Exclusivo Renascença

"Não estamos a combater a corrupção porque é Bruxelas que o pede"

10 mar, 2023 - 21:57 • José Pedro Frazão , enviado da Renascença à Ucrânia

Em entrevista à Renascença, o braço direito de Zelensky para a política externa admite que a admissão na NATO vai ter que esperar pelo fim da guerra.

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Exclusivo Renascença. Ucrânia admite negociar quando Rússia "retirar instrumentos agressivos"
Exclusivo Renascença. Ucrânia admite negociar quando Rússia "retirar instrumentos agressivos"

Numa longa entrevista concedida num dos gabinetes da Presidência ucraniana em Kiev, Ihor Zhovka pede aviões de combate para ajudar a vencer a Rússia e acredita na adesão à União Europeia, elogiando contributos de países como a Alemanha, França e Portugal. Leia aqui, na íntegra, a entrevista com o principal conselheiro para a política externa do Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky.

Qual é, realisticamente, do ponto de vista ucraniano, o calendário para a adesão da Ucrânia à UE?

Começámos muito rapidamente este processo logo no quinto dia de guerra. O meu presidente apresentou um pedido de adesão no dia 28 de fevereiro, no quinto dia desta guerra aberta em grande escala da Rússia contra a Ucrânia. E em menos de quatro meses recebemos este estatuto de país candidato. Foi um exemplo sem precedentes, penso eu, na história da União Europeia.

Estamos agora concentrados em finalizar a implementação das sete recomendações dadas à Ucrânia pela Comissão Europeia. Estamos a fazer completamente dentro do tempo, a um ritmo muito bom e a maioria delas já está cumprida. Tudo aquilo que o presidente, o parlamento e o governo podem fazer, já foi feito. Na última segunda-feira, foi designado um director do Gabinete Nacional Anticorrupção, nomeado pelo Gabinete de Ministros, em resultado de um concurso público.

Essa era uma das recomendações da comissão. Portanto, agora estamos a aguardar o relatório intercalar a ser emitido ainda nesta primavera. E após o relatório final, estamos realmente à espera da próxima etapa, que são as negociações de adesão. A União Europeia tem de concordar com a abertura das negociações de adesão para a Ucrânia. É muito simples embora não seja assim tão fácil. Mas vamos fazê-lo a um grande ritmo e esperamos o mesmo da Comissão Europeia, dos estados-membros da UE, incluindo Portugal.

Portugal apoiou inequivocamente a Ucrânia quando foi concedido o estatuto de país candidato em junho. O vosso Primeiro-Ministro viajou até ao nosso país para se reunir com o meu Presidente, para o apoiar. Contamos com o apoio de Portugal nos próximos passos e depois na adesão. Ninguém pode dizer exatamente quando é que a Ucrânia será um membro da UE. As coisas poderão acontecer muito mais rápido quando a Ucrânia ganhar a guerra, mas nessa altura já devemos estar preparados, o que significa o início das negociações de adesão.

O primeiro-ministro, António Costa, tem vindo a avisar para um processo demorado tendo em conta a necessidade de reformas internas na União Europeia, para além das reformas que a Ucrânia tem de fazer.

São duas questões distintas. É provável que a União Europeia tenha que passar por este ou aquele tipo de reforma, em termos de tomada de decisão nos seus procedimentos internos. Mas isso cabe à União Europeia, ainda não somos membros da UE. Não acho que deva haver uma conexão clara, em que primeiro a União Europeia tenha de ser reformada e só depois possa pensar em adotar novos membros. Isso é caminhar na direção errada. Vamos tratar disto separadamente. Não temos nada contra a necessidade de reformar a União Europeia, mas a questão da adesão da Ucrânia à UE deve ser tratada o mais rápido possível.

Lemos constantes notícias sobre investigações e demissões ligadas a casos de corrupção na Ucrânia. Tudo isso está relacionado com esforços anticorrupção exigidos por Bruxelas?

Não estamos a lutar contra a corrupção porque é Bruxelas, Lisboa ou outra capital que o pede. Fazemos isto pelo nosso povo, de forma a vencer, para termos uma Ucrânia próspera, democrática e europeia. Combater a corrupção mesmo em tempo de guerra significa que o sistema está a funcionar, apesar de dois terços dos inspetores estarem na linha da frente da batalha. O Gabinete Nacional Anticorrupção, que acaba de receber o seu novo diretor, está a trabalhar e a lutar contra a corrupção.

