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Entrevista a Ricardo Sousa, CEO da Century 21

“Em 2023, haverá uma estabilização dos preços da habitação”

03 fev, 2023 - 06:30 • João Carlos Malta , com gráficos de Salomé Esteves

Ricardo Sousa, CEO da Century 21, explica que o valor das casas não deverá subir e que a relação entre proprietário e comprador "já está mais equilibrada com preços mais realistas para concluir a transação". Avança também que as casas já estão mais tempo no mercado. Para arrefecer o mercado, há ainda a acrescentar a subida das taxas de juro.

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O CEO da Century 21, Ricardo Sousa, detalha em entrevista à Renascença o estudo que a imobiliária publica esta sexta-feira sobre a acessibilidade dos portugueses à habitação. Nele, identifica o desfasamento entre oferta e procura de imóveis em Portugal, sobretudo para a classe média.

O especialista aponta que Portugal não tem um problema geral de acesso à habitação, uma vez que quase três milhões de famílias (70% do total) têm uma situação estabilizada. São proprietários e mais de 90% não têm encargos com a sua habitação ou têm um encargo inferior a 500 euros mensais.

O problema grave que existe é para quem entra agora no mercado: os jovens e famílias que estão a arrendar casa. O líder da imobiliária acredita ainda na estabilização dos preços nos mercados mais quentes do setor.

O estudo avalia o desajuste entre a subida dos preços das casas e o poder de compra nos últimos três anos. A que conclusões chega?

A principal conclusão que o estudo revela e que todos já sabíamos, mas vem confirmá-la, é uma subida muito mais acelerada do preço dos imóveis em todo o território nacional, quando comparamos com a evolução do rendimento disponível das famílias.

É um dado importante, porque o que nós analisamos neste estudo é o rendimento líquido disponível das famílias, descontando a carga fiscal, o que fica ou sobra para as pessoas arrendarem ou comprarem as suas casas.

Apresentam vários números que explicam o desfasamento entre a subida do preço das casas e o poder de compra. Podia ilustrar aqui com dois ou três exemplos?

Nós tivemos em Portugal, neste período, uma subida média nas nossas capitais de distrito de 9% do rendimento disponível dos agregados familiares, que compara com o aumento de 38% em média, do que o valor dos imóveis no nosso território.

Também é verdade que temos em Portugal diferentes realidades. Aquilo que tem sido a concentração da população e o movimento das populações para a Área Metropolitana de Lisboa, onde a taxa de esforço destas famílias está a aumentar. Tipicamente era de 32% e, com este aumento dos preços e do rendimento, passaram a ter uma taxa de esforço superior a 40% para adquirir um imóvel.

É brutal este desfasamento entre o aumento do rendimento e o aumento do preço das casas. Isso torna cada vez mais incomportável para as famílias adquirirem um imóvel...

Sem dúvida. Portugal tem diferentes realidades. Claramente há um fator demográfico, seja o movimento das populações que se concentram na Área Metropolitana de Lisboa ou na Área Metropolitana do Porto e também no Algarve.

Os Censos de 2021 mostram que a Área Metropolitana de Lisboa e o Algarve são as duas regiões que crescem em termos de população contra uma diminuição da população em Portugal. Ou seja, o movimento para estes territórios provoca um aumento da procura.

Há também, obviamente, o crescimento do turismo ou o regresso do turismo pós-pandemia, que vem colocar pressão nestes três mercados.

Mas se olharmos para todo o território nacional, conseguimos ver que 15 das 18 capitais de distrito não estão em sobrecarga naquilo que é o custo da habitação, seja para comprar, seja para arrendamento.

Há um desfasamento muito grande e que está a aumentar entre a oferta e a procura. Já referiu que é mais evidente nestas três áreas geográficas. Mas porque é que acontece assim? Porque é que há este desfasamento?

O desfasamento entre a procura e a oferta foi uma das nossas preocupações e quantificar o que tanto se fala sobre as necessidades da classe média e a oferta de habitação para classe média. Se olharmos para todo o território, temos 60% da população dentro deste escalão que consideramos classe média e apenas 42% da oferta está direcionada para o poder de compra destas famílias.

Em Lisboa, temos 49% da população enquadrada nos escalões do rendimento da classe média para 5% da oferta disponível ajustada ao seu rendimento.

Isto reflete vários acontecimentos que vêm do passado, nomeadamente uma diminuição de fogos novos concluídos, a transformação de habitação para efeitos turísticos ou de turismo.

Temos também uma aposta sucessiva dos promotores investidores imobiliários no segmento médio e médio alto, ficando aqui, de facto, a habitação disponível para a classe média sem uma atenção específica por parte dos operadores privados e públicos, e que leva a este desfasamento atual.

Com este desfasamento a nível nacional, no qual para a classe média que representa 60% das famílias, há uma oferta ajustada de apenas de 42% das casas disponíveis − em Lisboa e no Porto essa discrepância é ainda maior − o que acontece a estas pessoas que não chegam ao mercado? O que é que fazem ou podem fazer para adquirir um imóvel?

