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Dos cabos submarinos aos recursos humanos. Porque está Portugal na rota mundial dos centros de dados?

11 dez, 2023 - 06:31 • Alexandre Abrantes Neves

Atualmente, existem de norte a sul do País 38 centros de dados e, até 2028, devem valer mais de mil milhões de euros. Este “pedaço de terra à beira-mar plantado” tornou-se num terreno fértil para infraestruturas de milhões - mas ainda há trabalho a fazer, nomeadamente em matérias de cibersegurança e de competitividade fiscal.

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Permitem o funcionamento das redes sociais, sem eles não teríamos tudo à distância de um clique e, para alguns especialistas, são o “coração” da internet. Os centros de dados armazenam milhões de dados nossos, desde as moradas que inserimos nas lojas online aos documentos e fotografias que armazenamos nas nossas “clouds”.

Nas últimas semanas, saltaram para o topo da agenda, com a “Operação Influencer”, o projeto de um mega "datacenter" em Sines e o chumbo da lei dos metadados pelo Tribunal Constitucional. Contas feitas, por que razão é que estes edifícios – onde numa só sala podem estar alojados centenas de servidores – são tão importantes?

Em Portugal, e pelas contas da consultora estratégica e imobiliária Worx, existem atualmente 38 centros de dados, aos quais se juntam ainda sete em fase de construção. A Grande Lisboa acolhe perto de metade destas infraestruturas (22), logo seguida da Área Metropolitana do Porto, onde estão fixados 12 "datacenters".

Até 2028, e segundo previsões de setembro deste ano da consultora Arizton, o valor dos centros de dados em Portugal deve ultrapassar os 1,1 mil milhões de euros. Além disso, e também durante os próximos cinco anos, espera-se que estas infraestruturas apresentem lucros muito positivos, à volta dos 120 milhões de euros anuais.

Grande parte da explicação.... está no fundo do oceano

Uma indústria em “reta de ascensão” e que, para Carlos Piedade Pereira, chief technology officer da Oni – detentora de dois centros de dados em Portugal – se justifica em grande parte pela posição geográfica estratégica do país.

“Amarram em Portugal vários cabos submarinos, que transmitem sinais de telecomunicações. Essas estações de cabos submarinos permitem-nos estar ligados ao resto do mundo. São estas as razões de existir a internet”, explica à Renascença, à margem do evento de expansão do centro de dados da Oni em Portugal.

Todos os que trabalham num centro de dados, desde o pessoal administrativo ao CEO, têm de ter formação em cibersegurança

Para Elsa Veloso, advogada na área, a existência de cabos submarinos e de fibra ótica em Portugal torna-se ainda mais importante “no contexto atual de uma guerra [na Ucrânia] que se pode tornar rapidamente cibernética”. A especialista relembra que “há países em que o mundo ocidental não confia para armazenar os dados, como a Rússia” – e que, por isso, o histórico de alianças políticas de Portugal coloca o país nas rotas mundiais da nova “economia de dados”.

Alerta: aumentar cibersegurança

Apesar de Portugal ser considerado “um país seguro e pacífico” – e de isso ser positivo para os investidores –, Elsa Veloso defende que se têm de resolver “rapidamente” os problemas relacionados com a cibersegurança que explicam, por exemplo, os ataques informáticos que a Impresa e a Vodafone sofreram no início de 2022.

Rui Duro, responsável pela consultora informática CheckPoint Portugal, também considera que ainda há muito a fazer em Portugal no que toca à cibersegurança. Para o especialista, a prevenção dos ataques informáticos só tem um ponto de partida possível - a consciencialização dos riscos junto dos utilizadores.

"Muitas vezes, colocamos logo as mãos na tecnologia para estarmos seguros, mas não. É possível fazê-lo através da educação, de literacia junto de quem utiliza os sistemas - têm de conseguir diferenciar um email válido de um inválido, identificar possíveis de ameaça de phishing... E perceber, acima de tudo, que se vão a um site de forma gratuitas então é porque são elas o produto que está a ser vendido aos servidores", explica.