Apesar de dois terços dos inspetores do Gabinete Nacional Anticorrupção estarem na linha de frente a lutar contra o agressor, os que ficam nos seus locais de trabalho levantam autos, recolhem provas, entregam toda a documentação na Procuradoria Especial Anticorrupção que depois vai para o Tribunal Superior Anticorrupção que profere decisões e condenações. O sistema está a funcionar apesar da guerra. E vai funcionar ainda mais ativamente depois da guerra.

Mas isto chega a altos cargos da administração, incluindo membros do Governo.

Assim que existe a mais pequena suspeita de corrupção, como viu com alguns vice-ministros, o Presidente reage imediatamente. As pessoas são demitidas e o julgamento começa. Não há vacas sagradas. Ninguém está imune a uma acusação da Procuradoria. Se a pessoa é corrupta, a reação é agora muito mais rápida e mais forte porque estamos a viver em tempo de guerra e não podemos ter pessoas dessas no poder, a lidar com o sector da defesa, segurança ou outros no país. São sectores demasiado importantes para que isto continue. Por isso nos últimos meses a reação do Presidente foi muito rápida.

Caso sejam provadas, estas acusações de corrupção minam o vosso esforço de guerra? Contêm ligações por exemplo com o inimigo?

Qualquer caso de corrupção prejudica a capacidade do Estado para sobreviver, para lutar e para vencer.

Além do combate à corrupção, quais são as principais tarefas que têm neste processo?

Bem, estamos a reformar setores da economia. Estamos a adaptar a nossa legislação como aliás vimos a fazer há vários anos. Quando enviámos o pedido de adesão, não estávamos a começar do zero, como se nada tivesse acontecido antes. No início do ano anterior, implementámos 70% do Acordo de Associação da Ucrânia com a EU. Isso significa adaptação da legislação que atende às normas e diretrizes da UE nos setores da economia. Agora estamos apenas a prosseguir este importante trabalho, implementando ainda mais o Acordo de Associação e o “acquis communautaire” dentro da administração da Ucrânia. Estamos a aproximar os setores da economia da Ucrânia ao mercado único.

Veja o que aconteceu com o setor elétrico da Ucrânia. Imediatamente, durante a guerra, conectámos o nosso sistema de eletricidade com a ENTSO-E (Rede Europeia de Operadores de Redes de Transporte de Electricidade). Quando os russos agora vão atingindo a infraestrutura crítica da Ucrânia, na verdade eles estão a atingir o vosso sistema, porque vocês são parte integrante do nosso sistema e nós somos parte integrante de vosso.

Continuaremos com a adaptação dos setores da economia da Ucrânia ao mercado interno, mesmo que ainda não sejamos membros. Por isso, quando a decisão política for tomada, estaremos prontos.

A Ucrânia está a aprofundar a sua relação com o mercado único europeu e demorará o seu tempo até conhecer uma decisão política. Consegue reconhecer que o processo de adesão à União Europeia será uma corrida de fundo?

Repare, não há necessidade de especular agora sobre quantos anos levará. No caso de Portugal, se não me engano, demorou nove anos, pelo que me disseram nos vossos gabinetes. Mas, ao mesmo tempo, tudo isso aconteceu noutras circunstâncias geopolíticas. Estávamos noutro estágio de desenvolvimentos históricos. Foi há 40 anos. Hoje vivemos em condições completamente diferentes. Estamos a travar uma guerra, a defender todo o continente europeu contra o agressor, a defender o nosso povo, as outras nações, os nossos vizinhos mais próximos. Por estas razões, merecemos estar convosco.

Somos iguais a vocês. Somos os mesmos europeus. Vi tantos ucranianos em Lisboa que são iguais a vocês. Trabalham no duro, têm conhecimentos, estão a dominar o vosso idioma. Trabalham de forma eficiente no vosso país para depois voltarem após a vitória da Ucrânia. Na verdade, já estamos lá [na União Europeia]. Portanto, os vossos líderes só precisam de ser ousados e inteligentes para tomar a decisão política apropriada. Quando a tomarão? Isso depende deles. Mas se eles não conseguirem [tomar uma decisão], provavelmente recorreremos ao vosso povo. Sabe quantas pessoas em Portugal apoiam a entrada da Ucrânia na UE? 87% do vosso povo apoia a ideia de estarmos convosco. Acha que os vossos líderes vão estar contra a decisão do vosso povo?

Espera ações ousadas do primeiro-ministro António Costa?

