Ranking das Escolas 2022

O que pedem os professores dos rankings? Respeito, menos papelada e mais exigência

19 jun, 2023 - 07:00 • André Rodrigues , Cristina Nascimento , Diogo Camilo , Liliana Carona , Salomé Esteves

Num ano letivo marcado por greves, a Renascença perguntou aos professores de alguns dos colégios e liceus que se destacaram no Ranking das Escolas o que mudavam no ensino e o que é preciso mudar na sua profissão.

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O ano letivo de 2022/23 foi marcado por dezenas de greves e manifestações de professores, que levaram à instabilidade nas salas de aulas e ao fecho de escolas. A propósito do Ranking das Escolas de 2022, a Renascença quis ouvir o que pedem os docentes de algumas das escolas que se destacaram.

Nuno Maio, professor de Biologia e Geologia, foi um dos coordenadores na escola com melhor média do país, o Grande Colégio Universal, no Porto.

Para si, o maior problema é a forma como a profissão é vista nos dias de hoje: “A geração mais antiga tinha uma educação mais autoritária, mas um autoritarismo que impunha respeito e que todos os elementos respeitavam. Agora é completamente ao contrário. São os professores que têm que respeitar tudo”.

O professor diz que tal tem de acontecer, mas que deve ser bilateral – e que a questão é transversal a muitas outras profissões. “Havendo a atribuição do justo papel, tudo o resto aparece. As questões da remuneração, dos horários”.

"Ser professor é lidar com centenas de alunos diferentes, passar por vários atores num dia só. É profundamente desgastante"

No ensino privado e no Grande Colégio Universal há 26 anos, Joana Correia é professora de Português. Para si, é urgente o regresso do respeito pela profissão. “É preciso que a população em geral respeite o professor. Sou de uma família de professores e o meu avô era o senhor professor. Era altamente respeitado, coisa que não acontece hoje. A partir do momento em que o professor volta a ser uma figura social respeitada, as coisas mudarão.”

A docente entende que é necessário um maior “controlo”, inclusive nas escolas com mais problemas a nível disciplinar.

Rui Brito é o diretor pedagógico deste colégio e foi professor de Economia até 2020. Na sua visão, defende que é necessário mais reconhecimento: “Ser professor é uma tarefa muito árdua. Estamos a lidar diariamente com centenas de alunos diferentes, com famílias e contextos familiares diferentes. Implica mudar constantemente de chip e passar por vários atores num dia só. Isso é profundamente desgastante.”

Menos burocracia e mais apoios ao deslocamento

Bruno Batista, professor de Educação Física, já esteve em mais escolas do que os anos de profissão que soma: a Escola Secundária de Vouzela é a sua 25.ª escola, em 23 anos de ensino.

“Ando sempre a concorrer. Claro que é impossível todo os professores estarem ao lado de casa mas, para os que não estão, deviam existir apoios. A carreira estagnou, até em termos de vencimento, que estão mais baixos que há 25 anos atrás. Algo está errado”, diz.

São papéis e mais papéis, questionários.. O fundamental para mim é trabalhar com os alunos"

O docente indica ainda que a profissão é desgastante e que o envelhecimento do setor é real: “Professores não podem dar as aulas até tão tarde. Lida-se com a cabeça e há pessoas com 50 anos que já não estão aptas”, dá o exemplo.

Também professora de Educação Física, Cristina Marques é o exemplo contrário - está há 25 anos na Escola Secundária de Vouzela -, mas tem a mesma queixa sobre o envelhecimento da classe e os deslocamentos: “Um professor fica muito mais motivado se tiver um trabalho mais perto de casa. Temos colegas que trabalham a 100 quilómetros”.

Para Cristina Gonçalves, professora de Informática na mesma escola, os maiores problemas são a burocracia associada à profissão e a estabilidade profissional. “Estou bastante cansada, são papéis e mais papéis, questionários... O que é fundamental para mim é trabalhar com os alunos”, diz, pedindo também a redução do número de alunos por turma.

“O Ensino Superior demite-se da responsabilidade de criar mecanismos para admissão”

Rui Madeira é diretor da Escola Artística António Arroio, uma das duas escolas artísticas portuguesas, a par com a Soares dos Reis, no Porto. Para o professor, na iminência de abandonar o cargo e regressar à sala de aula, são muitos os motivos de queixa.

Começa pelo descongelamento da carreira docente: “Quando alguém deve dinheiro a alguém que legitimidade é que tem de voltar a pedir dinheiro emprestado? Não tem nenhuma! E foi isso que o Estado fez”.

Mas é nos problemas particulares do ensino artístico que Rui Madeira se foca. O acesso ao Ensino Superior através dos exames nacionais é, sua opinião, totalmente desajustado ao século XXI. Na António Arroio, a carga horária é de 40 horas semanais e são feitas avaliações próprias como a Prova de Aptidão Artística e a Formação em Contexto de Trabalho.

