Web Summit em Lisboa depois de 2028? "Estamos em conversações", diz Paddy Cosgrave

31 out, 2022 - 08:00 • José Pedro Frazão

Paddy Cosgrave diz que o "casamento" com Portugal e com Lisboa está para durar, mesmo que não estejam a ser cumpridas as expectativas do famigerado acordo por dez anos. Em entrevista à Renascença, o fundador da mais concorrida conferência tecnológica do mundo explica o que pensa da "bolha da Web Summit", da necessidade de manter a coesão regional em Portugal e até da conta da eletricidade.

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Tudo parece de novo dos eixos para a Web Summit mais procurada de sempre. Paddy Cosgrave diz que pandemia ia matando a Web Summit, que teria mesmo acabado se não tivesse voltado ao Parque das Nações no ano passado.

O irlandês que conseguiu um acordo por dez anos com Lisboa diz à Renascença que seria estranho, agora, sair da capital portuguesa depois de 2028, mesmo que a WebSummit ainda não se tenha expandido como era suposto e não vá ter os 100 mil participantes que Marcelo e Paddy Cosgrave queriam.

Como é que a inflação afeta a organização da Web Summit?

Vou publicar no Instagram uma fotografia da conta de luz depois da Web Summit. Não sei se está a acontecer em Portugal, mas na Irlanda muitos cafés estão a receber contas incríveis por um mês de eletricidade ou gás. Sei que Portugal é um dos países com maior diversidade energética na Europa e isso talvez signifique que os preços aumentaram menos aqui. Mas na Irlanda algumas das contas que bares e restaurantes estão a receber são três vezes maiores.

Tem dados sobre o volume de negócios que são feitos na Web Summit ?

Monitorizamos a quantidade de financiamento que vai para as "startups" que participam do Web Summit. Tradicionalmente, cerca de 20% de todo o capital de risco investido globalmente nos 12 meses seguintes vai para "startups" que estiveram no Web Summit. É um número incrivelmente gigantesco. Vamos ver se 2022 será diferente, mas faremos as contas no final de 2023. Passámos por dois ou três anos muito estranhos e 2022 pode ser o primeiro ano em que voltamos ao normal do nosso histórico.

Quais foram as lições que retiraram dos tempos da pandemia ?

A primeira lição é que as conferências virtuais são más. Acho que toda a gente se fartou das conferências virtuais. Somos humanos, muito sociais, queremos encontrar-nos e isso é parte da razão pela qual eu acho que a Web Summit voltou tão forte. Para muitos dos meus amigos que dirigem algumas das maiores conferências de tecnologia do mundo, os eventos não voltaram. Alguns pararam e a maioria das maiores conferências de tecnologia da Europa nos Estados Unidos estão com cerca de 30 a 50% do seu tamanho de 2019. A Web Summit é a grande anomalia. Acredito que Lisboa desempenhou um papel nisso.

Lisboa fez a Web Summit e a Web Summit ajudou a fazer a Lisboa de hoje. Quando viemos para aqui, há pouco mais de meia década, todos os jornalistas perguntavam porque tínhamos mudado para Lisboa e muitas pessoas consideravam que a decisão estava errada. Achavam que a Web Summit devia ter ido para uma capital tecnológica na Europa como Paris, Berlim ou Estocolmo. Ao longo da última meia década, Lisboa passou de uma espécie de cidade esquecida na Europa, para transformar-se, a crer nos "rankings", no destino mais procurado do mundo para nómadas digitais, trabalhadores remotos, "startups" que se deslocalizam. Fomos os beneficiários disso e talvez tenhamos ajudado de alguma forma a colocar Lisboa no mapa.

Os académicos deviam estudar isto, porque há algo extraordinário aqui em Lisboa. Lisboa foi a única capital da Europa Ocidental que esteve em declínio durante anos e depois, quase como um interruptor de luz, mudou completamente e não apenas parou esse declínio como se tornou a cidade mais excitante da Europa. Fizemos uma aposta em 2016. Pensávamos ter visto algo em Lisboa que outras pessoas não estavam a ver. Alguma coisa já estava a acontecer. Eu acreditava que Lisboa ia ser a próxima Berlim. Tinha todos os ingredientes para isso. Vinham artistas de toda a Europa para cá, as leis eram muito progressistas, era um lugar incrivelmente tolerante e pacífico. O clima é incrível. A comida é incrível, mas por qualquer motivo estava em declínio e, de um dia para o outro, torna-se a cidade mais popular para tecnologia e em vários "rankings" no mundo. Mas os ingredientes estavam lá, a onda estava a começar.

Chegámos cedo, é como descobrir uma nova praia de surf como a Nazaré ou algo assim. Algumas pessoas sabiam daquilo, mas não sabíamos que existia. Começámos a procurar e chegámos cedo, como o Garrett McNamara ou algo assim. E, depois, tornou-se incrivelmente popular. E acho que a Web Summit está agora a beneficiar da popularidade de Lisboa e talvez tenha contribuído de alguma forma, embora eu seja obviamente tendencioso.

Mas queria colocar mais pessoas na Web Summit. Houve um acordo para aumentar o tamanho do evento e nada aconteceu. Qual é o ponto da situação?

