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Mário Centeno pode ser demitido do cargo de Governador do Banco de Portugal?

14 nov, 2023 - 10:15 • João Carlos Malta

Saiba o que dizem os estatutos do Banco de Portugal e do Banco Central Europeu sobre a possibilidade de um governador sair do lugar. Os mandatos são de cinco anos e podem ser renovados, no máximo, por mais um mandato.

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A sondagem que o primeiro-ministro demissionário, António Costa, fez ao Governador do Banco de Portugal, Mário Centeno, para assumir a liderança de um Governo suportado pela atual maioria socialista, teve como consequência uma catadupa de eventos que colocou Centeno numa posição de fragilidade e alvo de críticas de vários quadrantes.

Em causa, está a alegada falta de independência do Governador caso tenha aceitado a proposta de António Costa. E também a possibilidade de ter mentido sobre um convite feito pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, para assumir a chefia do Executivo.

Aliás, Centeno deu o dito por não dito, e depois da entrevista ao Financial Times veio assumir de forma inequívoca que Marcelo não teve nenhuma intervenção neste processo.

O Governo pode demitir o Governador do Banco de Portugal?

Em tese sim, mas na prática e, pelo menos durante o período em que o Governo demissionário estiver em exercício, é altamente improvável.

Isto até porque foi António Costa a sondar Mário Centeno para liderar um futuro Governo. Uma situação que espoletou toda uma confusão de anúncios e desmentidos que pôs a figura do Governador debaixo de fogo.

No entanto, os estatutos do Banco de Portugal são ainda assim perentórios: os membros do Conselho de Administração (nos quais se inclui o Governador) são em princípio inamovíveis.

Há, no entanto, uma exceção. Pode ser exonerado do cargo caso se verifique alguma das circunstâncias previstas no n.º 2 do artigo 14.º dos Estatutos do SEBC/BCE.

O que diz esse artigo do BCE?

Explica exatamente essa exceção. Um governador só pode ser demitido das suas funções se deixar de preencher os requisitos necessários ao exercício das mesmas ou se tiver cometido falta grave. Não discrimina, no entanto, o que se entende por falta grave.

E quem pode pedir a exoneração?

A exoneração só pode ser realizada por resolução do Conselho de Ministros, sob proposta do Ministro das Finanças. Neste caso, seria Fernando Medina, que estará previsivelmente em funções até abril.

E esse pedido é vinculativo?

Não. E um pedido do Governo para esse efeito levaria a uma enorme disputa jurídica nas instituições europeias.

O governador em causa ou o Conselho do BCE podem interpor recurso da decisão de demissão para o Tribunal de Justiça com fundamento em violação do presente Tratado ou de qualquer norma jurídica relativa à sua aplicação. Esses recursos devem ser interpostos no prazo de dois meses a contar, conforme o caso, da publicação da decisão ou da sua notificação ao recorrente ou, na falta desta, do dia em que o recorrente tiver tomado conhecimento da decisão”, lê-se no n.º 2 do artigo 14.º dos Estatutos do SEBC/BCE.

O que está a acontecer neste momento, em relação à alegada conduta de Centeno?

A comissão de ética do Banco de Portugal reúne já esta segunda-feira para avaliar a conduta do governador Mário Centeno, depois de ter sido proposto pelo ainda primeiro-ministro junto do Presidente da República para liderar o Governo socialista.

Que efeitos práticos poderá ter a avaliação da Comissão de Ética?

Rui Vilar preside a esta comissão e terá de reportar as suas conclusões ao Banco Central Europeu, que deverá fazer a sua própria avaliação no respetivo Conselho de Ética.

Fonte oficial do BCE confirmou ao Público que "o Comité de Ética do BCE irá ser informado sobre o resultado da avaliação realizada pelo Banco de Portugal".

“O governador em causa ou o Conselho do BCE podem interpor recurso da decisão de demissão para o Tribunal de Justiça com fundamento em violação do presente Tratado ou de qualquer norma jurídica relativa à sua aplicação. Esses recursos devem ser interpostos no prazo de dois meses a contar, conforme o caso, da publicação da decisão ou da sua notificação ao recorrente ou, na falta desta, do dia em que o recorrente tiver tomado conhecimento da decisão”, lê-se no n.º 2 do artigo 14.º dos Estatutos do SEBC/BCE.

Fonte conhecedora do BdP explicou à Renascença que a Comissão de Ética “não tem qualquer poder legal” para exigir a demissão de Centeno. “Faz uma apreciação e mais nada”, diz a mesma fonte.

E o que estão a dizer os outros partidos sobre a situação de Mário Centeno?

O líder do PSD, Luís Montenegro, criticou o "nível de degradação institucional elevadíssimo" que se verifica com as recentes polémicas, incluindo a que envolve o governador do Banco de Portugal, Mário Centeno e defendeu que este deve avaliar se reúne condições de imparcialidade para se manter no cargo.

