23 mai, 2023 - 06:30 • Sandra Afonso
"Os clientes que procurem melhores condições" para os baixos juros oferecidos nos depósitos, defende o presidente da Associação Portuguesa de Bancos (APB), Vítor Bento.
Em entrevista à Renascença, Vítor Bento explica que, neste momento, a banca não precisa de dinheiro - "tem excesso de liquidez". Ainda assim, a concorrência no mercado deverá aumentar os juros pagos pelos depósitos.
Vítor Bento garante ainda que os bancos estão a fazer tudo para ajudar as famílias em dificuldade a pagarem as prestações da casa, até porque não lhes interessa ficar com os imóveis.
Sobre a atualidade política, o economista avisa que eleições antecipadas podem não ser a melhor solução, mas “é desejável um governo focado no país”, e acredita que até ao verão haverá mexidas no executivo.
O setor "cobra muito, por causa da subida dos juros a nível internacional, e paga pouco a quem tem aplicações na banca". A frase é do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, uma das pessoas que tem comentado os altos lucros da banca e a baixa remuneração dos depósitos. Para quando é que os depositantes podem esperar a subida dos juros nos depósitos?
Como compreende, não comento declarações do Presidente da República, por respeito, são funções diferentes, expressa as suas preocupações e está dentro do seu papel.
Relativamente à manifestação dos dois tipos de taxas, no caso das taxas do crédito, o aumento resulta dos indicadores de mercado, dos chamados indexantes, que basicamente é a Euribor, e isso está contratualizado. Os bancos não mexem no indexante, é ditado internacionalmente, nem sequer é formado em Portugal, os bancos aplicam, seja favorável, seja desfavorável.
Mas perguntei-lhe pelos depósitos.
Do lado dos depósitos, aí de facto há uma interferência dos bancos e cada um tem a sua própria política. Em termos gerais, há um excesso de liquidez no sistema, o que provavelmente coloca a maior parte dos bancos sem uma necessidade de estar a disputar esses recursos. Mas, de qualquer das formas, a concorrência inevitavelmente vai interferir nessa parte, como já está a interferir.
Há um trimestre fizeram-me mais ou menos a mesma pergunta e eu disse que isto, mais um trimestre, menos um trimestre, vai começar a haver reação, porque a concorrência vai forçar os vários bancos, para competirem entre si, a reagir. E nós já estamos a ver isso.
Se for perguntar a cada um dos bancos, cada um deles tem vários programas, têm programas também específicos para determinado tipo de clientes, para determinado tipo de depósitos, mas já estão claramente a subir. Ainda há pouco tempo, salvo erro, um dos maiores bancos anunciava depósitos praticamente generalizados acima de 2%, por exemplo. E, no entanto, a taxa que vejo referida é 0,9%.
Esse é o indicador médio, os juros médios que estão a ser oferecidos.
Lá atrás.
Lá atrás é março. São dados de março, do Banco de Portugal.
Provavelmente é mais atrás. O ser do Banco Portugal, publicados em março, não significa que sejam os mais recentes. Mas posso-lhe garantir que há já muitos bancos que já estão a pagar acima disso e acima de 2%.
Mas são ofertas pontuais e esses 2% são atingidos ao final de x tempo ou só para novas subscrições, por exemplo. Ou seja, com determinadas condicionantes.
Sinceramente, não sei. Admito que cada um dos bancos tenha as suas próprias condições, até em função das suas próprias necessidades. O que sei é que a concorrência se encarregará de eliminar quaisquer imperfeições que existam.
Agora, a concorrência tem duas componentes: tem a componente das instituições entre si e tem a componente dos clientes. Os clientes também têm que ser atores ativos no processo da concorrência e, portanto, os clientes que procurem onde é que conseguem melhores condições para aquilo que são as suas próprias preferências, as suas necessidades e os seus desejos.
"Os clientes que procurem onde é que conseguem melhores condições"
Os clientes têm sido ativos. No primeiro trimestre os maiores cinco bancos perderam 4 mil milhões em depósitos. Isto são os clientes a dizerem que as condições que os bancos oferecem nos depósitos não servem.
Como compreenderá, isso levará os bancos e provavelmente terá já levado, bancos a reagirem. A concorrência vai provocar a convergência das taxas para aquilo que for um valor de mercado.
Mas, muito provavelmente, encontrará transferências de bancos para bancos, precisamente desse processo de concorrência, em que os clientes vão bater à porta de um, à porta de outro, encontram uma situação melhor, movimentam-se de um lado para o outro.