Esperamos decisões ousadas de todos os líderes da União Europeia. São os tipos de decisão que todos vocês precisam de ter durante a guerra contra o agressor em cada uma das nossas unidades. Portanto, esta é uma guerra geral, não é apenas a Ucrânia que está a lutar. Vocês estão a ajudar-nos, dando-nos armas, implementando sanções contra a Rússia, dando apoio financeiro. Mas temos que ser fortes e unidos, tomando os tipos de decisão que o Presidente Zelensky está a adotar.

Exclusivo Renascença. Governo ucraniano conta com "sabedoria" do Papa Francisco neste conflito
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Tem o mesmo sentimento em relação a todos os atores políticos em Portugal?

O vosso primeiro-ministro esteve aqui em Kiev a 21 de maio do ano passado e encontrou-se com o meu Presidente e falou com os líderes do meu país. E depois tiveram várias conversações telefónicas. O meu Presidente encontrou-se pela última vez com o vosso primeiro-ministro no dia 9 de fevereiro em Bruxelas durante o Conselho Europeu para o qual o nosso Presidente foi convidado.

Sentimos o apoio do vosso primeiro-ministro. Pensamos que o Presidente de Portugal também partilha desta posição, embora ainda não tenha visitado a Ucrânia. Mas sentimos apoio e não apenas nestes termos. O vosso país está a ajudar-nos em termos de armamento.

Quando aqui esteve em Kiev, António Costa ofereceu a assistência portuguesa relacionada com a experiência do processo que conduziu à adesão. Como é que esse processo avançou?

Recordo que ele mencionou isso e logo após sua visita, no espaço de dez dias, estava já a visitar o vosso país. E por sugestão do vosso primeiro-ministro, reuni-me com o secretário de Estado dos Assuntos Europeus. Tive conversas, discussões e trocas de opiniões muito profundas com as vossas pessoas, não apenas sobre o que fizeram para se tornarem um estado-membro da UE, como também esta responsabilidade em termos de integração na União Europeia.
Trocámos algumas experiências. Algumas do vosso país são relevantes para nós. Mas, reitero, o vosso país entrou na União Europeia há várias décadas e agora estamos numa situação bem diferente. Aproveitaremos com certeza toda a melhor experiência do vosso país. E estabelecemos contatos entre os vossos gabinetes e as autoridades relevantes na Ucrânia. Eu estou em permanente contacto com o gabinete do vosso primeiro-ministro. Vamos levar em conta as melhores experiências, mas em definitivo vamos também seguir o nosso próprio caminho.

Fala muito de Portugal. Apesar de ser um país muito mais pequeno, é assim tão importante para si?

Isto não é sobre geografia ou sobre o tamanho do país, mas sim sobre a força da voz. Cada voz conta. Portugal é membro da UE, das Nações Unidas ou de muitas outras plataformas importantes. Embora estejamos longe geograficamente, embora não tão longe assim, estando vocês na outra parte da Europa, acho que vocês sentem o que nós sentimos.

Provavelmente não seria o caso há algumas décadas. Mas agora todos em Portugal sabem definitivamente que a Ucrânia não é a Rússia. A Ucrânia não está nem sequer perto da Rússia. A Ucrânia é um futuro membro da família europeia.

Foi anunciado um projeto de reconstrução de escolas por Portugal em Zhythomyr. Como está esse processo?

Durante a minha visita, reuni com a empresa Parque Escolar, se bem me recordo. Estamos a tratar disto. Estão a fazer bons contatos com as nossas autoridades locais. Isso é muito importante, porque queremos ter uma recuperação rápida já a partir de agora. Não queremos esperar pela vitória. Uma recuperação rápida significa reconstruir as escolas, jardins de infância, hospitais, habitação social.

Está a correr muito bem e espero que muito em breve as vossas autoridades possam vir à região de Zhythomyr e abrir a escola renovada onde a bandeira de Portugal estará ao lado com a da União Europeia. E isso será um sinal de que Portugal realmente nos apoia.

A estratégia de Portugal recuperar Zhythomyr é semelhante à iniciativa, por exemplo, que entregou à Dinamarca a recuperação de Mykolaiv?

Sim, essa foi a ideia que o meu Presidente sugeriu a todos os líderes da União Europeia. Pegar numa região onde sintam que podem ser mais fortes.

E recuperar não apenas o setor da educação em Zhythomyr?

Sim, é sobre a reconstrução em geral. A reconstrução da habitação social, das escolas e jardins de infância precisava de ser feita agora. E, diga-se de passagem, Portugal é um dos países que imediatamente tomaram esta iniciativa e ajudou-nos muito.

Seria injusto que Bruxelas e a União Europeia apenas reconhecessem e aceitassem a Ucrânia na mesma vaga de adesões que inclua a Moldávia e os países dos Balcãs?

