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Aqui falta Europa

Descida ao concelho do país com menos acesso a fundos europeus

06 jun, 2024 - 06:20 • João Carlos Malta (texto e fotos), Diogo Camilo (infografia)

Entre os 308 concelhos de Portugal, a Moita é o que menos investimento comunitário conseguiu captar nos dois últimos grandes pacotes com dinheiro vindo de Bruxelas. Fomos à Península de Setúbal perceber as razões que colocam aquela vila, conhecida pelas corridas de touros, no lugar mais indesejado deste ranking.

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Para chegar à Fazenda Concórdia, em Alhos Vedros, na Moita, só a ajuda de Ana Marques permite encontrar o local quase sem enganos. Na estrada, mais do que secundária, as tabuletas com indicações não fazem parte da paisagem. Já no interior da exploração hortícola e frutícola, a gestora vai começar a desfiar as razões que fazem daquele concelho da Península de Setúbal aquele que menos acesso a fundos europeus por habitante teve nos últimos anos.

Ana, que gere aquela quinta na posse da família há seis gerações, diz que não fica surpreendida com o lugar que a Moita ocupa e ilustra com a própria experiência. “Aqui na freguesia de Alhos Vedros, nós não estamos abrangidos pelo Portugal 2020”, lança.

“Tentei fazer uma candidatura para melhoria da exploração e diversificação do negócio e, na altura, deparei-me com isso”, lembra, descrevendo os contatos que fez com elementos da junta de freguesia local para o processo avançar.

Mais tarde, a engenheira explicaria que nem sempre foi assim e que a estufa de meio hectare que possui, instalada em 2005, contou com financiamento de Bruxelas. Mas foi caso único, porque mais tarde, recorda, tentou o mesmo para compra de maquinaria agrícola, mas a experiência foi já muito diferente.

“A burocracia era de tal ordem…. e nós aqui somos considerados uma zona privilegiada por estarmos nas imediações da Grande Lisboa. E por isso o que nos comparticipam [nos investimentos] é muito menos do que em outras zonas do país”, lamenta a produtora que fornece o programa Prove e algumas mercearias e mercados locais.

Acabou por comprar as máquinas em segunda mão. “O dinheiro que gastaria, no dinheiro que se compra… não compensa”.

Os problemas da proximidade a Lisboa

Saindo daquela zona rural do concelho e entrando no centro urbano, na Câmara Municipal está a vice-presidente Sara Silva. A autarca detalha e dá corpo às queixas de Ana, explicando as dificuldades da Moita em conseguir financiar projetos com fundos europeus.

“O facto de estarmos incluídos na Área Metropolitana de Lisboa (AML), não nos coloca numa posição vantajosa porque as taxas de financiamento são até 50% o que em compara com o interior do país, e fora das áreas metropolitanas, onde as taxas de cofinanciamento de 84%. Isso é uma desvantagem da nossa localização”, explica.

A Moita, segundo os dados do portal Transparência, nos últimos dois grandes envelopes de dinheiro europeu já programados conseguiu captar 30,5 milhões de euros de investimento, o que a distribuir pelos 66 mil habitantes dá 453 euros per capita.

"Somos considerados uma zona privilegiada por estarmos nas imediações da Grande Lisboa. E por isso o que nos comparticipam [nos investimentos] é muito menos do que em outras zonas do país”, Ana Marques, gestora da Fazenda Concórdia.

Segundo os mesmos dados, o segundo município com menos fundos é o de Sesimbra também localizado na Península de Setúbal e também ele parte da AML. E nos 20 concelhos que menos fundos tiveram nos últimos anos juntam-se, desta zona geográfica, o Seixal e o Barreiro.

Tecido empresarial débil

Mas não é apenas as desigualdades de acesso aos fundos que explicam a parca utilização dos mesmos naquele município. Sara Silva reconhece que a Moita tem um tecido empresarial frágil que não tem “multinacionais como concelhos vizinhos ou infraestruturas da administração central”. A alusão é, por exemplo, a Palmela e à Autoeuropa e ao Montijo e ao seu centro hospitalar.

Na Moita, os poucos fundos aprovados tiveram a autarquia local como promotora.

A poucos quilómetros dali, no Lavradio, freguesia limítrofe entre o Barreiro e a Moita, fica a Associação Industrial, Comercial e de Serviços dos dois municípios, e o assessor jurídico, Pereirinha de Morais, explica estes resultados dados, também ele, com composição e perfil das empesas da Moita. “São micro e pequenas empresas, essencialmente”, carateriza.

“São negócios com pouca capacidade financeira para que possam contratar serviços de apoio, no que diz respeito a fundos europeus, que por vezes são caros”, acrescenta. A restauração e o pequeno comércio são as áreas mais vastamente representadas nos núcleos de empresários.

Há também um contexto etário que faz a diferença. A Moita tem um universo empresarial envelhecido. “São pessoas que não estão predispostas a aceitar o que consideram uma intromissão no seu negócio. Muitos nem sequer têm email, por incrível que pareça. Quem tem o email da empresa é o contabilista”, ilustra.

Pereirinha de Morais aponta ainda o afastamento progressivo das empresas dos movimentos associativos como razão que explica uma maior distância entre os empresários e os fundos europeus, uma vez que são as associações que, na maior parte das vezes, são veículo privilegiado de acesso a esta informação.