Temos que ter em consideração que temos 2,9 milhões de famílias e agregados familiares, ou seja, 70% das famílias portuguesas são proprietários e, desses, mais de 90% ou não tem encargos com a sua habitação ou tem um encargo inferior a 500 euros mensais.

Isto faz com que tenhamos um mercado saudável no sentido que temos as famílias, ou a esmagadora maioria das famílias, com as suas necessidades de habitação robusta − que têm a sua casa paga ou têm já um valor residual a pagar pela casa.

O grande desafio que se coloca e que deve ser o foco da nossa preocupação é o acesso à primeira habitação, a emancipação dos jovens, a família, ou o casal, que está no mercado de arrendamento e quer comprar a sua primeira casa.

Esse é o grande desafio, porque quem já tem o seu património está numa posição bastante diferente, porque o viu valorizar ao longo do tempo.

Já para um jovem ou para esta família que está agora a crescer e quer ter a sua primeira casa, o desafio prende-se obviamente, com a questão da subida das taxas de juro, com o aumento da inflação e a diminuição do poder de compra.

Tem de ter o valor mensal para pagar a casa, mas também tem que ter, no caso aquisição, uma poupança significativa que permita dar a entrada da casa.

Há aqui, portanto, novamente "dois países" que se dividem por faixas etárias, ou seja, uma parte da população já com 40 ou mais anos que tem a situação habitacional resolvida e os outros...

Exatamente. Obriga-nos a trazer para o mercado imóveis ajustados às necessidades desta parte da população.

O que nos diz a ponderação entre o rendimento etário e a disponibilidade de habitação ajustada?

Claramente é um desafio. Fizemos uma investigação sobre a caracterização dos jovens e das suas necessidades de habitação, onde se observa que o grande desafio desta população, por um lado, é não ter a poupança acumulada para poder entrar no mercado.

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"Se olharmos para todo o território temos 60% da população dentro deste escalão que consideramos classe média e apenas 42% da oferta está direcionada para o poder de compra destas famílias".

Por outro lado, a somar aos baixos rendimentos que auferem no início da carreira, há ainda os hábitos de consumo que fazem com que o rendimento disponível para a habitação diminua significativamente, prolongando assim o tempo destes jovens na casa dos pais.

Apesar deste “gap” entre a capacidade aquisitiva e ou oferta, o mercado imobiliário continua a crescer em vendas?

Nós estamos a realizar, em Portugal, aproximadamente 160 mil vendas. Em 2022, talvez estejamos acima deste valor, mas é como vimos uma parte reduzida da população portuguesa que está no mercado.

Grande parte do mercado, e do que movimenta o mercado, são proprietários que fazem troca de casa, ou porque a família cresceu e precisa de uma casa maior, ou porque há o “downgrade”, seja porque os filhos saíram de casa e já não precisam de uma casa tão grande, ou porque as condições económicas se alteraram, ou ainda porque há uma alteração de zona.

E este é o mercado dos portugueses que já são proprietários, que fazem a troca de casa. Para estes é relativamente mais fácil do que aqueles que vão comprar a primeira casa.

Por outro, temos nos últimos anos um mercado de crédito e de financiamento bastante ativo, onde as famílias e os jovens têm acesso a financiamento. E isto permite que os portugueses, que continuam com o apoio da banca, a aceder a uma nova, ou a trocar de casa.

O terceiro fator, naturalmente, tem um peso importante no mercado internacional.

Depois da pandemia, houve uma recuperação e um posicionamento de Portugal a nível internacional. Tem-nos permitido chegar a diferentes geografias. E eu destaco, por exemplo, o mercado norte-americano que tem vindo a crescer o seu peso nas transações, transformando o que era uma procura muito concentrada na cidade de Lisboa, do Porto, e no Algarve, numa procura mais generalizada por todo o território.

Quanto representam os clientes internacionais no total de vendas?

O número de transações de casas vendidas em Portugal a clientes internacionais é inferior a 8% do número de vendas totais. Continua a ser ainda marginal ou pouco expressivo. Também é verdade que o valor médio dos imóveis que estes clientes compram é praticamente o dobro daquilo que a aquisição média de um português.

A aquisição média do cliente português situa-se entre os 160 a 170 mil euros e os clientes situam-se acima dos 300 mil euros.

A mesma casa hoje custa muito mais em Lisboa e no Porto. A pergunta que se levanta muitas vezes na cabeça das pessoas é onde e quando é que isto pára?

Os nossos indicadores mostram para este ano, 2023, uma estabilização dos preços, em particular nestes mercados, no centro da cidade de Lisboa, no centro da cidade do Porto e mesmo no Algarve. Temos o efeito das taxas de juro que fazem claramente arrefecer o mercado em número de transações e criará uma relação mais equilibrada entre proprietários e compradores.

Ou seja, o proprietário tem de ser muito mais realista na definição do seu preço.