Bem, já estamos neste grupo de países candidatos. É uma abordagem objetiva. Não somos o único país candidato, mas não estamos concentrados noutros países. Estamos a fazer o nosso trabalho e, definitivamente, queremos ser tratados com base no mérito. É por isso que apenas a Ucrânia terá agora um relatório preliminar na primavera. Veremos onde somos fortes, onde somos fracos e teremos algum tempo para nos prepararmos para a decisão final, que será o relatório final de avaliação em outubro. Mais uma vez, estamos a mover-nos muito mais rápido, mas não há contradição, pelo menos entre nós e os países dos Balcãs. Houve uma tentativa de alguns parceiros para dizer que os Balcãs Ocidentais deveriam tornar-se membros da UE e só depois apenas a Ucrânia.

O meu presidente convidou três líderes dos países dos Balcãs Ocidentais a virem à Ucrânia e assinaram uma declaração com o meu presidente de que apoiavam fortemente o nosso estatuto de país-candidato como fariam tudo o que seria possível para apoiar-nos e seguir o mesmo caminho com a Ucrânia.

Alguns países dos Balcãs também têm problemas territoriais com os seus vizinhos. Isso constituirá algum obstáculo para a entrada da Ucrânia mesmo numa situação de guerra?

Não existe qualquer proibição sobre o movimento de integração europeia de um país em guerra. Não há qualquer documento europeu que o impeça.


A Ucrânia que entrará na UE terá o Donbass e a Crimeia?

Esse é o nosso objetivo. Queremos libertar todo o território da Ucrânia na base das fronteiras de 24 agosto de 1991. Nunca nenhum presidente ucraniano vai aceitar quaisquer concessões territoriais face ao território da Ucrânia a 24 de agosto de 1991. Que ninguém sequer sonhe com essa ideia.

Está convicto de que é possível entrar na UE sem resolver a guerra?

Vamos avançar muito rapidamente no processo europeu e muitas coisas vão ser mais rápidas depois da nossa vitória.

Com os reforços militares ocidentais, perspetiva uma forte contraofensiva ucraniana nas próximas semanas?

Os russos começaram a ofensiva no Leste em várias direções, mas de uma forma menor do que esperavam. Infelizmente para eles, estão também a ficar sem mão de obra, embora a tenham em número suficiente e possam ter outras várias formas de mobilização. Mas provavelmente eles estão também sem entender por que estão andam a fazer isto.

Portanto, eles tentarão fazer uma ofensiva nas partes do leste da Ucrânia, provavelmente começando nalgum lugar no sul, sendo improvável que comecem no norte do país. Mas esse tipo de vingança deve ser o último teste para eles, porque imediatamente a Ucrânia também deverá fazer a sua própria contraofensiva. E mais uma vez, aqui estamos muito dependentes do vosso oportuno apoio em termos de armas e munições.

Incluindo as promessas têm em relação aos tanques e a outras que estão a ser feitas agora, têm armas suficientes para isso?

Não neste momento, pois, como sabe, há múltiplos tanques de fabrico ocidental que estão a chegar à Ucrânia. Precisamos que esses tanques cheguem o mais tardar neste mês de março. Ouvi do vosso país a garantia do vosso país em relação pelo menos ao início do processo de entrega com tanques da coligação., que conta com mais de 10 países. Precisávamos deles ontem e precisamos deles hoje para começarmos a contraofensiva.

Pode voltar a assegurar que não vão usar este tipo de armas para atacar solo da Federação Russa ?

Garantimos que não vamos usar essas armas para atacar solo da Federação Russa. Não precisamos de um centímetro ou de um metro sequer de território russo. Mas a Ucrânia é enorme. E eles ocuparam uma parte significativa do meu país. Portanto, quando falamos sobre a artilharia de longo alcance e de todos os tanques e veículos blindados, estamos a falar sobre a libertação do território da Ucrânia. Ainda existem vastos territórios ocupados no sul da Ucrânia. Ainda há partes maiores ocupadas no Donbass. A Crimeia ainda está ocupada. Portanto, precisamos desse tipo de armas apenas para libertar o território da Ucrânia.

Os aviões F16 são decisivos nesta batalha?

