Encher o depósito do carro está 15 euros mais caro. Porque é que o preço dos combustíveis não pára de subir?

15 out, 2021 - 07:01 • João Carlos Malta (texto), Joana Gonçalves (gráficos)

Aumento ronda os 20% no gasóleo e na gasolina, no último ano. Mas não é só quando se abastece o carro que se está a gastar mais dinheiro: os combustíveis contaminam o preço dos outros bens.

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O preço para atestar o automóvel está a subir a pique. Em média, gasta-se mais 15 euros do que há um ano.

E mesmo retirando o efeito da pandemia − período em que se assistiu a uma quebra acentuada dos preços, consultando os dados da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) − verificamos que pelo menos desde agosto de 2018, que os valores cobrados nos postos de abastecimento nunca foram tão altos.

Ou seja, estamos a viver o período com preço de gasóleo e gasolina mais caros dos últimos três anos.

Entre 14 outubro de 2020 e esta quinta-feira, um litro de gasolina 95 custa, em média, mais 34 cêntimos, e um litro de gasóleo vale agora mais 35 cêntimos.

O mesmo equivale a dizer que, no espaço de um ano, os dois combustíveis mais utilizados pelos portugueses subiram em média 20% (19% a gasolina 95 e 22% o gasóleo).

Este agravamento dos preços tem como consequência que, para encherem um depósito de 45 litros, saiam da carteira dos consumidores mais 15 euros no caso da gasolina, e mais 15,8 euros no caso do gasóleo.

Mas porque é que os preços não param de subir?

O crescimento em flecha dos preços que os consumidores encontram nos postos de abastecimento impressiona e Nuno Ribeiro da Silva, presidente da Endesa Portugal e especialista na área da energia, explica que há “uma conjugação de situações que só põem lenha na fogueira”.

Ribeiro da Silva enumera as causas: “Há uma restrição ao nível da OPEP+, dos grandes exportadores de petróleo, e há uma explosão da procura depois a contenção durante a pandemia”.

A isso soma “toda a cadeia logística e funcional” que está sob pressão. “Os preços, quer seja dos transportes, da operação portuária, ou dos seguros, estão a aumentar. É tudo a contribuir para o problema”, relata.

Composição do preço do litro de combustível

O ex-presidente da ERSE Jorge Vasconcelos chama a atenção para que no caso dos combustíveis “estarmos num mercado aberto a nível mundial”, e a evolução do preço do petróleo é a mesma em todo o planeta. “Todos nós sabemos que durante a pandemia houve menos procura e agora há mais procura, os países produtores de petróleo reduziram a produção e tudo isso conduz a um aumento dos preços”, avança.

O presidente da Endesa concretiza a ideia com os valores do barril de petróleo que esta quinta-feira foi negociado a 83,7 dólares (72,19 euros), enquanto que há um ano o valor de transação era de 43,3 dólares (37.4 euros). Ou seja, um crescimento de 93% no espaço de um ano.

Mas alargando a escala de análise e olhando para os últimos três anos, verificamos que os valores deste mês são os mais altos neste espaço temporal. O técnico da DECO, associação de defesa do consumidor, Pedro Silva alerta que a comparação não pode ser feita de forma direta.

“[Nesse período], houve um agravamento da carga fiscal, e subida nas metas de biocombustíveis. Ou seja, o que pagamos por um litro de combustível já não são os mesmos componentes, na mesma proporção de 2018”.

Temos de nos conformar com estes preços?

De um lado temos o preço da matéria-prima e da logística, do outro o dos impostos. Parecem ser um colete de forças para agir sobre os preços, mas será que não há volta a dar a estes valores de venda dos combustíveis?

Pedro Silva, técnico da DECO, é liminar: “Não nos devemos conformar de todo com estes preços altos, porque isto não é uma inevitabilidade”, acredita.

E explica que, quando é elaborado um Orçamento do Estado, “são previstas receitas para fazer face às despesas, sejam elas para a saúde, para a educação, estradas”.

No entanto, diz que não “podemos ter aqui uma sobre receita fiscal para pagar as despesas previstas”. “Isso é tirar dos bolsos dos consumidores que pagam mais do que aquilo que estava estimado para entregar ao Estado. Isto é o óbice da questão”.