A nossa relação com a cidade e com o governo nunca foi tão boa. No início de 2021, houve conversas porque era possível que a Web Summit entrasse em colapso se não houvesse Web Summit em 2021. Não acho que a Web Summit existiria hoje. Estivemos muito perto de a Web Summit acabar porque, se não pudéssemos realizar o evento, era muito possível que ficássemos sem dinheiro. As nossas receitas caíram em 2020, quase dobraram em 2021 e quase dobraram novamente em 2022. Este é o ano de maior sucesso desde sempre. Este foi o contexto e acho que tivemos muita sorte pela parceria ter ficado mais forte do que nunca. O presidente Marcelo, você sabe, é inacreditável, é um orador incrivelmente poderoso.

Para chegar a esta situação, tem de negociar. O Presidente foi importante na negociação?

Não estou envolvido nisso. A minha responsabilidade está na Web Summit e não nas infraestruturas da cidade. Não me cabe mesmo até falar sobre isso.

Mas havia um acordo para ampliar o local e isso não aconteceu.

Sim, mas pode acontecer. Todas as indicações são bastante positivas, do meu ponto de vista.

Havia um cenário de 10 anos, rubricado há quatro anos, e por isso tem mais seis anos. Você vai ficar mais esses seis anos ?

Sim, podemos ficar até mais tempo. Já estamos a ter conversações para ficar mais tempo. Se sairmos de Lisboa em 2028, acho que, na verdade, as pessoas vão agora dizer o contrário do que diziam e perguntar porque estamos a sair de Lisboa, que se tornou, no essencial, na Califórnia da Europa.

Qual é o fator que é decisivo para essa situação ? É apenas a ampliação do local?

Não, não. Depende de muitos fatores. No final de contas, a parte mais importante é o relacionamento com os nossos parceiros. Estamos num casamento com o governo português e com a cidade. Neste momento trabalhamos com alguns políticos e funcionários públicos incríveis, com uma visão muito clara para o futuro de Portugal. Claro que tudo pode mudar, mas, atualmente, não poderíamos pedir um relacionamento melhor.

Mas defendeu que era impossível continuar se não ampliassem o local para terem 100.000 pessoas na Web Summit.

Claro, mas, mesmo este ano, estamos a ser muito criativos. Estamos a construir 22.500 metros quadrados de estruturas temporárias. Transferimos muitas áreas de "networking" para fora, ampliámos o perímetro do evento para o Pavilhão de Portugal. É um espaço enorme e acho que podemos ser criativos. Aumentámos o número de eventos realizados fora do local, colocando-os pela cidade, que está cheia de lugares incríveis.

Marcelo falou no ano passado que esperava um dia ter 100.000 pessoas na Web Summit. Nunca houve um acordo para expandir para 100.000 pessoas, era apenas uma aspiração que foi expressa. Eu já publiquei no Twitter que vamos ter 100.000 pessoas em Lisboa durante toda a semana, contando o número de eventos paralelos, de conferências, olhando para o volume de pessoas que estão a tentar conseguir bilhetes e que me estão a contactar literalmente de cinco em cinco minutos.

Quantas pessoas teria se aceitasse todos os pedidos que tem ?

Não sei. Os preços para a Web Summit tornam-na a conferência de negócios mais cara do mundo, se excluirmos o Fórum Económico Mundial. Se reduzirmos os preços drasticamente, podemos ter 200.000 ou 300.000 pessoas. O número de pessoas é interessante, mas acho que a qualidade e a diversidade são, provavelmente, mais importantes.

Qual é o fator que coloca o foco na ampliação do local? É a segurança da conferência? Quer aumentar o número de palcos?

Os nossos expositores adorariam mais espaço, talvez isso aconteça no futuro.

Hoje em dia conhece melhor o país. Há uma ideia que muitas vezes se escuta, que se olha para a Web Summit como uma bolha, a bolha da Web Summit. Acha que é justo dizer isso? Até que ponto a Web Summit em Lisboa pode beneficiar cidades como o Porto ou regiões como o Alentejo e o Algarve?

É uma pergunta muito boa. Eu entendo isso, porque cresci numa quinta e não numa cidade. Acho que, muitas vezes, aqueles que vivem em cidades, especialmente em cidades maiores, podem, de facto, viver numa bolha, e a tecnologia, às vezes, pode passar ao lado daqueles que vivem em áreas rurais. Penso que os políticos têm a responsabilidade integral de não se esquecerem daqueles que vivem em áreas rurais. A questão coloca-se, então, ao nível da combinação de políticas para ajudar as pessoas nas áreas rurais que não têm acesso a mercados ou a tantas oportunidades de emprego.

Podem também ser destino de nómadas digitais?

Isso pode ser bom. A Irlanda também tem o mesmo fenómeno. Não sei por que razão eles vão para lá, porque, obviamente, ainda não experimentaram o inverno e podem não estar lá no próximo ano. É preciso algum equilíbrio. É ótimo quando pessoas com muito dinheiro vêm para o país. O desafio para os políticos é pegar em parte desse dinheiro e alcançar um desenvolvimento equilibrado entre regiões. É importante que as regiões não fiquem para trás e aproveitem alguns dos benefícios que cidades como Lisboa estão a receber.

O Porto é também uma grande cidade. Ao longo dos anos estabeleceu contactos também com as pessoas do Porto?

Temos muita gente que vem do Porto, vamos lá com bastante regularidade. O Porto é uma cidade próspera, com muitas empresas de tecnologia, incluindo portuguesas, que estão lá agora com grandes operações. Se houver alguém a chorar a pensar que o Porto não está bem, acho que isso é exagerado. O Porto está também a passar por uma espécie de renascimento.

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