Os caças F16 são decisivos porque precisamos deles para ter o controlo do céu sobre a Ucrânia. Não temos nenhuma aeronave militar do tipo ocidental. Temos apenas caças que são herança do passado soviético, mas ao mesmo tempo também usando a aeronave. OS F16 servem para proteger os nossos céus quando os mísseis balísticos e outros tipos de mísseis estiverem a atacar o meu país. Quando temos brechas no sistema de defesa aérea, usamos a aviação. E os nossos parceiros sabem disto. Não são só os F-16, os países europeus têm vários tipos de aviação ou caças, o que pode ser também aplicável e muito importante já que os treinos estão para começar. Obviamente, para operar esse tipo de avião, você precisa dos nossos pilotos muito experientes e corajosos para serem treinados de modo muito mais rápido, aliás, do que de acordo com as regras. Às vezes é necessário algum tempo para aprender como fazê-lo, então receber a entrega e começar a libertar a Ucrânia.

Como está o processo de instalação do sistema de defesa anti-aerea Patriot ?

Se está a falar de entregas, obviamente não vou revelar nada agora. Mas as decisões já foram tomadas e com certeza os Patriot vão ajudar-nos significativamente. Os Patriots são muito bons a interceptar mísseis balísticos, algo que o nível atual dos sistemas de defesa aérea na Ucrânia infelizmente não pode fazer.

Espera mais ajuda militar de Portugal?

Sim. O vosso país é membro da coligação dos tanques. Esta foi a última decisão e é muito boa. Eu pude ler muito boas declarações da vossa ministra da Defesa a esse respeito. Portanto, neste momento estamos satisfeitos por Portugal não só ter começado a fazer declarações, mas também por ter começado a entregar o que prometia.

Se me perguntar se é suficiente, definitivamente não. Mas não me refiro apenas a Portugal. Se tivéssemos armas suficientes já podíamos ter começado a contra-ofensiva e libertar todo o território do nosso país. Como esse não é o caso, não estamos satisfeitos a 100% com a quantidade de armas que estamos a receber dos vossos países. Precisamos muito de artilharia, de munição, de tanques "ocidentais" e veículos blindados. Precisamos da defesa aérea para começar a contra-ofensiva para libertar o país e finalmente vencer.

Portugal ofereceu outros tipos de ajuda, como, por exemplo, formação?

Bem, conversámos também sobre esse aspeto. Infelizmente, não posso contar tudo à imprensa. Não vamos facilitar a tarefa ao agressor. Às vezes é melhor fazer isto em silêncio e, depois, obter resultados em vez de falar sobre isto em voz alta.

Que tipo de garantias de segurança pretendem no futuro ? Temos escutado a posição da Alemanha, por exemplo, a falar sobre isso, associando a todo o processo de entrada da Ucrânia na União Europeia.

É muito simples. A Ucrânia deseja ter garantias de segurança antes da adesão à NATO. Candidatamo-nos à NATO e obviamente entendemos que a melhor garantia de segurança para a Ucrânia seria a adesão à NATO. Compreendemos que a entrada na NATO só pode acontecer depois de vencermos a guerra. Mas mesmo antes disso, na guerra e logo após vencer a guerra, precisamos de garantias de segurança, estáveis dos países que garantam não só a segurança da Ucrânia, mas a desta região, da região do Leste Europeu e todo o continente europeu.

Na verdade, o que está a ser feito também faz parte das garantias de segurança, porque dotar-nos de um sistema de defesa aérea, de carros de combate e artilharia de longo alcance também faz parte das garantias de segurança. Então, estamos a trabalhar agora com nossos parceiros, com os países citados, Reino Unido, Alemanha e França. E estamos prontos para expandir o círculo do que já pode ser feito em termos de garantias de segurança.

Às vezes, diz-se que será tudo, exceto o artigo cinco do tratado de Washington. Novamente, obviamente não posso revelar tudo aqui nos media, mas estamos a caminhar a uma velocidade muito boa e na direção certa

Isso não significa abandonar o projecto de adesão à NATO ?

Nada disso. As garantias de segurança precedem a pertença à NATO e, naturalmente, a presença ma NATO é a melhor garantia de segurança para o meu país.

Mas é um processo que não está tão avançado como o da adesão à União Europeia.

Este processo é diferente do da integração na União Europeia. Acho que talvez seja um pouco mais complicado começar esse processo, dar o primeiro passo, ter o primeiro esforço do convite para a adesão. Mas quando começa, passa rápido. Novamente, não vamos especular sobre isso. Teremos a cimeira da NATO em Vilnius em julho. E obviamente também estamos a preparar-nos para esta cimeira e para as decisões que lá poderão ser tomadas. Obviamente, não concordaremos se esta reunião repetir novamente aquela famosa frase sobre a “política de portas abertas” e sobre o Memorando de Bucareste. Precisamos de algo mais. Mais uma vez, estamos a trabalhar com os nossos paceiros e acho que algo deve ser acordado durante esta cimeira.