Concluindo, podemos esperar um aumento das remunerações nos próximos meses?
Eu não tenho dúvidas, não tinha já lá atrás que as taxas iriam obviamente reagir a esse processo de concorrência, e vão continuar a reagir. Agora, o processo de concorrência, como eu disse, é dos dois lados, é das instituições e é dos clientes.
Ainda nas taxas de juro, mas sobre o crédito. Ainda recentemente, o Dr. Paulo Macedo, presidente da Caixa Geral de Depósitos, anunciou que as dificuldades com o crédito à habitação vão continuar a aumentar, porque as taxas de juro vão continuar a subir.
É verdade que esta subida das taxas de juro está a criar dificuldades para muitas famílias. Não que as taxas de juro sejam anormais em termos históricos, pelo contrário, até à crise financeira de 2008, as taxas estiveram sempre acima de 2%.
Aquilo que torna, de facto, inusitado, é o aumento muito rápido, em relativamente pouco tempo houve taxas que subiram quase quatro pontos percentuais, e isso foi um choque muito grande para as famílias, que vão ter que acomodar. Aquelas que têm créditos mais recentes terão eventualmente mais dificuldades.
Mas a situação geral das famílias também tem melhorado. Recordo que estava-se à espera para este ano de uma recessão e o que os dados indicam é que a população ativa aumentou, o emprego aumentou, o rendimento disponível das famílias aumentou.
Quando dizem que a economia não chegou ao bolso das pessoas, não é totalmente verdade, a economia não está numa conta abstrata, as pessoas também têm vindo a melhorar a sua situação. Umas mais, outras menos.
Mas há ou não famílias em dificuldade?
Haverá, seguramente. Eu não posso dizer quantas, mas temos que ter também a noção da proporção que isso representa.
Por exemplo, relativamente à restruturação de créditos. Um levantamento há pouco tempo indicava que os cinco principais bancos tinham reestruturado 31 mil créditos.
"Quando dizem que a economia não chegou ao bolso das pessoas, não é totalmente verdade"
São dados avançados pela agência Lusa, mais de 30 mil créditos.
Existem 1,2 milhões de créditos à habitação. Os números que a Lusa dava referiam-se aos cinco principais bancos. Significa que esses 30.000 créditos representam cerca de 3% do total de contratos.
Não me quero esconder atrás de uma estatística para desvalorizar o problema das pessoas, que o problema das pessoas é grave, mas também convém que tenhamos a noção de qual é a importância que isso tem em termos do país todo. Se estamos a falar em 3% dos contratos, é porque muitas outras pessoas conseguem acomodar as situações.
Também é verdade que os bancos estão a facilitar o mais que lhes é possível o ajustamento de parte das pessoas, enfim, daquelas que se considera que conseguirão, pagar ao longo da vida do empréstimo.
Desde a semana passada que é possível pedir a bonificação dos juros, uma medida do programa Mais Habitação do governo. Consegue fazer o ponto da situação desta medida, tem havido muita adesão?
Ainda é cedo. Essa medida começou no dia 16, ainda não tenho informação. Mas, já agora, gostava de dizer que a medida é do governo, o apoio financeiro é do governo, mas o trabalho é dos bancos e o trabalho tem custos. São os bancos estão a assumir os custos de processamento dessas transações, mas a sua adesão imediata mostrou, de facto, um grande empenhamento do lado dos bancos.
Têm-nos chegado queixas de pessoas que estão a ser excluídas. Dizem que as regras são muito restritivas. Quer comentar?
Não. As regras foram fixadas pelo governo, dentro das suas disponibilidades e dos seus objetivos de política económica e política social, o Governo é que sabe quais são os critérios que quer aplicar.
A única coisa que lhe posso dizer é que o setor está empenhadíssimo e acredite que teve um esforço enorme, quer do ponto de vista dos recursos consumidos, porque aquilo é preciso criar programas informáticos, é preciso percorrer os contratos todos. Independentemente do benefício que isso possa criar, o custo é muito grande.
Tenho aqui uma resposta, quase automática, a um casal, a quem o juro bonificado foi reprovado na CGD. Partimos do princípio que isto seja através de um algoritmo, não preencheram os critérios e a resposta foi rápida.
A aplicação dessa medida define um conjunto de critérios e estes critérios são objetivos, isto é, não há juízo do lado dos bancos.
