos avisa que o partido "não se deixa meter no bolso" e acusa Costa de fazer "bluff".

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Jorge Cordeiro. “Dar maioria absoluta ao PS seria premiar quem merece ser castigado”
Jorge Cordeiro. “Dar maioria absoluta ao PS seria premiar quem merece ser castigado”

Jorge Cordeiro, membro da comissão política do PCP e um dos elementos da equipa de com o Governo nos últimos seis anos, está convencido que António Costa fez bluff nessas negociações, porque queria eleições legislativas antecipadas e acusa mesmo o PS, em entrevista ao à Renascença e ao jornal Público, de se apropriar “indevidamente” de propostas do PCP, como o aumento extraordinário das pensões, para as incluir no programa eleitoral com que se apresentará ao eleitorado nas eleições de 30 de janeiro.

Qual vai ser a estratégia do PCP para a campanha eleitoral?

Temos uma oportunidade para perguntar aos cidadãos aquilo que querem decidir para as suas vidas, condições de trabalho. Nesse sentido, as eleições são uma oportunidade para o reforço da CDU com a garantia de que com mais deputados poderemos ter melhores condições para assegurar uma trajetória e política no país que valorize salários, direitos e o SNS.

Como vão tentar combater o discurso do PS de culpabilização do PCP e do Bloco pelas eleições antecipadas?

A única culpa que poderemos ter é a de não nos conformarmos com respostas insuficientes e de querermos que sejam concretizadas, num momento em que existem possibilidades para o fazer. Creio que está evidenciado que o PS tinha um objetivo: alcançar a maioria absoluta, porque imagina que com essa maioria absoluta pode ficar mais livre para fazer aquilo que quiser.

Acha então que o Governo quis criar uma crise política?

Acho que sim. O PS, em momentos diversos, por ausência de resposta, a partir de determinado momento, não sei se antes ou depois de o próprio Presidente da República ter estendido essa passadeira, quis vitimizar-se, atribuindo a terceiros responsabilidades que são suas e ambicionar aquilo que pensa alcançar e que, na nossa opinião, seria mau para o país.

Em entrevista ao Público e Renascença, o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares insinuou que o PCP estava à procura de um pretexto para chumbar o OE, ou seja, a subir demasiado a parada para a corda se partir. Porque é que ambos os lados têm a perceção de que a outra parte quis ir para eleições?

Isso resulta da forma como as negociações se fizeram e como cada um procurou responder aos problemas. Nós colocámos em cima da mesa meia dúzia de questões absolutamente essenciais, umas diretamente relacionadas com o OE, outras que, não sendo relacionadas, pesam decisivamente nas condições de vida dos portugueses. Encontrámos da parte do PS uma persistente resistência e algumas aproximações tímidas. Nos aspetos cruciais o PS teimava em não nos ouvir.

O salário mínimo nacional (SMN) e a Segurança Social?

Não se pode resumir a isso. Colocámos à cabeça as exigências sobre salvar o SNS. O PS neste campo respondeu-nos de forma absolutamente marginal, compromissos para se estudar soluções, admitir experiências-piloto, retardar a efetividade dessas soluções. No SMN, fomos ao ponto de propor um meio caminho: aumento em janeiro e outro a meio do ano para os 800 euros. O primeiro-ministro, na entrevista na segunda-feira, considerou isso irrealista. Nós achamos que é realista. Na caducidade das convenções coletivas, não há nenhuma razão para a sua não revogação. Em resumo, é uma caricatura colocar o problema em torno da diferença de posições sobre o SMN.

O PCP foi-se sentindo enganado nas execuções orçamentais e sobretudo a partir de 2019, quando viabilizou um OE que permitiu o primeiro excedente orçamental em 40 anos?

Só se sente enganado quem tem ilusões e nós nunca tivemos ilusões, desde 2015, de que o PS abandonava opções que são suas e das quais nos distanciamos.

Mas no caso do excedente orçamental, ninguém estava à espera. Foi uma surpresa.

O PS vê isso como uma surpresa positiva. Nós vemos isso como evidência negativa, uma vez que aquilo que é excedente orçamental é retirado de algum lado, ou seja, das respostas que são necessárias dar, do nosso ponto de vista.

Daí a pergunta sobre se o PCP se sentiu enganado ou humilhado. Quando pediu dinheiro para aumentar as pensões, o Governo disse que não havia, mas depois, quando se chegou ao fim do ano, havia ali 400 milhões de euros de sobra.

Sentimos a confirmação daquilo que fomos dizendo ao PS: havia possibilidade e meios de resposta aos problemas e o PS colocava como prioridades objetivos determinados que são os seus e que não acompanhamos. Sem prejuízo de termos dado aquela contribuição decisiva em 2015, sempre dissemos que havia um momento a partir do qual as limitações da política do PS iriam evidenciar a ausência da resposta que entendíamos necessária e o avolumar de dificuldades.