Garantida a formação dos recursos humanos, Rui Duro sugere então que se definam processos de cibersegurança concretos no seio de casa empresa - como "definir claramente o que é informação crítica, confidencial e pública" - para depois se passar à compra de produtos informáticos que permitam criar uma barreira de segurança contra hackers. Ainda assim, o dirigente da Checkpoint alerta que "nem todos os sistemas de proteção são eficazes" - e, por vezes, o barato pode mesmo sair caro.

"Há carros que custam 20 mil euros e outros que custa um milhão. Se calhar um acelera mais rápido que o outro. Se calhar, os materiais são mais resistentes e duram mais. Na tecnologia, acontece exatamente a mesma coisa. Quem vende soluções mais baratas, provavelmente não está a vender soluções tão boas. Tem de haver essa preocupação: compra tecnologia que nos dá garantias de proteção e que se adapta ao nosso caso", detalha.

Chumbo dos metadados pode afastar investimento

O quadro legal na União Europeia (UE) é, para Elsa Veloso, outro dos fatores que explicam o crescimento de "datacenters" a Portugal. A advogada explica que as instituições europeias se têm esforçado por garantir uma proteção adequada dos dados e que isso é utilizado pelos investidores como uma forma de atraírem mais clientes.

“Na UE, as empresas podem acenar aos clientes, dizendo que têm melhor reputação, porque são aqueles que protegem melhor os dados. Segundo o Regulamento Geral de Proteção de Dados, podemos transmitir os dados para outros países do Espaço Económico Europeu (EEE) ou para nações com quem Portugal ou o EEE tenha acordos de adequação com Portugal”.

Apesar de as leis sobre a transferência de dados não serem prejudiciais à indústria dos centros de dados, o mesmo não acontece sobre as normas que regulam os metadados. Estes são os “dados sobre dados”, ou seja, aqueles que não dizem respeito ao conteúdo, mas que permitem identificar, descrever ou localizar informação – por exemplo, a data de criação de um documento de texto ou a duração de um telefonema.

O chumbo pelo Tribunal Constitucional, na passada segunda-feira, de parte da lei dos metadados traz, na visão de Elsa Veloso, “incerteza económica” aos data centers. A razão é “óbvia” – se as operadoras de telecomunicações não podem guardar os dados dos seus clientes, então não precisam de lugares para os armazenar.

“Esta proposta de lei chumbada – e que previa que as operadoras guardassem os metadados durante seis meses após a recolha – faz com que a necessidade de gigas, megas, zetas de dados deixem de ser necessários. Isto dificulta as previsões dos centros de dados sobre o espaço que as empresas de telecomunicações precisam”, entende.

Apesar de a lei exigir o armazenamento, durante seis meses, dos dados necessários para as reclamações de faturas – como o endereço dos clientes ou o número de identificação fiscal –, a advogada garante que isso não chega para mitigar os impactos negativos: “isto traz incerteza e, por isso, os metadados vão ter consequências na atratividade dos negócios para Portugal”, remata.

Falta a cereja no topo do bolo – condições mais competitivas

Para Carlos Piedade Pereira, o potencial de Portugal em acolher "data centers" só traz benefícios à economia do país. Desde logo, a proximidade geográfica aos centros de dados permite “ter acesso à informação de forma mais rápida”, tornar os serviços digitais “mais eficientes” e, por isso, aumentar a satisfação dos consumidores portugueses.

Noutro plano, estas infraestruturas tornam-se fulcrais na geração de emprego, nomeadamente em zonas longe dos grandes centros urbanos. Antes da “Operação Influencer”, a StartCampus previa que, só no seu primeiro ano de construção, o centro de dados levasse à criação de cerca de 70 a 100 postos de trabalho direto e outros 400 indiretos em Sines e nos seus arredores.

Temos de ser mais competitivos nas políticas fiscais, estabilidade da justiça e legislação laboral

Um ponto que Elsa Veloso considera “essencial” para avaliar o impacto económico destas infraestruturas, mas que pode estar em risco se Portugal não apostar em políticas “mais competitivas”.

“Portugal pode ser um país ótimo de atração, até porque temos bons recursos humanos, bons engenheiros, bons cientistas e analistas de dados, mas temos de conjugar isto com outros fatores. Esses fatores são, naturalmente, a atratividade das políticas fiscais, a estabilidade da justiça, a celeridade dos processos, a legislação laboral... Nessas matérias, nós provavelmente não somos muito competitivos neste momento”, defende.

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