Na opinião do diretor da António Arroio, todo o trabalho desenvolvido pelos alunos ao longo de três anos perde-se em “uma hora e meia ou duas horas e meia de um exame em que se tenta demonstrar o que se é, quando

Neste processo, acrescenta Rui Madeira, “as entidades de ensino superior se demitem da sua também responsabilidade de criar mecanismos para admissão” dos alunos aos seus cursos, ao colocar todo o peso no acesso ao ensino superior nos exames nacionais que são feitos nas escolas secundárias.

"Quando alguém deve dinheiro a alguém que legitimidade é que tem de voltar a pedir dinheiro emprestado? Não tem nenhuma"

“E, portanto, infelizmente, o ensino secundário torna-se subsidiário do superior. Quando, na verdade, pelo ensino superior afirmativo, positivo e exigente, seria de outra maneira.”

Para Adelino Azevedo Pinto, diretor da Escola Secundária Alves Martins, a medida mais urgente a resolver prende-se com os próprios alunos. Esta escola do interior de Viseu foi a melhor escola pública no Ranking de 2021 da Renascença.

Nos últimos anos, denota o diretor, tem havido um fluxo de alunos estrangeiros a chegar a estas e outras escolas. Estes alunos “por um processo legal de equivalência, são colocados aqui, muitas das vezes num ano mais à frente do que o conhecimento e a preparação do que estes alunos têm”.

Este desfasamento cria uma “desigualdade muito grande” entre os alunos. Nos próximos anos, sublinha o professor, é fundamental “dotar a escola com mais recursos humanos”, “com mais horas disponíveis para esses alunos, para os integrar da melhor maneira”.

Além disso, o Adelino Pinto lembra que os alunos carenciados também precisam deste apoio, especialmente num cenário de pós pandemia, em que houve um “prejuízo efetivo dos alunos”.

Menos “papelada” e mais exigência aos alunos

Professor há cerca de 40 anos e na Escola Secundária de Estarreja há quase 30, Rui Vidal levou estes alunos a uma média de 17 valores no exame de História A, a melhor no país, e entende que o problema no ensino é viver obcecado em grelhas e indicadores que “não passam de frases bem feitas”.

“Vivemos obcecados em papelada. Em grelhas e exigências superiormente exigidas que nos retiram o tempo necessário para estarmos mais próximos dos alunos e melhor prepararmos as aulas”, diz.

“O Ministério [da Educação] olha agora com muito mais interesse para as evidências do que para o resultado em si. Uma ótima solução seria não sobrecarregar as escolas com essas evidências que não passam de números ou de frases bem feitas”, defende.

Maria Azevedo, da Teach for Portugal, apela a que se olhe para o contexto de cada professor e que se crie um “ambiente seguro de aprendizagem”, em que é “seguro errar”, mas onde professores podem aprender uns com os outros.

"Os alunos de hoje não estão preocupados em adquirir conhecimento, estão simplesmente preocupados em obter um resultado final"

A cofundadora da organização, que presta apoio em escolas inseridas em contextos desfavorecidos, defende que a profissão é muito difícil, e que o seu trabalho não deve ser avaliado mediante resultados finais: "Um professor que tem que dar aulas numa escola que sirva uma comunidade carenciada, não tem que ser um professor que seja muito bom professor num outro contexto.”

Na ilha da Calheta, na Madeira, o professor Leonel Oliveira levou uma escola pública a uma média de quase 17 valores a Matemática, uma disciplina dominada pelos colégios privados.

Para si, é necessário existir “mais rigor e mais exigência na escola”. “Aquilo que se tem visto é uma política de demasiado facilitismo. Penso que não é o ideal para aquilo que entendo que é uma escola de eleição”, defende.

Leonel entende que, desde a pandemia, existe uma mentalidade em que alunos “não estão preocupados em adquirir conhecimento, estão simplesmente preocupados em obter um resultado final”. “Isto tem de ser mudado e revertido rapidamente, porque num futuro não muito longínquo isso vai refletir-se no país”, alerta.

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  • Mário Rui Simões Rod
    19 jun, 2023 Leiria 20:16
    E o que fizeram os Costas? Revogaram todos os programas... Limitaram o ensino público a resuminhos da matéria, a que eufemisticamente chamam “aprendizagens essenciais”... Suprimiram os exames nacionais a quase todas as disciplinas... Reduziram a quase zero o grau de dificuldade dos poucos exames e provas de aferição que ainda se realizam... Obrigaram os Professores a passar todos os alunos, enredando os docentes em tarefas inúteis e sujeitando-os a insanas justificações se ousarem ter um mínimo de exigência... Precarizando a vida dos professores e torturando-os com tarefas desnecessárias, autenticamente kafkianas, provocaram a maior falta de docentes que até hoje existiu, a qual se agravará enormemente nos próximos anos, levando dezenas ou centenas de milhares de alunos a não terem quem os ensine.
  • António dos Santos
    19 jun, 2023 Coimbra 13:49
    Este ranking não espelha a verdade, porque não há igualdade entre oficial e privado. Antes as escolas privadas iam fazer os exames às escolas oficiais. Como é de conhecimento geral na pública os professores não ajudam, mas na privada a situação é outra. Esta na altura do Ministério repensar este assunto, se não os alunos do oficial são prejudicados.

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