Mais frases ousadas?

Sim, mais frases ousadas e mais ações ousadas. Os países da Aliança Atlântica já estão a ajudar a Ucrânia em diferentes dimensões. Veja, a Ucrânia está a experimentar os padrões da NATO no campo de batalha, aceitando os seus padrões de interoperabilidade. Porquê? Porque estamos a usar cada vez mais as armas, o equipamento militar e as táticas da NATO e vice-versa.

Neste momento, os soldados ucranianos podem ensinar os vossos soldados a travar uma guerra, uma guerra em tempo real, definitivamente não contra o segundo exército mais forte do mundo, como eles afirmam, mas também definitivamente não contra o exército mais fraco do mundo. Mais tarde, ganharemos a guerra para vocês. Será muito mais benéfico ter a Ucrânia dentro do vosso círculo do que fora. Nós vamos ensinar-vos. Vamos dar-vos a nossa experiência. Estaremos aqui sempre no flanco leste da NATO. Não iremos deslocar a Ucrânia para qualquer outro lugar noutras partes do mundo. Será algo natural e sabe como as decisões da NATO são políticas. Será bom ter a Ucrânia dentro deste círculo.

Voltando à arena europeia, está satisfeito com a posição do chanceler Scholz quanto à abordagem que ele tem sobre a Ucrânia?

Sim, ele está a apoiar-nos cada vez mais em termos de integração europeia. A posição dele foi decisiva na hora de adotar a decisão sobre a condição de país candidato. O próprio chanceler alemão apoiou esta decisão. Agora estamos a trabalhar com os nossos parceiros alemães, conversando sobre os próximos passos de integração. E sim, acho que a posição da Alemanha mudou para uma forma mais positiva.

Menos orientada para a Rússia?

Bem, lembramo-nos do famoso discurso do chanceler Scholz sobre ‘Zeitenwenden’. Já passou um ano sobre esse discurso e, sim, vemos as ações concretas.

E vê a mesma posição no presidente francês?

Sim, o meu Presidente conversa regularmente com o Presidente Macron. Mais uma vez, a sua posição foi decisiva ao adotar essa decisão sobre o status de candidato. Recorde-se a famosa visita a Kiev de três líderes do euro com o Presidente da Roménia. Isso foi muito importante para nós. E sim, o presidente Macron está a apoiar a integração europeia.

A decisão sobre o status de candidato ocorreu durante a presidência francesa na UE. Isso vai ficar nos livros de história, será lembrado para sempre. Cada país que preside à União Europeia tem que morrer para fazer algo semelhante ao que a França fez na sua presidência. Então, sim, acho que a França também está a apoiar a Ucrânia nessa dimensão.

Os parceiros europeus são importantes para conseguir a paz, dialogar ou ter algum tipo de plataforma de diálogo com a Rússia?

Não, se está a falar sobre a compreensão russa do que é a paz. Para os russos, a paz é muito simples. Eles querem um cessar-fogo imediato para deixar a situação como está, congelar o conflito, ter o controlo dos territórios ocupados, depois ter algum tempo para se reagrupar para outras vagas de mobilização, para armar a sua indústria e depois voltar e ter cada vez mais avanços territoriais.

A nossa compreensão da paz é a da “fórmula de paz” do presidente Zelensky, que ele compartilhou com a comunidade internacional durante a cimeira do G20 em Bali. Esta é a nossa compreensão da paz, é a compreensão da paz no mundo civilizado. A resolução sobre esta “fórmula de paz” teve recentemente 141 votos a favor, contra sete estados alinharam com a Rússia.

É assim que entendemos esta questão. Devemos privar a Rússia de todos os instrumentos de agressão e aliás não só no campo de batalha. Devemos privar a Rússia de poder bloquear as cadeias de segurança alimentar, deixando os países mais pobres da África e da Ásia sem cereais ucranianos. Devemos privar a Rússia dos instrumentos para violar todos e cada um dos capítulos da Carta da ONU.

Devemos privar a Rússia de tentar chantagear-nos, a todos, em termos de segurança nuclear. Repare eles capturaram a maior central nuclear da Europa em Zaphorizhia. E ninguém pode fazer nada contra eles, ninguém. Eles acabaram de ocupar a central, os operadores estão a trabalhar sob as armas dos russos, as crianças foram sequestradas, etc., e ninguém pode fazer nada.