Foi a partir desse OE2019 que isso ficou evidente?

Depois das eleições de 2019, o quadro alterou-se e o PS viu crescer um pouco a sua influência e isso alterou a postura do PS.

O primeiro-ministro achou que tinha praticamente o PCP no bolso?

Não sei. O PCP não se deixa meter no bolso. Creio que fizemos agora prova disso. É aos trabalhadores deste país que respondemos. Em 2020 fomos surpreendidos pela pandemia e não faltámos, antes pelo contrário. Assumimos as nossas responsabilidades, interviemos para garantir o pagamento por inteiro aos trabalhadores em layoff, prolongamento automático do subsídio de desemprego, etc. Passada a pandemia, num momento em que os problemas ficam cada vez mais à vista e em que muitos se avolumaram, em que há meios imensos que existem e que são propagandeados, não nos parece justificável manter uma trajetória de política [apenas do PS].

Estava escrito nas estrelas que mais tarde ou mais cedo ia haver este separar de águas?

Estava evidenciado que mais tarde ou mais cedo as necessidades que entendemos de responder ao país nos salários, reformas e direitos entrariam em contradição com opções do Governo que as limitam, como opções sobre o défice, prestar contas para lá do que são os interesses nacionais.

Quando Costa fala em maioria absoluta, não sente que está a descartar o PCP e a apelar ao voto útil?

O secretário-geral do PS estará a pensar sobretudo em poder descartar-se da obrigação de responder aos problemas que precisam de ter resposta. 2019 provou uma coisa: o caminho para que os portugueses tenham direito à saúde, educação, escola pública de qualidade, habitação, tudo isso ficará menos protegido e menos seguro, se o PS reforçar as suas posições.

E se o PS tiver uma maioria absoluta nas próximas eleições?

Tudo o que signifique reforço do PS significará um PS com uma política cada vez mais próxima daquela que diz combater que é a da direita e do PSD. Sair destas eleições [de 30 de janeiro] com um reforço da CDU em número de deputados resulta em mais perspetivas de dar respostas e soluções ao país.

Esta semana, em entrevista à RTP, António Costa apelou a uma maioria reforçada. Disse também que gostaria de fazer acordos à esquerda e à direita. Acha que foi sincero? O que retirou disto?

O elemento fundamental daquela entrevista, do princípio ao fim, foi a dinâmica de apelo à maioria absoluta e ao voto útil, pela argumentação usada, pelos elementos que aduziu sobre o que podia fazer agora, mas que diz que não vai fazer agora, só daqui a uns meses. se lhe derem os votos.

E vai pôr no seu programa eleitoral todas as propostas que apresentou ao PCP e BE e que estes não acharam suficientes, como o aumento de pensões e o mínimo de sobrevivência. Como viu isto? Acha que o PS está a aproveitar-se de propostas dos seus ex-parceiros?

Sim, aquilo que a gente sabe com que esforço foi alcançado. Ele está a usar indevidamente uma pressão sobre os eleitores para garantir um ou outro elemento, alguns que resultam da nossa intervenção, para poder vir a ter determinada influência. O primeiro-ministro falou nessa entrevista, por exemplo, do aumento das reformas e prestações sociais, que podia, mas não queria. Isso diz muito sobre a dinâmica que procura construir, ainda por cima alicerçada em elementos que têm em si mesmo pouca consistência, porque ou o PS não discutiu connosco seriamente [nas negociações para o OE22] e...

Andaram a fazer bluff?

Andaram a fazer bluff e a fazer propostas que na prática sabiam que não iam aplicá-las, mas sobretudo usá-las e instrumentalizá-las no plano eleitoral e o caso das reformas é um deles. Na proposta de lei do OE2022, o PS propôs aumentos a partir de agosto. Nós nunca admitimos. E eles tentaram todos os anos que esse aumento fosse apenas em agosto.

Agora, já prometem que o programa eleitoral [para as legislativas de 30 de janeiro] venha a ter esse aumento com retroativos a janeiro.

Agora usam o argumento de janeiro a favor deles, quando fomos nós que na prática lhes dissemos que nem valia a pena falar em agosto! O argumento da maioria absoluta é assim uma espécie de abono de família para os objetivos do PS, procurando levar as pessoas a pensar que é aí que encontram a solução para os seus problemas. Essa solução não se assegura com um reforço do PS em detrimento da força da CDU.

As relações entre PCP e o líder do PS não ficaram deterioradas depois destas negociações?

Nós nunca andámos ao engano, nem de uma parte nem da outra.

António Costa ainda é a melhor pessoa do PS para dialogar com a esquerda?