Não nos podemos esquecer que o que caracteriza o mercado de transações imobiliárias em Portugal são transações entre particulares e proprietários. Eu vendo a minha casa, eu compro a minha casa.

Esta relação entre proprietário e comprador já está mais equilibrada com preços mais realistas para concluir a transação, as casas estão mais tempo no mercado, o que nos leva a crer que estes preços tendem a estabilizar, sobretudo com as medidas que os bancos centrais estão a impor, com as subidas e manutenção das taxas de juro nestes níveis.

Contudo, o que é que esta situação está a provocar? Um movimento para os concelhos limítrofes destas cidades. Se olharmos para Lisboa e para a Área Metropolitana de Lisboa, vimos uma taxa de esforço e uma sobrecarga com os custos de habitação, de arrendamento e de compra, na margem norte do rio, nos concelhos da margem Norte do rio. Na margem Sul, o acesso à habitação é muito mais facilitado.

O que nós vimos e começamos a antecipar é um movimento das famílias à procura de outras opções, seja de perfil de imóvel e de zonas onde estão a comprar.

Na margem Sul do Tejo é expectável, ou é normal, que os preços ainda tenham um ajuste em 2023, quando as famílias com mais rendimento avançarem para estes mercados onde os preços estão comparativamente mais baixos.

Apresentam várias simulações das prestações com hipotéticas subidas da Euribor. A confirmarem-se quais as consequências que pode ter para o mercado?

O pior cenário e que não é expectável, neste momento, tendo em conta os indicadores macro, tanto nacionais como globais, é uma taxa de juro nominal acima de 5%. Aí teríamos toda a Área Metropolitana de Lisboa com sobrecarga do custo de acesso à habitação. Esse impacto na prestação mensal iria deixar a esmagadora maioria das famílias sem acesso à habitação.

Há aqui um fator que é importante também destacar. Por um lado, as famílias que adquiriram casa no passado, sobretudo depois do ano 2018, estão protegidas para estes aumentos, porque apesar de as taxas de juro estarem negativas, o Banco de Portugal, através das medidas macro prudenciais, impôs aos bancos comerciais o teste de uma carga de 3% adicional de taxa de juro.

Ou seja, quem já está no mercado está protegido a estas subidas. Este teste continua a ser exigível, ou seja, eu tenho de testar a capacidade da família não a 3% da Euribor, mas a 6% da Euribor.

E isso faz com que no acesso à habitação, as famílias já estejam a sentir os 5%. Quem está a ir agora ao mercado está a ser testada a sua taxa de esforço não a 2,8%, mas a 6%.

Isso faz com que muitas famílias estejam fora do acesso à habitação.

A opção entre o arrendamento e a compra continua a ser favorável à aquisição do imóvel na maior parte do território. Mas não é assim em todo o país. Quais são as exceções?

Essa foi uma das grandes alterações entre a primeira edição do estudo e esta segunda edição, onde vimos de Lisboa, a capital, a tornar o arrendamento a opção mais económica.

E depois temos cidades mais do interior, como Bragança, Beja, Castelo Branco, onde é mais acessível a opção de arrendamento em relação à compra.

Quais são as soluções para ultrapassar este problema de acesso à habitação?

De uma forma pragmática, é necessário, fundamental e urgente aumentar o stock de habitação social em Portugal principalmente nas cidades e nos mercados onde há uma maior tensão na procura.

Temos que aumentar o fluxo de imóveis disponíveis para venda. Temos em Portugal aproximadamente 700 mil imóveis que não estão a ser utilizados, e devem ser criadas condições para que os proprietários coloquem esses imóveis no mercado.

Mas como o imobiliário é imóvel, não podemos mudá-los para os sítios em que é preciso. A reabilitação urbana, a nova construção tem que ser agilizada.

Temos que eliminar muitos dos custos de contexto para que possa ser possível para promotores e construtores colocarem no mercado rapidamente construção nova ajustada a esta parte da população que não está a ser atendida naquilo que é a oferta existente no mercado para comprar.

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"Para este ano, 2023, haverá uma estabilização dos preços, em particular nestes mercados, no centro da cidade de Lisboa, no centro da cidade do Porto e mesmo no Algarve".

Precisamos de introduzir novas tecnologias de construção e industrialização da construção. Isso é essencial para termos um setor mais ágil, mais sustentável e, sobretudo, que permita construir a preços acessíveis para os portugueses. O custo e a escassez de mão-de-obra, o custo das matérias-primas faz com que a construção a preço acessível seja um grande desafio para os promotores, para os construtores e mesmo para o Estado que terá que produzir esta habitação social.

E por fim, como falávamos também no início, a questão do equilíbrio entre o turismo e as soluções residenciais, em que é preciso uma política equilibrada e integrada para permitir a aquisição da primeira habitação para os portugueses e não descaracterizar as nossas cidades, e promover as diferentes regiões de turismo de Portugal, para dessa forma tirar a pressão dos principais centros de atração de turismo.

Para isso, precisamos de ter um mercado mais sustentável a médio e longo prazo.

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