Sobre se o Governador do Banco de Portugal se deveria manter no cargo, Montenegro disse ainda que Centeno deveria fazer uma avaliação relativamente "às garantias de imparcialidade e isenção que estão subjacentes a esta função".

"Não quero agravar mais a situação, eu sei bem o que faria no lugar dele e acho que não é difícil de prever face ao que estou a dizer", acrescentou.

O presidente da Iniciativa Liberal defendeu a demissão. "Mário Centeno, neste momento, só tem um caminho a seguir, que é abandonar a função que tem de governador do Banco de Portugal", afirmou, Rui Rocha, em declarações no parlamento.

Rui Rocha defendeu que as "declarações irresponsáveis" do governador ao jornal Financial Times demonstram que "não tem condições para continuar" em funções.

"Aquilo que Mário Centeno fez é gravíssimo em dois aspetos: primeiro, tentando arrastar o senhor Presidente da República para uma versão dos factos que depois veio a público ele próprio Mário Centeno desmentir, segundo, porque o simples facto de admitir a possibilidade de integrar um governo nesta situação põe em causa a sua independência nas funções de governador do Banco de Portugal", sustentou.

Rui Tavares, líder do Livre, atacou a Iniciativa Liberal e o PSD que acusou de não serem "a comissão de ética do Banco de Portugal.

"Os partidos têm um papel a desempenhar, inclusive os que mais vezes falam da independência dos bancos centrais. O país tem instituições, ainda tem instituições, ainda não estão todas demitidas e decapitadas. Nós - partidos políticos -, mesmo com o aproximar de umas eleições, não devemos dar passos para que o país fique despedido das institiuições", referiu.

Já na opinião do PAN, Mário Centeno deve, de facto, ponderar se tem condições para a continuidade no cargo. "Não reúne, neste momento, a equidistância e independência que se exige ao governador do Banco de Portugal. O que nos garante que Mário Centeno não vá defender os interesses e posições do PS em vez dos interesses dos portugueses?", questionou Inês Sousa-Real.

Faz sentido o Governador ser nomeado pelo Governo?

Em abril deste ano, o PSD propôs que o chefe de Estado nomeasse directamente - dispensando a fórmula actual de proposta do Governo - o presidente do Tribunal de Contas e o procurador-geral da República e acrescentando-lhe o poder de indicar o governador do Banco de Portugal.

A deputada social-democrata Márcia Passos defendeu ainda a proposta do partido de que estas nomeações fossem objecto de uma audição parlamentar prévia, "podendo a Assembleia da República emitir parecer negativo vinculativo se aprovado por dois terços".

Já o Chega queria acrescentar aos poderes presidenciais a nomeação e exoneração, além dos cargos previstos pelo PSD, de todos "os presidentes das entidades administrativas independentes com funções de regulação da actividade económica dos sectores privado, público e cooperativo".

Já em 2015, o então secretário-geral do PS, António Costa, disse que ia avançar com uma iniciativa legislativa para que seja o Presidente da República - e não o governo - a nomear já o próximo governador do Banco de Portugal. A alteração de regras passa por um decreto do Presidente da República, sob proposta do governo, após uma "audição do indigitado" no Parlamento.

"Nós não queremos o nosso governador do Banco de Portugal, queremos um governador do Banco de Portugal que seja português e de Portugal, do nosso Banco de Portugal", atirou António Costa, no encerramento das jornadas parlamentares do PS, em Vila Nova de Gaia.

No entanto, e em 2017, quando o caso se colocou em concreto depois de algumas polémicas que envolveram Carlos Costa, antecessor de Mário Centeno, o grupo parlamentar do PS respondeu que não tinha "em curso a elaboração de uma iniciativa nesse âmbito".

Há algum caso de tentativa de demissão de um governador na UE?

Perante um nível tão alto de proteção aos governadores uma decisão de exoneração tomada pelo Governo é nos 17 anos de existência do BCE, um acontecimento inédito.

O Chipre esteve perto de testar o mecanismo, quando o Presidente Nicos Anastasiades desagradado com o desempenho do governador Panicos Demetriades e mostrou vontade de o demitir, dando mesmo início a investigações criminais que pudessem dar um argumento legal para a exoneração.


Nessa altura, o BCE reagiu com mostras públicas e certamente privadas de desagrado, escreveu o jornal Público. O processo não avançou.

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  • Joaquim Correto
    14 nov, 2023 Paços 22:11
    Assistimos a um autêntico golpe de estado em Portugal por parte do MP! Somos uma democracia moderna e robusta e mesmo assim foi possível um golpe de estado, não digo com a conivência da comunicação social, mas sim com a sua complacência!
  • ze
    14 nov, 2023 aldeia 19:15
    Já deveria ter colocado o lugar á disposição.

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