O mesmo acrescenta que “o preço que estava perspetivado para 2021 para o preço do petróleo já foi ultrapassado neste último mês”.

Por isso, defende que haja uma adequação entre a previsão que há para o ano e o valor real da transação do bem. “Deve haver uma correção por um mecanismo fiscal a cada três meses. É o que se passa no mercado regulado de eletricidade”.

Isso, argumenta, daria estabilidade aos preços e previsibilidade aos agentes económicos, porque o aumento do preço dos combustíveis além de ser refletir de forma direta no bolso dos consumidores também tem consequências indiretas, porque os bens vão ter o preço de compra aumentado em resultado da subida dos custos de transportes.

O Governo através do ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, e do ministro do Ambiente, João Matos Fernandes, tem rejeitado a descida dos impostos sobre os combustíveis. O primeiro quer esperar para ver o comportamento dos mercados, e o segundo argumenta que uma mexida daria o sinal errado em relação ao trajeto redução de uso de combustíveis fósseis.

Evolução do preço do barril de petróleo no último ano

O líder da Endesa afirma que o aumento do preço dos combustíveis tem como resultado o aumento da receita do Estado. “O peso dos impostos é em média de 60%”, e como a cobrança incide sobre o valor de venda, isso puxa para cima a fatura que o consumidor vai pagar.

A ideia do Executivo é a de restringir o lucro através da limitação das margens nas vendas dos comerciantes de combustíveis. Algo que Nuno Ribeiro da Silva considera errado.

Sempre que há pressão sobre os preços, aparecem anúncios de que se vai analisar se há cartelização, se as margens são muito altas. Isso nunca deu em nada. Parece aquela situação de que quando há problemas no país, dizem que culpa é do estrageiro”, analisa.

“É atirar areia para os olhos, a margem de comercialização é uma componente pequeníssima no custo final da fatura”, acrescenta.

Ribeiro da Silva diz que até compreendia que um Governo pudesse dizer que quer desincentivar o uso de combustíveis fosseis, e que por isso não cederia na fiscalidade que penaliza o consumidor.

“Isso é mais sério do que lançar a suspeição tipo governo bolivariano de que quando há um problema se atira as culpas para as empresas”, remata.

Como Portugal compara com outros países nos preços

Quando vamos com o carro a um posto de abastecimento de combustível, o preço do litro de gasolina e gasóleo tem vários componentes.

Tendo por base os valores apresentados pela DECO, verificamos que há que ter em atenção a cotação diária (todos os dias é monitorizada a cotação de cada um dos produtos derivados do petróleo) e o frete (custo do transporte do produto petrolífero para o território nacional). No conjunto valem 28% do valor que pagamos.

Há depois a incorporação dos biocombustíveis que resulta da obrigação legal de reforçar o seu teor na gasolina e no gasóleo. O objetivo é o de reduzir as emissões de gases. Em 2021, a UE determinou que a percentagem de incorporação fosse de 11%. Para o preço por litro, este item é residual, vale 2,4%.

Há ainda os impostos, o IVA, que é cobrado duas vezes (sobre o preço de referência e sobre a margem de comercialização) e o ISP (Imposto sobre os Produtos Petrolíferos). Em média, mediante o combustível podem chegar a valer 60%.

O que estamos a pagar ao atestar o carro

Os custos de comercialização e a margem comercial também têm impacto no preço final de venda ao público. A Deco aponta para um valor a rondar os 12%, o que nos valores atuais de venda fica um pouco aquém dos 20 cêntimos por litros.

Por fim, há ainda que ter em conta (apesar do efeito marginal, 0,3%) os pagamentos feitos para as reservas de segurança controladas diretamente pela Entidade Nacional para o Setor Energético e os custos com operações logísticas de receção do petróleo bruto ou produtos derivados do petróleo, assim como com a sua armazenagem temporária.

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  • EU
    15 out, 2021 PORTUGAL 10:31
    Como diz a música " DEIXEM QUE SUBA ". É a democracia a funcionar na sua plenitude. Os ESQUERDISTAS não deram DEZ € aos REFORMADOS? Á que os gastar.

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