A nossa questão não está nas relações pessoais. Está em saber se o nosso interlocutor do PS tem ou não opções que se aproximam daquilo que nós consideramos que é necessário para enfrentar os problemas nacionais. A vida prova que o PS hoje mantém os mesmos critérios e opções que, a nosso ver, não garantem aquilo que é necessário garantir, como salários dignos.

Mas isso não significa que a chamada “geringonça” de 2015-19 tenha sido um arrependimento?

Não, não temos nenhuma razão de arrependimento.

Enquanto durou a “geringonça”, sentiu em algum momento que o PCP estava a fazer uma coisa que os chamados “renovadores comunistas” defendiam nos anos 90? Ou seja, afinal em alguma coisa eles tinham razão?

Não, não creio que isso tenha qualquer relação. Fizemos em 2015 um juízo que foi o que resultou de quatro anos desgraçados na vida do país. Olhámos para os resultados e concluímos que era altura de provar que o resultado que PSD e CDS tiveram não era suficiente para permitir mais quatro anos de calvário para a vida dos portugueses. Tomámos a iniciativa de evitar que eles [PSD e CDS] prosseguissem, porque teriam prosseguido por vontade do PS.

O que os renovadores comunistas defendiam era precisamente que os votos dos portugueses refletidos em mandatos na Assembleia da República fossem usados de forma mais útil para influenciar as políticas do partido que estava no poder.

Não me quero fixar muito nesse tipo de pessoas. Algumas dessas pessoas gostariam de nos ver como força de apoio do PS. Ora, nós não somos força de apoio do PS, nem o fomos nos primeiros quatro anos. Não temos nenhum arrependimento, muito pelo contrário, temos absoluta convicção de que demos contribuição decisiva para conquistar coisas que não existiam e repor reformas e salários, para se devolver o subsídio de Natal, para se repor os feriados. Fizemos o que devíamos ter feito.

Do ponto de vista do PCP, vale a pena correr o risco de ir a eleições e voltar a haver um governo de direita?

A direita combate-se dando o voto a quem dá garantias de ser consequente no seu afastamento e derrota e isso está provado que somos nós. Há uma memória do que a direita representa. Dar mais votos e mandatos à CDU é a garantia de que isso não se concretiza, como também não se concretiza a perspetiva ambicionada pelo PS de ter uma maioria [absoluta] que, na prática, faz com que o PS venha a ser cada vez mais parecido com a direita.

Se as eleições ditarem um resultado parecido com o de 2015 ou 2019, o PCP está disposto a conversar com o PS?

Neste momento, estamos a dois meses das eleições. O que colocamos aos portugueses é uma escolha sobre o que querem para as suas vidas. As respostas serão tão mais próximas daquilo que são as necessidades que os portugueses sentem quanto mais força nós tivermos.

Mas o PCP pode ter menos votos também.

Não partimos para estas eleições com a ideia de que estamos com essa sina. Não vemos nenhuma razão para isso. Nós defendemos o aumento de salários, acesso ao SNS, garantia da escola pública, direito à habitação, condições para o desenvolvimento económico do país. Seria um absurdo que quem defenda isto seja penalizado. Se quem negou isto sair reforçado, isso é que é surpreendente e até se poderia dizer que se premiou quem devia ser castigado.

Até dia 30 de janeiro, o PCP vai mudar de líder ou criar o cargo que já existiu de secretário-geral adjunto?

O PCP teve um congresso em 2020 e terá outro em 2024. Jerónimo de Sousa já respondeu que vai travar esta batalha como secretário-geral e como candidato às eleições.

Para fazer qualquer tipo de alteração na estrutura não é preciso um congresso, pode ser em comité central.

Não é uma questão que esteja colocada.

Jerónimo de Sousa não tem uma figura muito desgastada e associada a quedas eleitorais do PCP?

Não. Não fulanizamos. O meu camarada Jerónimo de Sousa tem dado uma contribuição importantíssima. É indiscutível, e aceite mesmo por adversários, que temos um secretário-geral que tem uma vantagem imensa: um percurso de vida que fala por si, que se identifica com os problemas reais de cada trabalhador.

E João Ferreira também será candidato a deputado?

Não posso responder a isso. As listas ainda não começaram a ser discutidas.

No PCP, a voz dos homens é que conta? A comissão política tem 24 membros e só três são mulheres, no secretariado são duas em dez, na comissão central de controlo são duas em nove.

As circunstâncias são as que são. Temos muitas mulheres capazes. Em muitas circunstâncias, as suas próprias capacidades [são constrangidas] por elementos que têm que ver com a sua organização da vida e as suas tarefas que muitas vezes não são devidamente partilhadas trazem limitações. Mas não temos nenhum problema de participação de mulheres em geral. Temos um número que é esse, ainda é um número insuficiente. Trabalhamos para responsabilizar mais mulheres e mais quadros jovens, mas isso não significa em nada uma atenção menor aos problemas que as mulheres enfrentam.

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