Mas, contrapõem, com um elemento de esperança em relação a este contexto. Anuncia que há um grupo de novos empresários jovens que “percebem a vantagem que é serem sócios de uma associação empresarial”.

"São negócios com pouca capacidade financeira para que possam contratar serviços de apoio, no que diz respeito a fundos europeus, que por vezes são caros”, Sara Silva, vice-presidente da Câmara da Moita.

O mesmo assessor jurídico aponta o dedo a autarquia da Moita, que critica por não ter a porta aberta para uma relação mais próxima com a associação de empresários. O vice-presidente da Câmara reconhece a justiça do reparo.

“Tenho de aceitar e até nos servem para termos outra posição e trabalharmos ainda mais. O Barreiro tem outra dinâmica no apoio aos empresários, mas nós só estamos aqui há dois anos e meio”, diz.

Agora uma coisa é certo para Pereirinha de Morais, “cada investimento perdido, é uma oportunidade perdida” para a Moita. O assessor jurídico diz que o mercado é cada vez mais competitivo, até em áreas como a restauração e o pequeno comércio. “É mais uma pedra no sapato do progresso que podem fazer”, considera.

Futuro no rio

Sara Silva tem opinião bem definida em relação ao que mais faz falta em termos de investimento ao município. “Era essencial virarmo-nos mais para o rio”, avalia.

“São pessoas que não estão predispostas a aceitar o que consideram uma intromissão no seu negócio. Muitos nem sequer têm email, por incrível que pareça. Quem tem o email da empresa é o contabilista”, Pereirinha de Morais, assessor jurídico da Associação Industrial, Comercial e de Serviços da Moita e do Barreiro.

“Temos 20 quilómetros de frente ribeirinha e o desassoreamento do rio seria uma das grandes prioridades. Podíamos ter outros acessos via marítima, mas são investimentos de grande envergadura e que envolvem muito dinheiro”, acrescenta a autarca.

A ideia é corroborada pela associação comercial e industrial. Pereirinha de Morais crê que o investimento naquele local seria fundamental para incrementar o potencial turístico da Moita. “É uma das áreas em que se perdeu oportunidade de crescimento”, avalia.

O mesmo responsável declara que, no entanto, nem tudo está parado naquele concelho. Tendo em conta o diagnóstico feito, e que revela a falta de modernização e digitalização do mundo empresarial, está no terreno uma iniciativa denominada “bairros digitais”.

“Este projeto pretende fazer um levantamento do que são as necessidades dos empresários em nome individual e das microempresas, para perceber quais as fragilidades que têm na transição digital. Concretiza-se nas coisas mais simples como ter um site ou construir um marketplace. Depois deste projeto temos a legitima expetativa de aumentar a nossa influência no tecido empresarial”, descreve.

"Temos 20 quilómetros de frente ribeirinha e o desassoreamento do rio seria uma das grandes prioridades. Podíamos ter outros acessos via marítima, mas são investimentos de grande envergadura e que envolvem muito dinheiro", Sara Silva, vice-presidente da Câmara da Moita.

Mais próximo da zona ribeirinha, está o Pátio Tejo, uma unidade que se dedica à organização de passeios equestres numa praia das imediações. São 20 cavalos que em quatro anos já serviram mais de 10 mil visitantes.

A líder do projeto, Margarida Proença, retrata também ela o universo empresarial local como frágil e reduzido e que ainda olha para os fundos europeus como algo cujo trabalho que dá em conseguir não compensa o ganho.

“Confesso que as pessoas da Moita com que comunico, quando falamos deste tipo de apoio, a ideia da burocracia vem sempre ao de cima e as pessoas não estão disposta a isso. Isto é o que se ouve”, garante. No entanto, Margarida diz que os contactos práticos que teve com projetos de financiamento de fundos comunitários desmentem estas ideias. “Já vi alguns projetos e formas de candidatura e não me parecem difíceis”, sublinha.

Margarida aponta para falta de conhecimento sobre estes instrumentos. A obtenção de fundos precisa de background para gerir os processos”, sublinha, o que no entender da empresária não existe nos negócios locais.

A empresária explica que não pode aceder no Pátio do Tejo a fundos europeus, porque apesar de ser uma unidade nova, nasceu em 2020, está ligada a uma empresa maior e mais antiga.

“Tudo aquilo que podíamos obter, não podíamos concorrer por estarmos numa empresa com mais anos de mercado. Os instrumentos que estavam abertos, na altura, eram para empresas com menos anos de funcionamento”, detalha.

Na Câmara, a nº2 da autarquia diz que o lugar ocupado pela Moita “não nos deixa felizes”. “Olharmos para este quadro com estes números entristece-nos”, sublinha.

Ainda assim, Sara Silva acredita que o futuro é de esperança e não é apenas um sentimento. O facto de estar em marcha uma requalificação do município em relação a uma nova NUT (Nomenclatura das Unidades Territoriais para Fins Estatísticos) fará com que em breve a comparticipação aos investimentos da autarquia e das empresas possa ser superior ao atual tecto máximo de 50%. No entanto, a autarca não consegue apontar uma data para a importante mudança.

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