Eles estão a chantagear-nos com o uso de armas nucleares mas a Rússia não é a única potência nuclear. Portanto, sugerimos à comunidade mundial que privemos a Rússia de todos esses instrumentos agressivos. E depois disso, sim, podemos e estamos prontos para nos sentarmos à mesa de negociação com eles.

Não sozinhos. Não ficaremos sozinhos com a Rússia.

Sentar-nos-emos com todos os nossos parceiros que apoiam esta “fórmula de paz” do presidente Zelensky. Estamos a falar sobre a possibilidade de ter uma cimeira, a cimeira da “fórmula da paz”, para discutir as formas de privar a Rússia de uma vez por todas de instrumentos agressivos. E mesmo se eles se atreverem a começar a agressão novamente, devemos estar muito mais preparados e muito mais unidos.

Falou sobre a ideia russa de paz e a ideia de paz ucraniana. O que você acha da ideia de paz da China?

A China mostrou parcialmente a sua posição ao emitir esta declaração sobre a situação na Ucrânia. Infelizmente, eles chamam a isto de conflito. Isto não é um conflito, é uma guerra. Mas se olhar para esses 12 pontos, alguns deles coincidem com os pontos que estão no plano de paz do Presidente Zelensky.

Por exemplo, quando falam de soberania e de que a integridade territorial deveria prevalecer, nós concordamos plenamente com isso. Quando eles falam sobre a necessidade de ter esses corredores verdes, nós concordamos com eles. Ou se eles falam sobre a necessidade de ter segurança nuclear para todo o mundo, nós concordamos com eles. China, povo chinês e liderança chinesa, eles são muito sábios. Eles definitivamente não estarão do lado do Mal. Eles estarão a apoiar a paz como ela é, e estão a entender como alcançar essa paz.

O meu Presidente está pronto para conversar com o presidente Xi sobre esse assunto e trocar opiniões sobre o entendimento comum.

Esse pode ser um momento muito decisivo nesta guerra ?

Sim.

Na conferência de imprensa de 24 de fevereiro, o seu Presidente falou sobre a América Latina, com países como o Brasil e assim por diante. Qual poderia ser o papel desses continentes e desses países?

Um papel muito importante poderia ser desempenhado por este continente, que provavelmente foi subestimado pela liderança anterior da Ucrânia. Mas agora, o meu Presidente está pronto a prestar toda a atenção e a conversar com os líderes desta região. Ele teve uma conversa telefónica muito boa com o presidente Lula do Brasil. Foi uma troca muito boa de ideias, inclusive sobre a “fórmula de paz” do presidente Zelensky e sobre como as relações entre a Ucrânia e o Brasil podem não ser apenas renovadas, não apenas no plano das relações políticas, mas também económicas.

Tínhamos o Brasil como um dos grandes parceiros comerciais da Ucrânia. Em definitivo, durante a guerra e mesmo depois da guerra, poderíamos falar sobre como o Brasil pode investir na renovação da Ucrânia. Porque o Brasil sabe o que é a Ucrânia. Há muita diáspora ucraniana a viver no Brasil. Portanto, temos relações muito boas com o país. Mas este não é o único país da América Latina. Portanto, o meu Presidente estará ativamente a dialogar com todos os líderes que envolvem este continente no apoio à Ucrânia e na luta contra o agressor.

Mas está aberto a conversar com os parceiros para que eles possam desenvolver algum diálogo para acabar com essa guerra?

Sim, mas não precisamos apenas de mediadores. Não é possível ser apenas um mediador objetivo quando um país está a sofrer genocídio e agressão contra o país no centro da Europa no século XXI. Não se pode dizer ‘sou apenas moderador, bom mensageiro, um bom negociador, vou ouvir as posições e depois vou tentar tomar a decisão’.

Não foi a Ucrânia que começou a guerra e não é a Ucrânia que quer o prolongamento da guerra. É outro país que quer essas coisas. A Ucrânia quer a paz. Mas, ao mesmo tempo, a Ucrânia quer trazer de volta todos os territórios.

Reparo que tem aqui uma foto com o Papa Francisco. Qual poderia ser o papel do Papa ?

Bom, essa foto remonta à época em que o meu Presidente fez uma visita ao Vaticano em 2020. Aliás, foi antes da COVID, quando nós podíamos viajar. O seu papel foi muito importante, não só porque há uma grande quantidade de greco-católicos, como os chamamos, católicos na Ucrânia, mas porque o Papa Francisco também era um defensor da paz. Contamos também com a sabedoria do Vaticano.