Como disse e acho que a expressão é feliz, embora nós tenhamos uma ideia normalmente negativa associada ao algoritmo, será um algoritmo no sentido que é uma fórmula de cálculo que entra com os parâmetros que o governo definiu. Se houver insatisfação, essa insatisfação terá que ser dirimida com o governo, que saberá, enfim, quais são os objetivos que quer seguir.
O presidente da Caixa Geral de Depósitos já admitiu avançar com apoios adicionais, incluindo um complemento a estes juros bonificados. Estas medidas não podem ser alargadas aos maiores bancos?
Isso faz parte daquilo que cada banco está disposto a fazer, no seu próprio critério, por sua própria iniciativa e à sua custa.
Mas pode ser concertado?
Não, não pode. Por razões legais.
"Os bancos não querem ficar com as casas para coisa nenhuma"
Enquanto presidente da Associação Portuguesa de Bancos e tendo em conta a situação neste momento de muitas famílias em dificuldade, os bancos devem avançar com medidas extra de apoio?
O que lhe posso dizer é que cada banco tem que fazer o juízo de si próprio. É do interesse dos bancos que as pessoas consigam pagar as dívidas. Os bancos não querem ficar com as casas para coisa nenhuma, até porque isso depois dá-lhes muitíssimo mais trabalho e pouco proveito. Depois tem que pôr os créditos em créditos em incumprimento e, portanto, os bancos querem que os seus clientes paguem.
Se houver clientes que estão numa fase da sua vida que é percetível, que é transitória e que é recuperável, os bancos, estou seguro, que farão o melhor possível da parte deles para facilitar a vida dessas pessoas.
Cada um dos bancos, até mesmo face ao desafio, de certa forma foi o anúncio feito pelo presidente da Caixa Geral de Depósitos. Cada um dos bancos, agora em função até desse anúncio, porque isso tem um efeito, cada um dos bancos é que sabe o que é que deverá fazer.
O governador do Banco Portugal defendeu recentemente que os juros ainda devem subir no Verão e só lá para 2024 é que deverão começar a descer. Qual é que é a sua perspetiva? Até onde é que os juros ainda podem chegar?
Até onde em termos de valor não arrisco. Eu também acho que as taxas vão continuar a subir. E depois, quando pararem de subir, vão estabilizar durante meses, antes de começarem a descer. O que não quer dizer que as taxas de mercado não possam começar a descer mais cedo, se a política de combate à inflação se tornar credível, coisa que até aqui tem havido algumas dúvidas.
Se for claro que os bancos centrais, nomeadamente o BCE, está a conseguir controlar a inflação, o mercado antecipa a descida das taxas de mercado. É provável que as Euribor possam começar a cair antes das taxas de intervenção.
Podemos falar de uma queda da Euribor ainda este ano?
Não me atrevo a fazer essa previsão e não quero criar falsas expectativas nas pessoas.
Sobre a banca internacional, já saíram das manchetes a banca regional norte americana e o Credit Suisse, mas ainda são considerados um risco nas análises dos supervisores. Os bancos estão tranquilos?
Os bancos em Portugal estão tranquilos, tanto quento sei, da informação a que tenho acesso, eu consideraria que a estabilidade dos bancos em Portugal é talvez o menor dos problemas com que nós temos que nos preocupar. Não tenho nenhum indicador que constitua alguma preocupação sobre o setor.
O setor fez um ajustamento muito forte nos últimos anos, um trabalho muito paciente e muito duro. Entre outras coisas, traduziu-se em perdas significativas de rentabilidade, o que, obviamente, depois também torna difícil atrair capital. Agora estão finalmente a ter a casa suficientemente arrumada. Neste momento olhamos tudo com tranquilidade.
Já falou sobre os bons resultados da economia. Nós tivemos previsões muito boas da Comissão Europeia e do FMI, pelo menos para este ano. Mas está o nosso crescimento demasiado dependente do turismo de baixo valor acrescentado e da especulação imobiliária? Falta orientação estratégica na política económica do governo?
Obviamente que o turismo está a ter um contributo e as outras exportações também se estão a comportar muito bem. Nós estamos a ser beneficiários das alterações geopolíticas que estão a ocorrer, porque aquilo que foi sempre uma adversidade para nós é agora favorável, estamos longe das zonas de conflito, somos uma zona segura.
