António Mendonça

Portugal em recessão em 2023 “é uma hipótese forte”

24 nov, 2022 - 18:23 • Sandra Afonso

É o alerta do Bastonário dos Economistas, que afasta ainda uma subida dos juros até 7% a curto prazo. Em entrevista à Renascença, António Mendonça admite otimismo por parte do governo nas previsões para 2023, mas o executivo reservou um “pé-de-meia” no Orçamento de estado para a eventualidade de serem necessários novos apoios. O antigo ministro de Sócrates comenta ainda as divulgações do ex governador Carlos Costa e defende que “se não tem condições pede a demissão”, não tem que acatar ordens.

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“Portugal não está imune, nunca esteve nem nunca estará” a uma recessão internacional”, lembra o bastonário da Ordem dos Economistas. “Tudo o que se passar nos nossos parceiros económicos tem repercussões imediatas”. O turismo tem suportado o crescimento, mas quando os consumidores dos países vizinhos perdem rendimentos “põem de lado o que não é essencial”.

Em entrevista à Renascença, António Mendonça diz que para o próximo ano existe uma “hipótese forte” de Portugal acompanhar os restantes parceiros comerciais, que já anteciparam que vão entrar em recessão.

A Comissão Europeia, o FMI e esta semana a OCDE, todos apontam para um crescimento no próximo ano abaixo de 1,3%, que é a estimativa do Governo. António Mendonça reconhece otimismo nas previsões do governo, mas o Orçamento do Estado também inclui alguma dose de cautela.

Segundo o bastonário, o executivo deixou um “pé-de-meia” para eventuais medidas adicionais de apoio a empresas e famílias, ao longo de 2023.

Bruxelas já alertou que Portugal está no amarelo, tendo em conta o nível de endividamento, não pode esticar mais a despesa, como medidas como o prolongamento dos apoios à factura da energia. Mas António Mendonça relativiza, diz que “temos de ter cuidado com essas declarações de responsáveis a nível europeu, que muitas vezes não têm em devida atenção aquilo que se está a passar”, para o economista são palavras para manter como “referência”.

A Comissão Europeia alerta ainda para os gastos com a Administração Pública, mas este economista sublinha que o problema não está na dimensão da máquina do Estado. “Todos os dias ouvimos ou lemos que é preciso mais professores ou médicos”, lembra. “O que precisamos é de qualidade na Função Pública, neste sentido estamos muito necessitados e traduz-se, muitas vezes, numa menos eficiência económica”. Aqui não se deve discutir a quantidade mas a qualidade e o diagnóstico é claro para este professor catedrático: é preciso mais incentivos.

Saúda o recente acordo entre o governo e os parceiros sociais, mas diz que ainda não chega. Portugal tem um problema claro de produtividade, era importante um acordo “de longo prazo” de dinamismo económico, um “projeto estratégico de crescimento sustentado a médio e longo prazo”.

A taxa sobre os lucros extraordinários divide economistas. Há quem defenda que deve ser incentivado o reinvestimento dos lucros e não a tributação. O bastonário não se mostra surpreendido ou incomodado pela reação de sectores como a distribuição, que querem contestar a medida em tribunal, mas defende que “se justifica incidir uma comparticipação sobre os tais lucros extraordinários”.

António Mendonça diz ainda que a inflação não justifica todo o atraso na execução dos PRR, mas admite que a complexidade dos processos contribui para este problema. As metas do governo podem ficar em causa.

Uma forte subida dos juros no curto prazo deixa-nos numa recessão muito profunda

Há menos de um ano nenhum banco central admitia um cenário de subida rápida dos juros a curto prazo, para travar a inflação. Famílias e agentes económicos endividaram-se num contexto de perda de rendimentos, devido ao aumento dos preços. O Banco de Portugal admitiu já riscos para o sistema financeiro.

Questionado sobre o que podemos esperar por parte do Banco Central Europeu no curto e médio prazo, este professor catedrático lembra que o supervisor sustentou a actividade económica nos últimos anos com taxas de juro zero ou mesmo negativas. Tendo em conta este histórico, diz que ficaria muito admirado se o banco central decidisse subir os juros até aos níveis da Islândia (6%) ou da Nova Zelândia (4,25%).

António Mendonça espera que as autoridades monetárias tenham a capacidade de adaptar as decisões à realidade, porque “se as taxas de juro nesse curto espaço de tempo atingirem esse nível, corremos o sério risco de uma recessão muito profunda, em que os custos da recuperação serão incomparavelmente superiores”. Acredita que “haja o bom senso de moderar essa subida e que haja o bom senso de reverter a marcha, se se revelar necessário”.

O bastonário não tem dúvidas sobre qual deve ser a prioridade das autoridades: “Entre atacar a inflação ou evitar a recessão, eu tenho tendência para considerar a recessão a preocupação fundamental”.

No entanto, também lembra que muitas vezes foi a política monetária que acabou a fazer o papel da política orçamental. Neste momento é essencial a “integração e gestão coordenada das duas políticas, no plano nacional e internacional”. Não podemos ter as autoridades monetárias a conter o consumo com a subida dos juros e os governos a aumentarem a despesa.

As medidas de apoio às famílias com crédito à habitação “fazem todo o sentido”, mas têm de ser concertadas entre todos os agentes, com a preocupação de ajudar as famílias e apoiar a actividade económica. “A banca não tem interesse que as pessoas não possam pagar, não faz sentido matar o devedor”, sublinha.

Não afasta a possibilidade de uma bolha no mercado imobiliário português, uma consequência da descida dos preços aliada à subida das taxas de juro.

Costa contra Costa: “Se o governador achar que não tem condições, pede a demissão”

É uma das polémicas do momento, as revelações do ex governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, que acusa o primeiro ministro António Costa de ingerência política na actividade do supervisor. António Mendonça admite curiosidade e garante que vai ler o livro que está na origem do caso, “O governador”, mas recusa tomar um partido.

Lembra que as instituições não são um “palácio de cristal”, é normal que os dirigentes falem entre si, o que não implica falta de respeito pelas entidades. Para António Mendonça, o que importa são os efeitos ou consequências das palavras, não o que é dito.

O antigo ministro socialista acrescenta ainda que “o governador do Banco Central não tem que acatar ordens, tem a sua autonomia e responsabilidades, se achar que não tem condições, pede a demissão!”

Também não acredita “que um primeiro ministro, conhecendo as responsabilidades de um banco central, diga: Ó Carlos, vais fazer isto que sou eu que te mando!”. Da mesma forma que rejeita que o governador aceite cumprir, porque “cada um tem as suas responsabilidades e os seus espaços de intervenção”. “As intenções ficam na cabeça das pessoas”, conclui.


Ouça aqui a entrevista na íntegra.

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