E entendemos absolutamente quão importante é a posição da igreja. Além da católica, aliás, também estamos a trabalhar com a Igreja Ortodoxa, que está muito mais presente aqui na Ucrânia. Portanto, esta posição é muito importante.

Às vezes, houve aqui incompreensões. Ouvimos algumas vozes ucranianas, inclusive o vosso embaixador na Santa Sé, disse que o Papa deveria estar mais atento a esta situação porque procura equilibrar as coisas. As declarações ucranianas não deveriam ser mais claras?

Não. Acho que aqui há outro problema. Às vezes, as narrativas russas são tão sedutoras que às vezes até os líderes mais sábios tentam segui-las. Devemos esquecer de uma vez por todas as narrativas russas sobre a necessidade de trazer a paz imediatamente, ou que ucranianos e russos são nações irmãs.

E não são ?

Não. Esta é a narrativa que eles trouxeram para lá. Somos dois povos diferentes. Somos civilizados, eles não são. Queremos estar na Europa, eles querem estar noutro lugar. Queremos estar juntos convosco. Não queremos lutar com ninguém. Eles querem lutar não apenas contra a Ucrânia, porque nós pará-mo-los na Ucrânia. Iriam primeiro para os Estados Bálticos, depois para a Polónia, depois para a Alemanha e depois para Portugal. E vocês têm que entender isto. Então, por favor - e você vem de uma importante esfera dos media -a sua tarefa não é seguir essas narrativas russas. E eu acho que seria muito mais fácil para nós também.

Que narrativa russa?

Sobre essa irmandade de nações, por exemplo.

Você ouviu isso do Papa?

Lembre-se que ele fez algumas ações para unir ucranianos e russos. Foi durante uma quadra de dias santos [Páscoa]. E isso também obviamente não é o que esperávamos.

Mas mantém esta fotografia como um sinal de esperança na vinda dele a Kiev?

Mais uma vez, contamos com a sabedoria do Papa Francisco. Isto é muito importante.

Portugal é um país muito pequeno. E fala muito de Portugal.

Isto não é sobre a geografia ou o tamanho de um país. Definitivamente, é sobre a voz mais forte. Cada voz conta. Portugal é membro da UE, NATO, Nações Unidas ou muitas outras plataformas importantes, embora estejamos geograficamente distantes, noutra parte da Europa. Mas acho que vocês sentem o que nós sentimos.

Provavelmente podia não ser o caso há algumas décadas. Mas agora todos em Portugal sabem que a Ucrânia não é a Rússia. A Ucrânia não está nem perto da Rússia. A Ucrânia é um futuro membro da família europeia.

Houve um projeto de reconstrução de escolas em Zhythomyr com os portugueses. Como é está esse processo?

Durante a minha visita, conheci a empresa Parque Escolar. Estamos a tratar disso, mantendo bons contatos com as nossas autoridades locais. Isso é muito importante porque queremos ter uma recuperação rápida a partir de agora, não ficando só à espera da vitória. Recuperação rápida significa reconstruir as escolas, jardins de infância, hospitais, habitação social.

Tudo está a andar muito bem e espero que em breve as suas autoridades possam vir à região de Zhythomyr e abrir a escola reconstruída onde a bandeira de Portugal estará de pé junto à bandeira da União Europeia. E isso será um sinal de que Portugal nos apoia mesmo.

Querem Portugal em Zhythomyr como os dinamarqueses estão em Mikolayv. É assim que vocês vêm isso?

Esta foi a ideia que o meu Presidente sugeriu a todos os líderes da União Europeia. Agarrem a região onde sentem que serão mais fortes.

Não só na educação?

Não. É sobre a reconstrução em geral. Portanto, incluindo a reconstrução da habitação social e das escolas e jardins de infância que precisava de ser feita agora. Diga-se de passagem, Portugal é um dos países que de imediato tomaram esta iniciativa e ajudou-nos muito.

Última pergunta. Você consegue recordar-nos o seu dia 24 de fevereiro de 2022?

Bem, fomos todos acordados pelas explosões bem cedo pela manhã. Eu imediatamente corri aqui para este escritório. Todos nós estávamos aqui um pouco mais cedo do que o normal, por volta das 7 da manhã. Estávamos aqui preparados para as próximas horas, que foram muito intensas, porque o Presidente começou imediatamente a ter as reuniões e telefonemas e lidando com a dimensão nacional.

E tem sido assim que vivemos praticamente este último ano. 24 horas por dia, 7 dias por semana, estamos aqui, conversando com os nossos parceiros estrangeiros. Estamos a lutar na frente diplomática, aproximando-nos da vitória.

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