E agora, senhora primeira-ministra?

De um "no-deal" tardio a novo referendo, quase certo é que o acordo de May não passará

28 fev, 2019 - 20:09 • Tiago Palma

Tudo está em cima da mesa no Brexit. Até a permanência britânica na União Europeia. À Renascença, o especialista em Direito Europeu António Goucha Soares explica que "provavelmente já só a senhora May é que acredita" que o Parlamento aprovará o seu acordo com Bruxelas.

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São turbulentos e de incerteza os dias no Reino Unido. Comecemos pela turbulência.

Esta quinta-feira, o secretário de Estado da Agricultura britânico, George Eustice, demitiu-se. Eustice, mesmo tendo elogiando a “tenacidade” e a “resiliência” de Theresa May na procura de um acordo que agrade ao Parlamento, garante que o fez em protesto contra a possibilidade, ontem levantada pela primeira-ministra, da extensão do Artigo 50 e consequente adiamento do Brexit, há muito previsto para o dia 29 de março.

Importa referir que May apenas admite tal cenário caso, quer o acordo que alcançar junto da União Europeia, quer a possibilidade de uma saída sem acordo, sejam ambas chumbadas no Parlamento.

Então, que cenários estão em cima da mesa? Três, essencialmente, uns mais improváveis que outros por agora, mas todos com uma grande incerteza (e temor, para os britânicos) a envolvê-los: a aprovação do acordo de Theresa May, a saída sem acordo (mesmo que adiada uns meses, até junho/julho) ou a realização de novo referendo sobre o Brexit. Tudo isto a apenas um mês do prazo de saída.

Mas analisemos os cenários e o que implicarão.

Primeiro cenário: May regressa ao Parlamento com o seu acordo, mesmo que “remendado” em Bruxelas, e aqueles que querem tanto o Brexit, dê lá por onde der, aprovam-no, temendo que outros, que no Parlamento defendem a permanência no Reino Unido na União Europeia, o “sequestrem” e levem tais intentos (de permanecer na União Europeia) avante. Noutro cenário, e caso seja rejeitado de novo o acordo, May poderá sempre adiar o prazo de 29 de março como o de saída e, de novo, voltar às negociações e, de novo, procurar a aprovação.

Certo é que a primeira-ministra trará algo para votação, no máximo, até dia 12 de março… ou talvez já na semana que vem.

A assombrar May está o humilhante chumbo (por ter sido esmagador, como há muito a democracia britânica não conhecia uma reprovação assim) de 15 de janeiro. No final desse mês, a dia 29, o Parlamento instou-a a voltar a Bruxelas e trazer um acordo, diziam, mais favorável aos interesses britânicos quanto à questão da fronteira entre as irlandas, o chamado “backstop”.

Pode ter sido um presente envenenado, cedo se perceberia, pois Bruxelas não tinha intenção de renegociar. Ontem, May regressou ao Parlamento e garantiu que continuava a tentar.

Entrevistado pela Renascença, António Goucha Soares, professor universitário e especialista em Direito Europeu, também um observador atento da política britânica, garante que May tentará, até à última, trazer alterações que satisfaçam, pelo menos, os unionistas (que estão contra o “backstop”) e, assim, reúna uma vaga de fundo que leve o Partido Conservador a apoiá-la. “Penso que o raciocínio da senhora May é fazer um ‘forcing’ final para, até dia 12, conseguir encontrar algo, um acordo em Bruxelas, que seja digerível por parte dos unionistas. Se os 12 membros do partido da Irlanda do Norte que apoiam o Governo votarem nisso, talvez arrastem aquela parte remanescente do Partido Conservador. Mas provavelmente já só a senhora May é que acredita nisso”, explica Goucha Soares.

"Hard Brexit"... mas só lá para o verão

Outra possibilidade é a de uma saída sem acordo, porém, não para já, no final de março, sendo adiada para junho ou julho. Como se chegará aqui? Certo parece ser que Bruxelas não cederá na questão do “backstop”, logo, o acordo que May apresentar receberá um rotundo não dos deputados. Atentemos então em datas. Chumbado o acordo da primeira-ministra, o Parlamento votará, a 13 de março, se quer ou não sair a 29. É quase certo que votarão não. E o adiamento será votado no dia 14.

Mas há, entre datas, muitos “ses”. Desde logo, May nunca retirou a hipótese “no-deal” (já, a 29) de cima da mesa. Nem tirará. E defendê-lo-á acerrimamente, chumbado o seu acordo. Por outro lado, e caso May apresente um pedido formal de adiamento à União Europeia, é preciso, depois, que a União Europeia o aceite.

Michel Barnier, o principal negociador europeu do Brexit, já disse publicamente que os britânicos terão que apresentar “uma boa razão” para o adiamento. "Há algumas alternativas ao plano [de Theresa May], mas estas, ou não são compatíveis com a legislação da União Europeia, ou não são aplicáveis no curto prazo. Ou ambas…", disse Barnier, lembrando que os Estados-membros também não parecem dispostos a ceder. "Isto não é sobre o Reino Unido; é sobre paralisar a União Europeia”, concluiu.

Um “no-deal”, já ou em junho/julho, significa uma saída sem transição, abrupta, uma hipótese catastrófica para as empresas europeias e… de sonho para os chamados “hard brexiteers”, como May.

Segundo referendo e, quem sabe, terceiro

Um último cenário, mais a longo prazo do que a breve, é o da realização de um novo referendo à saída britânica. Como? Sendo o acordo da primeira-ministra chumbado, os deputados podem solicitar que a decisão volte à casa de partida: o povo. Se a solicitação passar no Parlamento, o Brexit teria sempre que ser adiado, e bem para lá de julho, algo a que a União Europeia não se oporia, pois, e lembrando as declarações de Michel Barnier, não haverá “boa razão” tão boa quanto esta.

António Goucha Soares lembra que é costume da União Europeia forçar segundos referendos quando os resultados não interessam a Bruxelas. Mas levar o Reino Unido a essa opção é, diz, contraproducente. “A União Europeia tem uma prática de, quando há um referendo que lhe é desfavorável, fazer esse país repetir o referendo. E faz isso normalmente com os países com os quais tem maior ascendente. O Reino Unido é a democracia mais antiga do mundo. Levar o Reino Unido para um caminho desses eu acho que seria contraproducente”, explica o especialista em Direito Europeu à Renascença.

Seja como for, o resultado de um segundo referendo é imprevisível.

Theresa May descarta a hipótese de referendar o Brexit novamente. Os opositores, defensores da permanência, esperam-no desde 2016, quando 17,4 milhões voltaram a favor da saída. Quem apoia esta hipótese é, agora, o Partido Trabalhista, disse-o o seu próprio líder, Jeremy Corbyn, isto depois de ter visto o Parlamento derrotar o seu plano alternativo ao de Theresa May.

Ficaríamos por aqui, por um sim ou um não? Não. Supondo que os britânicos mudavam de ideias e que, afinal, pretendiam ficar na União Europeia – isto lembrando que até ao dia do voto haverá sempre extensão do Artigo 50 (uma derrota tremenda para os defensores do Brexit) e campanha –, os partidos pró-Brexit exigiriam sempre a realização de um terceiro, e definitivo, referendo.

Portanto, longos dias terá esta saída. Ou permanência.

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