Relativamente ao turismo, obviamente que se nós ficarmos severamente dependentes do turismo, é uma situação vulnerável, porque da mesma forma que a partir de 2015 Portugal entrou na moda, podemos de um momento para o outro sair. É importante uma economia mais diversificada.
Continuamos um país de baixos salários?
Uma das razões porque temos baixos salários é a hostilidade que a nossa sociedade, ou pelo menos que grande parte do "comentariado" tem aos lucros. Como se é contra os lucros, é-se contra o investimento, contra a acumulação de capital.
Para se poderem pagar salários elevados é preciso ter produtividade elevada, para se ter produtividade elevada é preciso haver muito capital investido. E para haver muito capital investido, é preciso que o ambiente geral, sócio e político, seja favorável à rentabilidade das empresas e, portanto, quanto mais hostilidade houver ao lucro, mais força se está a fazer para termos salários baixos.
"Eu acho que vai haver uma remodelação antes do verão"
O Governo tem sido criticado porque continua a sustentar uma elevada carga fiscal. Podia ter dado alguma folga às famílias e ao setor empresarial?
Eu acho que nós, em geral, temos uma carga fiscal demasiada, sobretudo para o nosso nível de desenvolvimento. Quando comparamos a carga fiscal, temos de comparar também o nível de desenvolvimento, o PIB per capita. Há algum tempo não faço essa conta, mas quando fazia, nós estávamos acima daquilo que era o valor esperado para o nosso nível de desenvolvimento. Se alguma coisa se alterou de então para cá, foi para piorar. Nós temos de facto uma carga fiscal demasiado grande e era bom que ela fosse aliviada.
No caso das empresas, uma adversidade maior que nós temos é que nós temos taxas de imposto que crescem com o volume dos lucros, estamos a taxar o capital, estamos a desencorajar o capital e, portanto, estamos a dizer que nós queremos é empresas pequenas. Queremos trabalho com baixos salários.
A terminar a nossa entrevista, vivemos um momento de alta tensão entre Belém e São Bento e, como se previa, os trabalhos da comissão de inquérito à TAP só aumentam este lume. Atrevo-me a dizer que houve faísca este fim de semana com a intervenção de Cavaco Silva. Como interpreta o discurso do antigo Presidente da República?
Na posição que tenho atualmente, presidente da APB, não me devo manifestar sobre questões que possam ter uma índole mais ou menos partidária, aí tenho que manter um distanciamento, independentemente da opinião como cidadão.
Mas uma das coisas que me preocupa, e que estes casos todos ultimamente têm vindo a revelar, é a má qualidade da nossa "governance" pública. Não me refiro às opções políticas dos governos, porque isso pertence a outro departamento, nem sequer à arquitetura constitucional. É a qualidade da "governance", quer da administração, quer das empresas.
Acho que isso é uma das nossas grandes vulnerabilidades e estes episódios todos que têm vindo a lume tem vindo a revelar a má qualidade desta nossa governance pública. Isso é um fator que nos inferioriza e nos cria grandes dificuldades, até ao nível do desenvolvimento.
Acha que o atual ministro das Infraestruturas tem condições para continuar numa pasta tão sensível como esta? Tem o novo aeroporto de Lisboa para decidir, a privatização da TAP, a reforma da ferrovia?
Percebo perfeitamente a pergunta. Mas posso ter que falar com o Sr. ministro por razões profissionais. Não me vou pronunciar.
Como representantes da banca, acha que faz sentido, neste momento, falar em eleições antecipadas? O país beneficiava, nesta altura, com a dissolução do Parlamento?
Fazer eleições, só por fazer eleições, só por si não resolve problemas necessariamente. Por vezes, até os pode complicar. Quer dizer, pode gerar uma situação de ingovernabilidade. Tenho que fazer fé de que quem tem condições para fazer a avaliação de todos esses elementos, em função dos quais depende a solução, que esteja suficientemente informado para tomar a decisão.
Agora, que é desejável um governo suficientemente estável e suficientemente focado no desenvolvimento do país e menos focado nos seus problemas internos, obviamente que isso seria bom para todos. É desejável que consigamos isso.
Vou insistir. Acha que o governo consegue manter-se intacto, sem nenhuma remodelação ou mini remodelação, até às próximas eleições?
O primeiro-ministro é que sabe, até porque é ele que tem que assumir os riscos, de uma coisa ou de outra. Ele é que sabe se e quando deve fazer isso.
Eu acho que vai haver uma remodelação antes do verão, mas isso é a minha expectativa.